Fome nos EUA cresce com inflação e aumenta demanda por doações

Organizações relatam que ajuda estatal e privada, ampliada durante a pandemia, tem rareado, apesar da crise

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Lora Kelley Nicholas Kulish
Nova York | The New York Times

Na primeira vez que Kelly Wilcox dirigiu seu Dodge Grand Caravan 2017 até o banco de doação de alimentos perto de sua casa, em Payson (Utah), notou algo que a surpreendeu: modelos mais recentes de sedãs e minivans Toyota e Honda. "Vi um monte de outras pessoas com carros como o meu, com filhos."

Mãe de quatro crianças pequenas, ela não sabia o que esperar quando fez a primeira viagem ao Tabitha's Way Local Food Pantry (banco de alimentos Caminho de Tabitha). Sabia que precisava de ajuda. Seu marido tinha perdido o emprego —ele logo encontrou um novo, como gerente de contas, mas, com a inflação, não era suficiente.

Volunteers prepare food orders for clients at Tabitha?s Way Local Food Pantry in Spanish Fork, Utah, July 26, 2022. Tabitha?s Way used to serve roughly 130 families each week, but this year that number has climbed to over 200. (Niki Chan Wylie/The New York Times)
Voluntários organizam doações de alimentos em Utah, nos Estados Unidos - Niki Chan Wylie - 26.jul.22/The New York Times

"Ainda não conseguimos pagar as contas", diz Wilcox, 35. Para manter os filhos alimentados agora, ela visitou o local de doações regularmente e diz que, salvo uma mudança, como uma queda nos preços dos alimentos ou um aumento salarial para o marido, isso será necessário no futuro próximo.

A Tabitha's Way, em Spanish Fork, cidade com 44 mil habitantes, costumava atender cerca de 130 famílias por semana, oferecendo artigos essenciais como verduras frescas e comida para bebês. Neste ano, atendendo a pessoas como Wilcox e sua família, cujos contracheques não são suficientes, o número subiu para mais de 200.

O aumento da insegurança alimentar não se deve a uma onda repentina de desemprego, como ocorreu em 2020, na primeira onda da pandemia. Tem a ver com a inflação –preços mais altos da moradia, do gás e especialmente dos alimentos. Segundo o último relatório de preços ao consumidor, o custo dos alimentos aumentou 10,4% em relação ao ano anterior, o maior aumento em 12 meses desde 1981.

Os bancos de alimentos estão tentando atender a essas necessidades enquanto lidam com a diminuição de doações.

Dados do Censo americano mostraram que, no mês passado, 25 milhões de adultos às vezes não tiveram o suficiente para comer nos sete dias anteriores. Esse foi o maior número desde pouco antes do Natal de 2020, quando a pandemia continuou afetando duramente a economia e a taxa de desemprego era quase o dobro da atual.

Pesquisa realizada pelo Urban Institute descobriu que a insegurança alimentar, depois de cair acentuadamente em 2021, subiu em junho e julho para aproximadamente o mesmo nível de março e abril de 2020: 1 em cada 5 adultos relatou insegurança alimentar nos 30 dias anteriores. Entre os adultos empregados, 17,3% disseram ter passado por insegurança alimentar, em comparação com 16,3% em 2020. A pesquisa mais recente teve 9.494 entrevistados e uma margem de erro de 1,2 ponto percentual.

Essas tendências se refletem no que Wendy Osborne, diretora da Tabitha's Way, vê em Utah. "Há mais pessoas que têm empregos mas simplesmente não estão ganhando o suficiente." Ela diz que a maioria das famílias que pegaram comida no Tabitha's Way estava trabalhando em um ou mais empregos.

Filas de milhares de carros em torno dos bancos de alimentos estavam entre as imagens icônicas da primeira fase da pandemia, quando a economia se contraiu após paralisações em todo o país. O governo federal ajudou com fundos e alimentos extras.

"Houve uma grande resposta de caridade no início. Houve também uma resposta muito robusta do governo", diz Elaine Waxman, especialista em insegurança alimentar e programas federais de nutrição do Urban Institute, em Washington.

Mas o fim do aumento do desemprego, os cheques de estímulo e pagamentos mensais de créditos fiscais para crianças, combinados com a inflação, significam que os problemas estão começando a surgir novamente. Desta vez, as doações caíram, assim como a necessidade está aumentando novamente.

A Feeding America, maior rede de bancos de alimentos do país, que ajuda a abastecer despensas menores, nas quais os clientes pegam comida, disse que 65% das organizações membros relataram um aumento de maio a junho no número de pessoas atendidas. Apenas 5% relataram queda.

Ao mesmo tempo, as doações em dinheiro, uma grande ajuda no início da pandemia, diminuíram. No primeiro trimestre, a receita do escritório nacional caiu quase um terço em relação ao ano anterior, de US$ 151 milhões para US$ 107 milhões. "Você está no meio de uma batalha e as pessoas estão abandonando o campo", diz Claire Babineaux-Fontenot, diretora da Feeding America.

A rede inclui 200 bancos de alimentos e 60 mil despensas de alimentos e programas de refeições. Nos quatro meses para os quais há dados recentes disponíveis, de fevereiro a maio, 73% dos bancos de alimentos da Feeding America pesquisados disseram que as doações de alimentos caíram, com 94% apontando que o custo da compra de alimentos aumentou e 89% que estão pagando mais por transporte para adquirir ou entregar alimentos.

Nos três primeiros trimestres do ano fiscal de 2022, a rede disse que recebeu 517 mil toneladas de alimentos de programas federais, em comparação com 1,1 milhão de toneladas no ano anterior.

"Houve muita atenção nacional durante a Covid, com razão, mas infelizmente as coisas não mudaram e estão piorando agora, especialmente com toda essa inflação", diz Wendy Osborne.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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