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Cocaína espalha rastro de sangue e consolida crime organizado na América Latina

Países menores e antes mais pacíficos assistem a aumento da violência em meio a novas rotas do tráfico

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Michael Stott
Financial Times

Uma explosão que destruiu a fachada de duas casas modestas, matando pelo menos cinco pessoas. Dois corpos deixados pendurados de uma ponte sobre uma avenida movimentada. Pelo menos 187 detentos assassinados em duas chacinas em presídios, alguns deles decapitados.

Esse rastro de sangue não seria incomum no México ou na Colômbia, países marcados há décadas pela violência das drogas. Mas aconteceu nos últimos 12 meses em Guayaquil, a maior cidade do Equador, país antes tranquilo.

Policiais organizam pacotes de cocaína apreendidos em Rosario, na Argentina - AFP

No Uruguai, frequentemente descrito como "a Suíça da América Latina", 14 cadáveres apareceram num período de dez dias este ano. Três tinham sido queimados e um fora desmembrado.

A lua de mel caribenha do procurador antidrogas chefe do Paraguai chegou ao fim em maio com duas balas, quando um atirador o executou na praia, diante de sua esposa grávida.

Por trás dessa disseminação assustadora do crime violento nos países menores e antes mais pacíficos da América Latina está o sempre crescente comércio de cocaína. Constantemente sedentos de expansão, os chefes dos cartéis estão traçando novas rotas para chegar a novos mercados.

"Estamos assistindo à culminação da globalização do tráfico de drogas", disse Jimena Blanco, diretora de pesquisas políticas sobre as Américas na Verisk Maplecorft. "É uma tendência que começou cinco a dez anos atrás, mas vem se acelerando nos últimos anos."

Antuérpia apreendeu mais cocaína que qualquer outro porto europeu no ano passado –quase 90 toneladas. A alfândega belga disse que os três principais países de origem foram o Equador, Paraguai e Panamá, nenhum deles importante produtor da droga.

A maior parte da cocaína que chega à Europa é contrabandeada em contêineres de navios. "Quando os índices de apreensão da droga chegam a 20% ou 25%, os traficantes tendem a trocar de rotas", disse Jeremy McDermott, diretor-executivo da InSight Crime. Juntamente com Santos e Limón, na Costa Rica, Guayaquil é um dos portos que, segundo McDermott, integram uma "segunda onda de portos" usados nos últimos anos para a exportação de cocaína. Paraguai, Uruguai e Chile são acréscimos mais recentes.

A situação é tão tenebrosa que hoje, segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC, na sigla em inglês), todos menos 3 dos 21 países continentais latino-americanos são "países principais de origem ou trânsito" da cocaína —as exceções são Guiana, Belize e El Salvador.

Os cartéis do tráfico não se limitaram a expandir suas rotas: também ampliaram as dimensões totais do negócio da cocaína e diversificaram seus negócios para abarcar empreendimentos criminosos adjacentes.

Depois de cinco décadas da guerra às drogas liderada pelos Estados Unidos e de bilhões de dólares gastos com a interdição e a perseguição aos chefões dos cartéis, o narcotráfico nunca foi maior. Em 2020 a produção total de cocaína alcançou um novo recorde de 1.982 toneladas, segundo o UNODC –mais que o dobro do volume de 2014.

Na Europa, a cocaína nunca esteve tão abundante ou tão barata em termos reais, e os traficantes estão investindo em mercados lucrativos na Rússia, China e partes da Ásia onde a droga alcança preços duas ou três vezes mais altos. Nas palavras de McDermott, "a cocaína vem pipocando em todo lugar".

Os grandes cartéis já ampliaram sua atuação para muito mais que o tráfico de drogas. Hoje eles transportam refugiados ilegalmente, extorquem empresas, sequestram pessoas ricas e vendem madeira e ouro ilegais da Amazônia. O crime organizado chileno está envolvido na pesca ilícita, e o negócio mais recente das quadrilhas mexicanas, segundo Blanco, da Verisk, é o contrabando de pílulas abortivas para os Estados Unidos.

A litania de estatísticas deprimentes da fracassada guerra às drogas e seu custo humano tenebroso tem levado um número crescente de políticos latino-americanos a propor a legalização da cocaína.

Porém, como destaca Shannon O’Neil, vice-presidente do think tank Council of Foreign Relations, em Nova York: "Essas organizações não são mais cartéis de drogas, na realidade. São grupos do crime organizado. Mesmo que eliminássemos as drogas, ainda teríamos extorsão, assaltos, tráfico de pessoas, contrabando de ouro."

"A questão principal deveria ser: como fazer valer o Estado de Direito?" Numa região notória pela corrupção, a implementação falha das leis e as altas taxas de homicídio, essa é uma tarefa difícil —mas crucial.

Tradução de Clara Allain

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