Descrição de chapéu Guerra da Ucrânia Rússia

Ocidente começa a ver com atenção estreitamento de laços entre Turquia e Rússia

Autoridades avaliam que Ancara pode ajudar Moscou a contornar sanções e falam em retaliação

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Ancara, Roma, Bruxelas e Washington | Financial Times

O Ocidente olha com cada vez mais atenção para a cooperação econômica crescente entre o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, e o russo Vladimir Putin, alertando para o risco de o país-membro da Otan sofrer retaliações se ajudar Moscou a contornar sanções.

Seis representantes ocidentais manifestaram ao jornal Financial Times preocupação com a promessa feita na sexta-feira (5) pelos dois líderes, após uma reunião de quatro horas em Sochi, de ampliar a cooperação entre seus países nas áreas de comércio e energia.

Uma autoridade da UE afirmou que o bloco de 27 países está monitorando "cada vez mais de perto" a cooperação entre Turquia e Rússia, sob o receio de que Ancara esteja se consolidando como plataforma para o comércio com Moscou.

O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, se despede do homólogo russo, Vladimir Putin, depois de reunião em Sochi, an Rússia - Viatcheslav Prokofiev - 5.ago.22/Pool/Sputnik/Reuters

Outra autoridade descreveu o comportamento da Turquia como muito oportunista, acrescentando que o bloco está tentando fazer os turcos "dar ouvidos às preocupações".

Washington já avisou reiteradas vezes que vai punir países que ajudarem a Rússia a contornar as sanções com "sanções secundárias", voltadas contra violações que escapam da jurisdição legal do país. A UE, porém, tem hesitado em fazer o mesmo. O vice-secretário do Tesouro americano, Wally Adeyemo, reuniu-se com representantes turcos e banqueiros em junho para recomendar que não se tornem um canal para a circulação de dinheiro russo ilícito.

Um alto representante ocidental sugeriu que os países podem recomendar a suas empresas e bancos que saiam da Turquia se Erdogan cumprir os compromissos que definiu na sexta-feira. Caso cumprida, a ameaça altamente incomum contra outro membro da Otan poderia paralisar a economia turca, que movimenta US$ 800 bilhões.

Por ora, a sugestão foi descartada por vários representantes ocidentais, que questionaram como essa punição funcionaria em termos práticos e legais —e mesmo se ela seria uma boa ideia. A Turquia está profundamente integrada ao sistema financeiro ocidental. Empresas que vão de Coca-Cola e Ford a Bosch e BP mantêm operações de longa data no país e, em muitos casos, são altamente rentáveis.

Uma autoridade europeia citou interesses econômicos significativos, mas destacou que não exclui a possibilidade de ações negativas caso Ancara se aproxime demais da Rússia.

Apesar de reconhecer que uma decisão formal da UE sobre a imposição de sanções à Turquia seria difícil, dadas as divisões existentes no bloco, esse representante sugeriu que alguns integrantes poderiam adotar ações —como limitações ao financiamento público e a empresas locais.

Três autoridades disseram que ainda não houve discussões oficiais em Bruxelas sobre possíveis repercussões para a Turquia, e outros fizeram a ressalva de que os detalhes das discussões em Sochi ainda não estão claros.

Desde a invasão russa da Ucrânia, Erdogan vem adotando o que descreve como abordagem "equilibrada" entre Kiev e Moscou. Nesta sexta, o encontro presencial do líder com Putin terminou com uma promessa conjunta de aumentar o volume de comércio bilateral e aprofundar laços econômicos e energéticos.

O vice-primeiro-ministro Alexander Novak, principal autoridade de energia de Moscou, disse a jornalistas, segundo a Interfax, que a Turquia concordou em começar a pagar pelo gás russo em rublos. Os presidentes teriam ainda discutido o aprofundamento de laços bancários e o pagamento de dívidas em rublos e liras turcas.

Em seu avião na viagem de volta, Erdogan afirmou que também houve "avanços muito consistentes" no uso do sistema de cartões de pagamento MIR, de Moscou, que permite que russos na Turquia paguem suas despesas por cartão, num momento em que Visa e Mastercard suspenderam operações na Rússia. Representantes ocidentais receiam que o sistema possa ser usado para contornar as sanções.

As relações diplomáticas entre Ancara e o Ocidente já estão tensas. Washington impôs sanções em 2020 em retaliação pela aquisição de um sistema de defesa antiaérea S-400 de Moscou, mas elas tiveram como alvo a indústria de defesa, não a economia do país como um todo.

Erdogan, que já ameaçou várias vezes vetar a entrada de Suécia e Finlândia na Otan, é visto em muitas capitais ocidentais como um aliado cada vez menos confiável. Mas a Turquia é uma parceira vital para a Europa nas áreas de contraterrorismo e migração. O país abriga 3,7 milhões de sírios, como parte de um acordo fechado com a UE em 2016.

A Guerra da Ucrânia ressaltou a importância da localização estratégica da Turquia, controlando o acesso aos estreitos que ligam o mar Negro ao Mediterrâneo. Erdogan também exerceu papel-chave no acordo para a exportação de grãos firmado por Rússia e Ucrânia no mês passado, que visa a evitar uma crise mundial de alimentos.

Amy Kazmin , Alice Hancock , James Politi e Laura Pitel

Tradução de Clara Allain

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