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Manifestantes enfrentam polícia na Argentina e irritam vizinhos de Cristina Kirchner

Vice-presidente acusada de corrupção pede que milhares encerrem protestos após tumultos

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Buenos Aires

Já passava das 22h de sábado (27) quando Cristina Kirchner decidiu se pronunciar sobre as manifestações diante da porta de sua casa, no bairro nobre da Recoleta, em Buenos Aires. Os atos ocorrem há seis dias, desde que a procuradoria argentina pediu que a vice-presidente seja condenada a 12 anos de prisão.

Na segunda (22), o promotor Diego Luciani também solicitou que a vice-presidente seja inabilitada a concorrer a cargos públicos para o resto da vida e que sejam devolvidos aos cofres públicos 5,3 bilhões de pesos (R$ 190 milhões). Cristina é acusada de chefiar um esquema de associação ilícita e fraude ao Estado no período em que foi presidente da República (2007-2015).

Apoiadores se reúnem do lado de fora da casa da vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner, em Buenos Aires
Apoiadores se reúnem do lado de fora da casa da vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner, em Buenos Aires - Agustin Marcarian -27.ago.22/Reuters

As manifestações reuniram argentinos de ambos os lados do mais recente debate político do país. Perto do endereço de Cristina, um edifício de esquina num dos bairros mais icônicos da capital, havia gente contra e a favor da vice-presidente —os extremos eram notáveis a partir dos gritos de "Cristina na cadeia" de um lado e "ninguém toca Cristina" de outro.

Enquanto a noite avançava, chegaram os militantes do La Cámpora, associação juvenil kirchnerista. O grupo estourou fogos de artifício e certamente desagradou os vizinhos de Cristina no bairro em que a coalizão de oposição ao governo Juntos por El Cambio costuma receber a maior parte dos votos.

Horas antes, o chefe de governo de Buenos Aires, Horacio Larreta —também ele um adversário político do kirchnerismo— mandou colocar barreiras em torno do quarteirão. Era um movimento para, segundo Larreta, impedir o trânsito e "respeitar os vizinhos, que não dormem há cinco noites".

A ordem, no entanto, foi lida como uma provocação pelos apoiadores de Cristina e teve efeito contrário. Os manifestantes começaram a derrubar as barreiras e acrescentaram aos atos uma bandeira de enfrentamento ao governo de Buenos Aires.

"Vim de casa bem cedo. É um absurdo essa perseguição judicial a quem deu tanto aos argentinos mais pobres", disse Facundo Salgado, 29, que trabalha no ramo da construção. Atores, personalidades da cultura e das artes se uniram ao protesto contra as autoridades da cidade.

Já os manifestantes contrários a Cristina, vestidos com camisetas da seleção argentina, além de gritarem ofensas contra a vice-presidente —"ladra" e "corrupta"— também elogiavam o promotor Luciani.

"Foi muito corajoso da parte dele, e a ameaça veio no mesmo tom. Agora querem matá-lo, nada menos, já anunciou o próprio presidente", disse Diego Corrales, 52. A referência é a uma entrevista do presidente Alberto Fernández em que ele disse esperar que Luciani "não se suicide como o promotor Nisman". A comparação gerou revolta, uma vez que a morte de Nisman, procurador que enfrentava Cristina e a acusava de acobertar o crime do atentado à Amia, em 1994, até hoje não foi esclarecida.

Houve tumulto quando os manifestantes encontraram os agentes de segurança e a polícia reprimiu os atos com jatos de água e gás lacrimogêneo. Duas pessoas foram presas e sete policiais ficaram feridos, segundo a agência Reuters.

Depois da marcha, e ainda com centenas de pessoas nas ruas, Cristina tomou a palavra e se dirigiu a seus apoiadores. "Este não é um julgamento de Cristina Kirchner, é um julgamento do peronismo", disse, sob aplausos, retomando o argumento segundo o qual ela é vítima de uma perseguição judicial e de um ataque contra seu campo político. "Em uma democracia, o direito à liberdade de expressão é fundamental. Quero agradecer e pedir para que vocês descansem um pouco. Foi um longo dia", afirmou.

Neste domingo (28), a confusão continuou. O deputado Máximo Kirchner, filho da vice-presidente, teve dificuldades para ultrapassar as barreiras policiais e visitar a mãe: "Vocês acham isso certo? Não é reunião de trabalho, trouxe os netos para ver a avó".

Larreta procurou justificar os bloqueios. "Uma coisa é uma manifestação e outra é um plano de ocupação do espaço público, e isso não podemos permitir". O direitista, que anseia um posto de pré-candidato para as eleições de 2023, mostrou-se cauteloso, mas prometeu agir com "firmeza contra vandalismos".

Até o início da noite deste domingo, ainda havia centenas de pessoas ao redor do edifício de Cristina. Em um café semi-fechado a dois quarteirões do prédio, uma mulher agitava de modo complacente uma bandeira argentina. "Eu não me importo com quem é meu vizinho. Ela [Cristina] é minha vizinha, está bem, só queria que fosse uma boa vizinha e se preocupasse com meu sono", disse Marisú Loret, 53.

O presidente da Argentina escreveu no Twitter que "a operação policial, longe de contribuir para a tranquilidade, gerou um clima de insegurança e intimidação". Fernández, aliás, trava com Cristina uma disputa de poder dentro do governo.

Já ex-presidente Mauricio Macri culpou Cristina pelo tumulto. "A responsável por esse transbordamento e alteração da paz é a CFK [iniciais do nome de Cristina], que novamente atropela as instituições, acreditando estar acima da lei. Ela se vitimiza para promover o caos. Envio meu apoio às forças de segurança e à prefeitura e minha solidariedade aos vizinhos", escreveu no Twitter.

Além das acusações contra a vice-presidente, a Procuradoria argentina pediu a prisão de outras 12 pessoas, entre elas o ex-ministro Julio De Vido e o empresário Lázaro Báez, que foi beneficiado por concessão de obras sem licitação nos governos de Cristina e de seu antecessor e marido, Néstor Kirchner.

Entre as evidências contra o empresário, Luciani mostrou provas de seu enriquecimento rápido e com explicações frágeis. "Todas as licitações foram uma farsa. Houve uma cartelização organizada pelo Estado", disse.

A possibilidade de inabilitação para competir a cargos públicos pode complicar os planos de Cristina para o ano que vem, quando a Argentina tem eleições para renovar parte do Parlamento e para a sucessão de Fernández —ela é cotada para concorrer ao Senado ou mesmo à Presidência.

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