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Onda de migrantes põe em xeque imagem acolhedora de Nova York

Obrigada por lei a acolher qualquer pessoa que peça abrigo, cidade tem sobrecarga em serviços de assistência social

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Andy Newman Raúl Vilchis
Nova York | The New York Times

Quatro ônibus entraram em Manhattan na manhã de 17 de agosto e saíram de uma avenida movimentada para uma rua lateral. Os nomes impressos —VLP Charter, Coastal Crew Change— não davam pistas sobre sua missão; o que os delatava eram as placas do Texas.

Um a um os passageiros desceram numa cidade desconhecida. Alguns estavam cansados, mas sorridentes; outros apenas cansados: homens de mochila, mulheres com bebês e cobertores, crianças agarrando ursinhos de pelúcia. Um homem estava sem sapatos, só de meias.

Ativistas pró-direitos dos imigrantes se reúnem na prefeitura de Nova York
Ativistas pró-direitos dos imigrantes se reúnem na prefeitura de Nova York - Michael M. Santiago - 26.ago.22/Getty Images/AFP

O comissário de assuntos de migração da cidade, Manuel Castro, recebeu cada um com um aperto de mão. Um homem de camiseta verde cumprimentou as crianças com um "toca aqui". Havia mesas com lanches, álcool em gel, roupas e livros. Pessoas de prancheta na mão ofereciam documentos para uma nova identidade: além de serem imigrantes irregulares e candidatos a asilo, os recém-chegados iam engrossar as fileiras dos nova-iorquinos sem-teto.

O fluxo de migrantes em Nova York, a maioria deles fugindo de criminalidade e economias destroçadas nas Américas Central e do Sul, está pondo à prova a reputação da cidade. Ele não dá sinais de diminuir, graças em parte ao governador do Texas, Greg Abbott, cuja decisão de enviar ônibus cheios de migrantes a Washington e Nova York, para incitar democratas na questão da política de fronteira, inchou o rio humano que normalmente já flui em direção ao norte.

Há muitos anos, Nova York é movida pelo suor e pelo trabalho de imigrantes. Mas sua capacidade de ajudá-los a instalar-se e a se assentar está sendo cada vez mais sobrecarregada.

A chegada de 129 migrantes no dia 17 foi o maior total diário visto até agora na campanha de Abbott. Mas representou apenas uma parte da migração maior. De acordo com a prefeitura, o sistema de albergues já abriga 4.900 candidatos a asilo.

Eles seriam a principal razão pela qual a população desse sistema cresceu 13% em maio, chegando a 51 mil pessoas. Discute-se muito sobre até que ponto o aumento pode ser atribuído a migrantes ou a fatores locais como o fim de uma moratória dos despejos, além de flutuações sazonais.

Seja qual for a razão, a situação está crítica.

Albergues para famílias compõem mais da metade do sistema e, no início, o índice de vagas disponíveis, que deveria ser mantido em 3%, caiu para menos de 1%, segundo a Legal Aid Society, que monitora as condições nesses locais. Em 18 de agosto, segundo a entidade, o índice de vagas estava em 0,18%; ou seja, havia 19 quartos disponíveis em todo o sistema, que abriga mais de 10 mil famílias.

A resposta inicial de Nova York ao fluxo de migrantes foi marcada por semanas de hesitação, destoando da retórica de "acolher a todos" do prefeito Eric Adams. Famílias dormiram num escritório de acolhida no Bronx, infringindo a lei; algumas foram separadas por erros burocráticos; e defensores disseram que a prefeitura deixou de fornecer ajuda básica como alimentação, fraldas e auxílio médico.

Grupos de assistência disseram que, duas semanas atrás, em uma tentativa de ser fotografada, a equipe do prefeito se inseriu num esforço de acolhida montado por voluntários na Autoridade Portuária, arrancando alimentos das mãos de voluntários para que o prefeito pudesse ser filmado distribuindo-os.

O gabinete da prefeitura negou que tenha ocorrido qualquer coisa do tipo e descreveu o relato dos voluntários como "anedota falsa, revoltante e infundada".

"Nós sabemos que número de sapato eles [os migrantes] calçam. Estamos a par de suas necessidades médicas. Conhecemos seus processos, sabemos onde eles precisam se apresentar para o serviço de imigração", diz Sergio Tupac Uzurin, voluntário da ONG NYC ICE Watch. "A prefeitura não estava fazendo nada disso."

Mas nos últimos dias a prefeitura começou a agir de modo mais coordenado. Os centros de acolhida que o Escritório de Assuntos de Imigrantes montou na Autoridade Portuária para receber os ônibus do Texas vêm dando assistência muito necessária a pessoas que chegam sem ideia de onde ir ou o que fazer.

A prefeitura alugou 1.300 quartos em 13 hotéis para famílias de migrantes. Como prevê que o fluxo de migrantes deve continuar, já lançou um pedido para outras 5.000.

Embora muitos migrantes tenham se enredado na burocracia municipal, alguns que fizeram viagens perigosas e exaustivas para chegar aos EUA estão aliviados com a relativa facilidade de orientar-se no sistema de Nova York. "Imagine que chegamos caminhando", diz Carolina Flores, 31, que fugiu da Venezuela com seu marido e quatro filhos e que agora está num albergue no Brooklyn. "Tudo é muito bom. Um hotel e casa de graça, isso é algo que jamais aconteceria em nosso país."

Até o Dia do Trabalho, 5 de setembro, a prefeitura prevê abrir um centro de triagem e albergue com 600 quartos para famílias migrantes no centro da cidade, que deve permanecer em funcionamento "pelos próximos seis a 12 meses", segundo a proposta.

Desde meados de julho a população dos albergues familiares cresceu 8,5% —muito acima do aumento de 1% visto normalmente no período do verão. Se a tendência se mantiver por um ano, a conta pode quase dobrar, passando das atuais 31 mil pessoas para quase 60 mil.

É pouco provável que as condições na fronteira tragam algum alívio: 19 mil pessoas foram detidas em junho fazendo a travessia da fronteira, superando em 10% o número de junho do ano passado, que havia sido recorde. E a migração geralmente aumenta nos meses mais frios.

O desejo da prefeitura de absorver esses migrantes reflete o fato fundamental de que Nova York sempre dependeu de imigrantes em todos os setores, de restaurantes e saúde até artes, tecnologia e finanças.

Quando nova-iorquinos deixam a cidade, imigrantes tomam seu lugar. Em muitos casos, eles realizam trabalho mal pago que outras pessoas rejeitam. A migração internacional para a cidade caiu fortemente no primeiro ano da pandemia, deixando lacunas no mercado que só vêm se agravando.

Mas os novos migrantes, muitos dos quais chegam sem dinheiro e sem contatos sociais para se estabelecer rapidamente, estão sobrecarregando o sistema. A necessidade de encontrar imediatamente abrigo para milhares deles —Nova York é uma das poucas cidades americanas que é obrigada por lei a acolher qualquer pessoa que peça abrigo— se choca com a oposição à construção de novos albergues.

As reações dos recém-chegados não têm sido entusiasmadas. "Não me sinto bem no albergue porque sou gay", conta Pedro Gutierrez, 30, que chegou da Venezuela em 4 de agosto. "Pessoas falam coisas negativas a meu respeito, me assediam."

Dixon Arambulet, 30, também chegou da Venezuela e está no mesmo albergue. "Sempre há gente fumando, bebendo e brigando", diz o barbeiro, contando que dorme com a cabeça sobre a mochila para evitar que alguém roube seus documentos.

O que ele mais quer é um emprego, para poder sair de lá.

Tradução de Clara Allain

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