Lula defende alternância de poder na Venezuela

Ex-presidente fala em reforma da ONU em entrevista a jornalistas estrangeiros

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São Paulo

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defendeu nesta segunda-feira (22) a realização de eleições livres e a alternância de poder na Venezuela. O petista, que lidera as pesquisas de intenção de voto para o pleito presidencial, deu uma entrevista coletiva a jornalistas estrangeiros em São Paulo.

Ao ser questionado sobre como, caso eleito, poderia atuar para que o país vizinho tenha pleitos democráticos, reconhecidos pelo regime e pela oposição, o ex-presidente afirmou que gostaria de desejar à Venezuela o que quer para o Brasil. "Que as eleições sejam sempre mais livres e que se acate o resultado", afirmou, em crítica indireta também aos ataques feitos pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), a quem enfrentará em outubro, ao sistema eleitoral.

"Defendo alternância de poder não só para mim. Desejo para a Venezuela e para todos os países. Não há presidente insubstituível. O Brasil vai tratar a Venezuela com respeito." O ex-presidente era aliado de Hugo Chávez, e a relação ainda próxima que o PT mantém com o ditador Nicolás Maduro —bem como com figuras como Daniel Ortega, na Nicarágua— é vista por críticos como uma vidraça do partido.

O ex-chanceler Celso Amorim e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em entrevista coletiva a jornalistas estrangeiros nesta segunda em São Paulo - Miguel Schincariol - 22.ago.22/AFP

Lula, que deu a entrevista ao lado dos ex-ministros Aloizio Mercadante e Celso Amorim, afirmou ainda que teve uma extraordinária relação com a Venezuela quando esteve no poder e que deseja que o país vizinho "seja o mais democrático possível".

"Não concordei quando a União Europeia inteira aceitou [Juan] Guaidó como presidente da Venezuela. Ele era um impostor, está provado que era um impostor. Sempre aprendi a respeitar a autodeterminação dos povos de um país, não posso ficar me metendo", disse o petista.

O Brasil, sob Bolsonaro, também reconheceu o autoproclamado Guaidó como presidente. O político estendeu seu mandato em janeiro, mas na prática não tem nenhum poder e, mesmo entre a oposição a Maduro, encontra resistência cada vez maior.

Amorim, que ocupou a chancelaria quando Lula foi presidente, é considerado seu principal conselheiro para o setor. Como mostrou a Folha, ele já se reuniu com diplomatas europeus para esclarecer quais seriam as linhas gerais da diplomacia de um eventual novo governo do petista.

Na entrevista desta segunda, o petista ainda elogiou um ensaio de reaproximação que os Estados Unidos fizeram com a ditadura venezuelana. O movimento da Casa Branca, que incluiu a visita de uma delegação americana e a soltura de dois presos por Caracas na sequência, deu-se em meio a tentativas de contornar problemas de fornecimento de petróleo gerados pela Guerra da Ucrânia.

A Venezuela tem uma das maiores reservas do produto, e os EUA e outros países ocidentais baniram a importação de petróleo, gás e carvão da Rússia em retaliação ao conflito —o que elevou o preço globalmente.

"Fiquei feliz de ver que o [presidente dos EUA, Joe] Biden está tentando uma nova aproximação com a Venezuela e espero que não seja só por causa do petróleo, espero que seja por causa da civilização", disse Lula.

Ao falar sobre a Guerra da Ucrânia, o ex-presidente também afirmou que, caso eleito, pretende fazer do Brasil um moderador nas negociações de paz na Europa —ele e Amorim já vinham defendendo essa tese ao citar a necessidade de envolvimento do Brics, grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, no tema.

"Eu espero que quando eu ganhar as eleições, a guerra já tenha terminado. Se por acaso não tiver terminado, pode ficar certo que o Brasil fará todo o esforço na conversa com outro chefe de Estado para que a gente estabeleça novamente a paz", afirmou. Bolsonaro, que esteve em Moscou com Vladimir Putin antes de o conflito estourar, conversou recentemente com o ucraniano Volodimir Zelenski e ouviu críticas por manter uma posição que ele diz ser de neutralidade.

Lula aproveitou a citação à Guerra da Ucrânia para exortar a criação de uma nova governança mundial. Segundo o ex-presidente, é preciso que mais países integrem o Conselho de Segurança da ONU e que as Nações Unidas como um todo sejam reformuladas para evitar novos conflitos.

"Por que o Brasil não pode estar [com assento permanente] no Conselho de Segurança da ONU? Por que o México não pode estar, a África do Sul, Índia, Egito, Alemanha, Japão? A [Segunda] Guerra acabou em 1945, não é possível que apenas os que participaram diretamente, ganhadores e perdedores, estejam lá", disse, em referência a EUA, França, Rússia, China e Reino Unido. "É preciso colocar a geopolítica do século 21 para dirigir a ONU e quem sabe a gente consiga evitar essas guerras."

Como exemplo, o petista disse não admitir um conflito entre China e Taiwan, em meio a tensões acirradas na região após a visita da presidente da Câmara dos EUA, Nancy Pelosi, à ilha, vista como rebelde por Pequim. Ele citou também o conflito entre israelenses e palestinos e disse que "a ONU teve força para criar o Estado de Israel, mas não tem força para criar o Estado palestino".

Como tem feito frequentemente, Lula acusou Bolsonaro de isolar o Brasil e defendeu a criação de um pacto global para frear as mudanças climáticas. "É preciso que a gente decida isso a nível internacional e que essa decisão valha para todos os países do planeta", afirmou. O assunto já havia sido mencionado em uma reunião recente do ex-presidente com embaixadores.

O petista voltou a pregar proteção à Amazônia e defendeu um debate internacional sobre as condições de proteção à floresta, mas com respeito à soberania do Brasil. "Temos que envolver na discussão todos os países amazônicos. Para que tenhamos uma atitude coletiva na preservação da nossa floresta e da nossa biodiversidade."

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