Nova Zelândia debate trocar icônicas fazendas por luta contra crise climática

Cultivo de carbono vira elemento-chave para neutralidade, mas pode comprometer exportações

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Serena Solomon
Gisborne (Nova Zelândia) | The New York Times

A fazenda de ovelhas e gado Horehore Station ocupa 1.600 hectares na ilha Norte da Nova Zelândia. Seus morros irregulares e ravinas íngremes são cobertos de fértil capim verde. É uma terra agrícola produtiva e de boa qualidade, mas logo deixará de ser fazenda.

O proprietário, John Hindrup, comprou-a em 2013 por 1,8 milhão de dólares neozelandeses (R$ 5,8 mi) e a vendeu neste ano por 13 milhões (R$ 41,9 mi). O lucro se deve a uma indústria nova e rentável no país: investidores vão plantar árvores em todo o terreno e ganhar dinheiro não com a venda de madeira, mas com o carbono que as árvores sugarão da atmosfera.

Esse cultivo virou elemento-chave do esforço da Nova Zelândia para se tornar neutra em carbono até 2050. Sob um programa de comércio de emissões, empresas que atuam em indústrias de carbono intensivo precisam comprar créditos para compensar por suas emissões.

Muitos são comprados por donos de florestas, e, como o preço dos créditos vem subindo muito, os investidores florestais passaram a comprar fazendas para plantar árvores.

Criação de ovelhas em fazenda de Christchurch, na Nova Zelândia - Tom Westbrook - 20.mar.19/Reuters

A perda de terras agrícolas para o cultivo de carbono, porém, pode colocar em risco uma das principais atividades econômicas do país e transformar a aparência de áreas rurais idílicas. Agricultores, pecuaristas e analistas vêm expressando o receio de que a criação de ovelhas e gado, um dos maiores empregadores e dos principais setores de exportação, encaminhe-se para um forte declínio.

"É uma transformação do uso da terra que supera qualquer coisa vista nos últimos cem anos", diz Keith Woodford, professor honorário de agronomia e sistemas alimentares na Universidade Lincoln. "Precisamos ter certeza de que é isso que queremos."

O programa neozelandês de comércio de emissões é o único que permite que empresas compensem 100% de suas emissões com a silvicultura. O país apostou tão fortemente no cultivo de carbono em parte porque não vem fazendo o suficiente para reduzir suas emissões.

Elas são mínimas na escala global, mas mesmo assim estavam em alta antes da pandemia; em termos per capita, o país é um dos maiores poluidores de carbono entre as nações desenvolvidas. O setor agrícola é o maior emissor nacional de gases estufa, em grande medida devido ao metano expelido pelos animais.

Woodford diz que as decisões atuais, tomadas em resposta ao longo caminho para combater a mudança climática, estão essencialmente definindo que o uso da terra não irá mudar por décadas. Florestas de carbono precisam permanecer plantadas com árvores, e a extração de madeira nesses locais envolve a obrigação de replantio —geralmente 28 anos depois— ou penalidade financeira.

A extensão de terras agrícolas vendidas a interesses florestais já aumentou muitíssimo, com muitas das vendas feitas a compradores estrangeiros de países como Austrália, Malásia e EUA.

Em 2017, as fazendas de gado e ovelhas vendidas em sua totalidade para reflorestamento somaram cerca de 4.000 hectares, segundo relatório da Beef + Lamb New Zealand, organização de pecuaristas. Dois anos depois, a cifra já chegara a 36,5 mil hectares. As vendas diminuíram no início da pandemia, mas a expectativa é que tenham aumentado novamente em 2021.

Elas subiram também enquanto o preço dos créditos de carbono triplicou nos últimos três anos, alcançando 80 dólares neozelandeses (R$ 260). O aumento reflete um desequilíbrio entre oferta e demanda, na medida em que as emissões no país continuam altas, e a influência de especuladores —já que o país precisa endurecer sua política climática para poder cumprir os compromissos que assumiu.

Pelos preços atuais, os créditos podem gerar receitas de mais de 1.000 dólares neozelandeses (R$ 3.200) por ano por 0,5 hectare de cultivo de carbono, comparado com 160 dólares dólares neozelandeses (R$ 515) por 0,5 hectare das fazendas de ovinos e bovinos.

David Hall, pesquisador da Universidade Auckland de Tecnologia, afirma que nos próximos anos o preço dos créditos provavelmente vai passar de 100 dólares neozelandeses (R$ 320), mas que será preciso um preço superior a 200 dólares (R$ 640) para motivar mudanças no setor de transportes necessárias para alcançar a meta da neutralidade de carbono.

Não está claro quantas árvores a Nova Zelândia precisa ter para alcançar essa meta. Vai depender em parte da rapidez com que o país se converterá em uma economia de baixas emissões, com avanços tecnológicos que reduzam a necessidade de cultivo de carbono.

Pelas projeções atuais, a Comissão Neozelandesa da Mudança Climática estimou o número de 1,1 milhão de hectares de florestas de carbono até 2050, mas outro modelo identificou a necessidade de mais de 5,3 milhões de hectares —ou 70% da área hoje ocupada por fazendas de ovinos e bovinos no país.

A eliminação pode significar a perda de 2 bilhões de dólares neozelandeses (R$ 6,5 bi) por ano em exportações, segundo Woodford. Carne e lã são a segunda maior categoria de exportação da Nova Zelândia, totalizando 15% do total.

Para as comunidades rurais, o cultivo de carbono corre o risco de criar "desertos verdes" de árvores que geram poucos empregos. Segundo relatório do departamento de manejo florestal, o cultivo permanente de carbono garante um emprego por ano a cada 1.000 hectares pós-plantio. O reflorestamento para a extração de madeira gera dezenas de empregos durante o plantio e a colheita, mas muito poucos nas quase três décadas entre uma coisa e outra. A criação de gado e ovelhas garante 13 empregos regulares e sazonais em tempo integral a cada 1.000 hectares.

A Horehore Station empregava três pessoas em tempo integral e muitas outras em regime parcial, como tosquiadores, construtores de cercas e pilotos de helicóptero, segundo Hindrup. E havia também motoristas de caminhão, donos de cafés e outros que dependiam indiretamente da receita da fazenda.

"Isso vai demolir essas comunidades, dizimar economias regionais", diz o fazendeiro Kerry Worsnop, vereador de Gisborne. Um relatório recente concluiu que, se todos os terrenos mais íngremes na região se converterem em floresta permanente de carbono, metade dos empregos (10 mil) vão desaparecer.

Os objetivos ambientais da Nova Zelândia estão impondo pressões diversas aos fazendeiros. O governo cogitou mudar as regras de modo a esfriar as vendas de terras rurais, além de combater preocupações com o prejuízo potencial que o cultivo de carbono pode impor à biodiversidade. Mas recuou diante da oposição de proprietários maoris de terras.

Dentro em breve, depois de ter sido isento do programa de comércio de carbono, o setor agrícola vai enfrentar penalidades financeiras por suas emissões. E novas normas ambientais vêm motivando atos de protesto de agricultores, que têm enchido as ruas de cidades com seus tratores.

"Ficou demais para minha saúde mental e física", diz Charlie Reynolds, que vendeu sua fazenda neste ano depois de encarar uma conta de 250 mil dólares neozelandeses (R$ 806 mil) para a construção de cercas que cumprissem os novos regulamentos.

Em última análise, a extensão em que as terras agrícolas da Nova Zelândia vão se converter em florestas de carbono será determinada pelas escolhas dos fazendeiros. Alguns estão plantando árvores em suas terras. Outros ganham dinheiro tanto com gado quanto com carbono, reflorestando áreas subutilizadas de suas fazendas.

Tradução de Clara Allain

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