Candidatos à Presidência ignoram China em planos para diplomacia do Brasil

Projetos de política externa se assemelham em lacunas e divergem em relações econômicas com parceiros internacionais

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São Paulo

Maior parceiro comercial do Brasil e peça central no xadrez global, a China é ausência notável nos projetos para a política externa dos principais presidenciáveis brasileiros. O gigante asiático ficou de fora dos programas apresentados pelos quatro candidatos à frente na disputa segundo a mais recente pesquisa Datafolha.

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fala em trabalhar pela construção de uma nova ordem global. Jair Bolsonaro (PL) menciona a Ásia nas primeiras páginas do programa protocolado no TSE, ao afirmar que o enriquecimento da população do continente tem pressionado o crescimento econômico dos países do Ocidente. Mas nem eles nem os demais candidatos —à exceção de Sofia Manzano (PCB)— citam diretamente a China.

Xi Jinping em reunião da cúpula do Brics realizada no Palácio do Itamaraty, em Brasília
Xi Jinping em reunião da cúpula do Brics realizada no Palácio do Itamaraty, em Brasília - Pedro Ladeira - 14.nov.19/Folhapress

Analistas se dividem quanto à lacuna envolvendo a potência de papel preponderante na Guerra da Ucrânia e rival cada vez mais acentuado dos EUA —segundo maior parceiro comercial brasileiro. Tatiana Berringer, professora da Universidade Federal do ABC, na qual integra o Observatório da Política Externa e Inserção Internacional do Brasil (Opeb), vê como um equívoco os programas não tratarem do tema.

Afinal, diz ela, uma boa política externa parte de uma avaliação realista da conjuntura internacional e das capacidades de um país para se inserir nela. "Não tem como não falar de China", afirma. "Talvez os candidatos tenham feito isso para não entrar na disputa ideológica da sinofobia. Mas o tema carece de debate, e acho que ele aparecerá na mídia e nos próprios embates entre eles."

Sob Bolsonaro, houve momentos de tensão com Pequim, com ataques feitos por membros do governo e do entorno do presidente —notadamente seu filho Eduardo (PL-SP)— e respondidos pelo então embaixador chinês em Brasília, Yang Wanming.

O pesquisador Wesley Sá Teles Guerra, coordenador do Observatório Galego da Lusofonia, pondera que não fazer referência aos asiáticos seria uma forma de cautela; uma menção ao país, segundo ele, poderia ser lida pela comunidade internacional como manifestação de alinhamento direto ou apoio.

A ausência do tópico não é, porém, o único denominador comum entre os planos para a diplomacia dos presidenciáveis com mais de 1% de intenção de votos segundo o Datafolha —os dois já citados, mais Ciro Gomes (PDT), que dedica poucas linhas à política externa em seu programa, e Simone Tebet (MDB).

Os quatro propõem reforçar a participação do Brasil em fóruns mundiais e organizações multilaterais —os rivais de Bolsonaro falam em devolver prestígio e protagonismo internacionais à diplomacia. Comprometem-se ainda com uma reaproximação do Brasil com os vizinhos na América do Sul e defendem desenvolvimento sustentável e políticas de preservação do meio ambiente.

As propostas, que poderiam soar previsíveis, não deixam de surpreender quando partem do candidato à reeleição. Analistas apontam que elas são muito mais próximas das diretrizes clássicas da diplomacia brasileira do que do programa do político à época em que foi eleito e da prática nos últimos quatro anos.

O plano de 2018 defendia o afastamento do que chamava de "ditaduras assassinas", notadamente a Venezuela, e a aproximação com EUA e Israel, "democracias importantes" que teriam sido desprezadas e atacadas nos governos do PT.

Para Gustavo Rocha, doutor em ciência política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o texto do plano para a possível reeleição do presidente é permeado por uma retórica típica do bolsonarismo.

Um trecho do programa afirma, por exemplo, que "o presidente buscou uma interação robusta com nações democráticas, em equilíbrio com nossa vocação universalista".

Na prática, sua gestão foi marcada por uma relação com os EUA sob Donald Trump tachada por críticos de vassalagem e pela aproximação com líderes autoritários. Bolsonaro já chamou de irmãos Mohammed bin Salman, príncipe herdeiro da Arábia Saudita, acusado de ordenar o assassinato de um jornalista crítico ao seu regime, e Viktor Orbán, primeiro-ministro que conduz a Hungria em uma escalada autoritária.

Essa espécie de guinada discursiva no plano de Bolsonaro pode se explicar, entre outras coisas, segundo Rocha, pela substituição de Ernesto Araújo, de perfil estridente, por Carlos França, visto como mais técnico, no comando do Itamaraty.

A busca por certo pragmatismo incluiu ainda um ensaio de aproximação com Joe Biden nos EUA. Nas palavras de Berringer, da Universidade Federal do ABC, quando o trumpismo caiu, caiu também uma dita "aliança do ocidentalismo" —para ela, essa percepção, aliada ao fato de que a aproximação anterior com Washington não se traduziu em ganhos econômicos palpáveis, levou aos ajustes.

A maior divergência entre os quatro presidenciáveis, e talvez o ponto que melhor revele os contrastes entre os modelos econômicos que eles propõem, parece ser a entrada na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o chamado clube dos países ricos.

Bolsonaro dedica uma seção inteira em seu plano ao ingresso na entidade, que neste ano deu um sinal verde para a candidatura do Brasil. O plano de governo do presidente argumenta que a entrada na organização funcionaria como uma espécie de selo de boas práticas e estimularia acordos com nações desenvolvidas —alegação ecoada por Simone Tebet e Felipe d'Avila (Novo).

Nelson Marconi, coordenador da campanha de Ciro, diz que o candidato também defende priorizar relações com os países desenvolvidos, uma vez que elas permitiriam transferência de tecnologia, aspecto importante no programa desenvolvimentista proposto pelo pedetista. Mas considera algumas das condições para o ingresso na OCDE prejudiciais ao Brasil.

Lula, por sua vez, não cita a entidade no seu plano de governo. Mas Celso Amorim, ex-chanceler e principal conselheiro do petista para assuntos internacionais, já afirmou em entrevistas que fazer parte da OCDE não só não é garantia de investimento externo como não traria grandes benefícios para o Brasil.

O programa de Lula busca resgatar a "diplomacia ativa e altiva", estreitando relações com o Sul Global e com os países do Brics —como mostrou a Folha, o petista já procurou embaixadores estrangeiros e defendeu a atuação do bloco com China, Rússia, Índia e África do Sul na busca por uma solução para a Guerra da Ucrânia e a reinserção do Brasil no tabuleiro internacional.

Os analistas ouvidos pela Folha veem as propostas dos principais candidatos como mais afinadas com as emergências atuais —enquanto outros planos, em especial os dos partidos mais à esquerda, como PCB e PSTU, soam desconexos em relação à conjuntura, ainda que abordem temas ignorados pelos demais.


Destaques nos planos para a diplomacia dos principais candidatos

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) 

  • Recuperar o protagonismo do Brasil na política externa, fortalecendo Mercosul, Unasul, Celac e Brics e ampliando a participação nacional em organismos multilaterais em geral
  • Reconstruir cooperação internacional Sul-Sul e promover integração da América Latina e do Caribe, de modo a reforçar a segurança local e desenvolver a região em sincronia
  • Retomar e ampliar políticas públicas para a população brasileira no exterior e seus direitos de cidadania

Jair Bolsonaro (PL)

  • Intensificar trocas com países de todo o mundo por meio de acordos e da atuação em órgãos internacionais
  • Ampliar investimento nas Forças Armadas
  • Reduzir dependência externa, definindo áreas estratégicas nas quais investir, como a segurança energética (em meio aos efeitos da Guerra da Ucrânia)
  • Prosseguir com o processo de ingresso na OCDE
  • Desenvolver a região tendo como referência a sustentabilidade e o respeito aos indígenas

Ciro Gomes (PDT)

  • Aumentar exportação de manufaturados
  • Priorizar acordos com nações desenvolvidas, visando a transferência de tecnologia
  • Voltar a exercer papel de liderança não impositiva e integrada na América do Sul e estreitar não só laços comerciais como culturais
  • Juntar forças com países da América do Sul para melhorar a fiscalização nas fronteiras e formar cooperações do ponto de vista de troca de informação

Simone Tebet (MDB)

  • Formular e implementar plano de redução gradual de tarifas aduaneiras e eliminar medidas não tarifárias e negociações comerciais com ênfase em acesso a mercados
  • Promover integração física e investimentos em infraestrutura na América do Sul e consolidar o Mercosul
  • Utilizar extensa rede de representações diplomáticas no exterior para facilitar os fluxos bilaterais de pessoas, bens, serviços, investimentos e tecnologias
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