Descrição de chapéu The New York Times

Ameaças da China em meio a tensão com EUA geram conflito entre gerações em Taiwan

Em aparente contradição, mais velhos, que se lembram mais dos ataques de décadas atrás, são mais amigáveis a Pequim

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Amy Chang Chien John Liu Paul Mozur
Kinmen (Taiwan) | The New York Times

O café Forte San Jiao, na ilha de Kinmen, talvez seja o melhor lugar em Taiwan para se observar a ameaça de invasão da China. Com vista para a cidade chinesa de Xiamen, a 9,6 km de distância, ele foi construído sobre um antigo bunker militar, enfeitado com redes de camuflagem, e serve bebidas quentes e frias.

Com navios de guerra chineses agora na costa de Taiwan e mísseis caindo em seus mares, as lealdades divididas dos dois proprietários do café dizem muito sobre uma mudança de gerações em Taipé que transformou o relacionamento da ilha com a China. Se Pequim tentasse tomar Taiwan à força, Chiang Chung-chieh, 32, lutaria, mesmo que as chances de vitória sejam pequenas. Ting I-hsiu, 52, "se renderia".

Fotografia colorida noturna de homem em uma passarela; ele é asiático, de Taiwan, veste calça escura e camiseta branca e está no meio da passarela, iluminada por luzes neon azuis
Chiang Chung-chieh, 32, um dos proprietários do café Forte San Jiaoco, em Xiamen (Taiwan), diz que lutaria contra uma invasão chinesa; já seu sócio, Ting I-hsiu, 52, se renderia - Lam Yik Fei - 18.nov.2021/The New York Times

Com uma cultura forjada por eras de povos indígenas, centenas de anos de imigração chinesa, ocupação colonial japonesa e um período severo de lei marcial, Taiwan não é monolítica.

Durante suas três décadas de democracia, lealdades conflitantes dominaram a política, com as discussões sobre se acomodar ou se opor às reivindicações da China se repartindo conforme as linhas de idade, identidade e geografia.

Nos últimos anos, sob a crescente belicosidade de Pequim, o meio-termo mudou. Agora, cada vez mais, os taiwaneses se identificam como separados do continente. Para eles, a China representa uma ameaça existencial a um modo de vida pluralista e democrático; não consideram Taiwan parte de uma família dividida há muito tempo, como Ting e muitas pessoas mais velhas descrevem o relacionamento.

Mesmo nas ilhas mais próximas do continente, que historicamente têm sido mais inclinadas ao vizinho gigante, Ting é uma raça em extinção. Contraditoriamente, a geração mais velha, que se lembra mais dos ataques de décadas atrás, é a mais amigável com a nação.

Beneficiários da liberalização econômica chinesa e da educação que enfatizava os laços com Pequim, eles lembram os anos em que a China se abriu para o mundo e enriqueceu muitos, antes de Xi Jinping ascender ao poder. Para os taiwaneses mais jovens, sua visão da China é a que Xi forjou, uma terra iliberal inclinada a negar sua capacidade de escolher os próprios líderes.

Embora Chiang tenha tido experiências semelhantes às de Ting –ambos passaram algum tempo na China e viveram grande parte da vida em Kinmen–, ele valoriza a abertura e se sente ameaçado por Pequim. "Eu aprecio a liberdade e a democracia de Taiwan e não quero ser unificado por outros", diz.

A perspectiva —endurecida por décadas de regime democrático, bem como pelos esforços incansáveis da China para isolar Taiwan e, mais recentemente, desmontar as instituições democráticas de Hong Kong— informou a reação discreta de muitos aos exercícios militares por causa da visita a Taiwan da presidente da Câmara dos EUA, Nancy Pelosi. É o que muitos esperavam.

Mesmo no café Forte San Jiao, construído sobre um fragmento histórico de um passado não muito distante de confronto militar direto, houve indiferença às novas ameaças. Em contraste com os tanques que enferrujam na praia abaixo, equipamentos descartados que lembram os dias em que os dois lados trocavam tiros de artilharia, os exercícios aconteceram longe, nos céus e mares.

Nesta sexta (5), a China enviou caças, bombardeiros e mais de dez destróieres e navios de escolta para áreas ao redor de Taiwan, com alguns cruzando a Linha Mediana do estreito de Taiwan. O lançamento pela China de pelo menos 11 mísseis no primeiro dia de exercícios foi invisível para a maioria.

Ao longo da costa nas ilhas Matsu, arquipélago perto da China continental, a vida continuou normalmente, apesar de estar a apenas 40 km de um dos locais de preparação dos exercícios. Ao lado de soldados taiwaneses que carregavam projéteis de artilharia em um barco de transporte, uma limpeza voluntária da praia continuou. Muitos disseram que as coisas já foram piores.

Fotografia colorida mostra mulher sentada de costas para a câmera à mesa de um restaurante; ela veste camisa branca e tem os cabelos pretos e lisos presos, enquanto segura um hashi; na TV à sua frente, no alto, noticiário sobre exercícios militares chineses
Mulher assiste a TV ligada no noticiário sobre os exercícios militares chineses em um restaurante nas ilhas Matsu, em Taiwan - An Rong Xu/The New York Times

Fortalecidos por décadas de impasse militar, os moradores mais velhos deram de ombros para as tensões. Durante um impasse EUA-China em 1995 e 1996, antes da primeira eleição presidencial direta de Taiwan, eles lembraram como as pessoas fugiram das ilhas menores e correram para os bancos para sacar economias durante as ações militares chinesas.

Pao Yu-ling, 62, está convencido de que, assim como da última vez, nada acontecerá. É um raro ponto de concordância com sua filha de 35 anos, Chang I-chieh.

Fotografia colorida de mulher asiática de origem taiwanesa com filha de dois anos de idade no colo; elas estão sentadas a uma mesa cheia de pratos e recipientes de comida
Chang I-chieh, 35, com a filha no colo, defende a liberdade de Taiwan, no restaurante de sua mãe, Pao Yu-ling, 62, nas ilhas Matsu - An Rong Xu/The New York Times

Ela tem pouca lembrança dos exercícios anteriores durante a Terceira Crise do Estreito de Taiwan, como o impasse foi chamado na época. Em vez disso, diz que as dragas de areia chinesas, que recentemente invadiram os mares perto das ilhas, são um sinal mais palpável de agressão.

Agora ela vê o autoritarismo de Pequim com olhar crítico. Enquanto a mãe acredita que o crescimento econômico deve vir em primeiro lugar e admira os novos edifícios erguidos nas ilhas próximas, Chang afirma que liberdade e democracia são primordiais. "Sun Yat-sen, nosso pai fundador, demorou tanto para vencer a revolução para nos tirar da ditadura, por que devemos voltar?".

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.