Cardeal canadense com alto cargo no Vaticano é acusado de abuso sexual

Prefeito da Congregação para os Bispos teria assediado estagiária em 2010, quando atuava em Québec

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Montreal | AFP

O nome do cardeal canadense Marc Ouellet, 78, apareceu em uma ação coletiva contra 88 membros da arquidiocese de Québec acusados de abusar sexualmente de fiéis. O religioso é hoje prefeito da Congregação para os Bispos e em alguns círculos tem sido aventado como um dos possíveis sucessores do papa Francisco.

A acusação foi admitida pela Suprema Corte da província em maio, mas divulgada nesta terça-feira (16). Segundo uma mulher identificada apenas pela letra F, Ouellet a tocou indevidamente várias vezes quando ela tinha 23 anos e fazia estágio como agente pastoral, entre 2008 e 2010. Na época, o religioso era arcebispo de Québec.

Cardeal Marc Ouellet caminha na praça de São Pedro, em Roma
Cardeal Marc Ouellet caminha na praça de São Pedro, em Roma - Filippo Monteforte - 5.mar.13 /AFP

Em um desses casos, contou F a um programa investigativo da Radio-Canada, o cardeal a beijou e deslizou a mão pelas costas dela até tocar suas nádegas. Durante o encontro, o hoje cardeal teria dito a ela que era a segunda vez que eles se viam na semana e que, por isso, poderia beijá-la novamente. "Isso me deixou muito desconfortável", disse a vítima.

Em outra ocasião, Ouellet teria segurado a mulher contra seu corpo e massageado seus ombros e suas costas "até o ponto onde as nádegas começam". Os relatos da vítima também foram transcritos pela Canadian Radio Broadcasting Commission (CBC).

"Eu me senti perseguida. [A situação] se tornou cada vez mais invasiva e cada vez mais intensa, a ponto de eu parar de participar de eventos. Tentei evitar ao máximo estar na presença dele", disse ela.

O programa investigativo também ouviu um padre que confirmou a existência de rumores de assédios sexuais na época em que Ouellet comandava a arquidiocese de Québec. Em 2010, o cardeal se mudou para Roma e, três anos depois, foi apontado por vaticanistas como um dos favoritos a suceder o papa Bento 16.

Procurada pela agência de notícias AFP, a arquidiocese disse nesta terça que "tomou nota das acusações contra o cardeal", mas que não comentaria o assunto. O Vaticano não se pronunciou.

A ação coletiva indica que os casos de assédio envolvendo a mulher identificada como F foram relatados, em 2020, ao comitê consultivo de abuso sexual da arquidiocese. Um ano depois, ela teria enviado uma carta ao papa Francisco comentando o episódio –o pontífice, na época, designou um padre para liderar a investigação.

Segundo a CBC, uma reunião virtual foi marcada entre a vítima e o Vaticano, mas F afirmou não ter sido informada sobre o estágio da investigação. Ouellet continuou presidindo a Pontifícia Comissão para a América Latina e exercendo a função de prefeito da Congregação para os Bispos —o órgão supervisiona a nomeação de bispos e auxilia a administração de dioceses.

Além das acusações contra o cardeal, a ação coletiva aponta que outras cem pessoas disseram ter sido agredidas sexualmente por membros do clero e funcionários da arquidiocese desde junho de 1940. A maioria dos casos ocorreu nas décadas de 1950 e 1960, quando as vítimas eram menores de idade.

As revelações vêm três semanas depois de uma visita do papa Francisco ao Canadá. Na ocasião, ele se desculpou por abusos de membros da Igreja em internatos para indígenas. As instituições religiosas separaram à força ao menos 150 mil crianças de suas famílias para assimilá-las a costumes ocidentais entre 1880 e 1990, e há relato de abusos sexuais e espancamentos. A Comissão Nacional da Verdade criada pelo Estado para investigar o caso o descreveu como genocídio cultural.

Em fevereiro, durante um simpósio no Vaticano também na presença de Francisco, Ouellet citou o "drama de abuso sexual cometido por clérigos" e criticou "o comportamento criminoso que foi encoberto por muito tempo" para proteger a instituição.

"Estamos todos divididos e humilhados por essas questões cruciais que nos desafiam todos os dias como membros da Igreja", disse o religioso, conhecido pelas posições conservadoras, na ocasião.

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