Descrição de chapéu América Latina drogas

Plano contra a violência na Colômbia é ousado, mas pode ser laboratório, diz analista

Para Cynthia Arnson, vitória dos republicanos em pleito legislativo dos EUA deve criar obstáculo a Gustavo Petro

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Bogotá

O novo presidente da Colômbia, Gustavo Petro, se elegeu e tomou posse prometendo uma mudança radical nas políticas de combate ao narcotráfico e à violência. Delicado internamente, o tema ainda guarda a possibilidade de impactar também a política externa do país.

Nesse sentido, os Estados Unidos têm papel central. Nas últimas décadas Washington vem repassando vultosas verbas de auxílio visando, entre outras coisas, a compra de armas. Por ora, as propostas do esquerdista parecem contar com apoio americano, tanto que o presidente Joe Biden não demorou nem 48 horas para fazer uma chamada telefônica cumprimentando Petro e enviou, para a posse, uma delegação liderada por Samantha Power, chefe da Agência para o Desenvolvimento Internacional (Usaid).

O cenário pode ser considerado sob risco, porém, a depender da eleição legislativa nos EUA, em novembro, na qual a estreita maioria democrata está ameaçada. Em julho, o senador republicano Marco Rubio propôs que as Farc voltassem a ser consideradas uma organização terrorista —o grupo, que firmou um acordo de paz com o Estado em 2016, foi retirado da lista no ano passado.

O presidente da Colômbia, Gustavo Petro (centro) na apresentação dos novos comandantes das Forças Armadas do país - Divulgação Min. da Defesa da Colômbia - 12.ago.22/AFP

Petro tem sinalizado com a ideia de tirar o foco da repressão ao tráfico e apostar no desenvolvimento agrário. Sua estratégia de "paz total" inclui ainda expandir o sistema de justiça reparatória e negociar tratados com outras guerrilhas e paramilitares, ofertando penas alternativas em troca da desmobilização.

Para Cynthia Arnson, ex-diretora do programa latino-americano do Wilson Center (EUA), o plano é arriscado, mas, se tiver sucesso, pode servir de laboratório para a região. Ela falou à Folha sobre outros pontos do programa.

O que a sra. acha da mudança de enfoque das políticas para o combate ao narcotráfico proposta por Gustavo Petro? Está muito claro que a ideia é tirar a pressão dos camponeses que plantam a folha de coca. O governo anterior [de Iván Duque] apostou muito na erradicação por via aérea, com uso de substâncias químicas prejudiciais à saúde, e não teve êxito, porque a quantidade de hectares dedicados ao cultivo aumentou.

A questão central é como combinar a estratégia de desenvolvimento rural com uma de restauração da segurança no campo, onde a violência aumentou. Por ora, sabemos que a ideia é de não só restabelecer o diálogo com o ELN [Exército de Libertação Nacional], mas também com as organizações criminosas que atuam no narcotráfico, na tentativa de chegar a acordos por desmobilização e entrega de armas. Na gestão de Juan Manuel Santos já havia essa ideia, aplicada com as Farc, mas a política foi interrompida.

Acha viável a ideia da chamada "paz total"? É uma questão controversa, porque há muitos exemplos de negociações de sucesso com grupos com uma agenda política, como é o caso de guerrilhas. Já a aplicação de trocar benefícios pela desmobilização com grupos criminosos é outro tema —se eles não têm reivindicações políticas, não há muito o que negociar. E o principal motivador da violência na Colômbia hoje são esses grupos, que dominam o contrabando de drogas ilícitas e o da mineração ilegal. Será muito complicado, embora não impossível.

Mas a estratégia de combate às drogas usando a força contra grupos armados tampouco tem funcionado. Não, e há um movimento grande de crítica a essa estratégia. Vários governos apostaram forte nisso nas últimas décadas na região e não houve sucesso. Ao contrário, tivemos centenas de milhares de latino-americanos mortos.

Nesse sentido, estou certa de que o governo de Petro pode servir de laboratório para produzir uma estratégia alternativa. Creio que sua proposta pode ter êxito na redução da violência, mas muito provavelmente não conseguirá reduzir o narcotráfico nem o poder dos narcotraficantes. E, se for esse o resultado, as críticas se darão num volume muito alto.

A ideia da "paz total" vai contra a política que os EUA vêm defendendo para a Colômbia nas últimas décadas. Isso pode afetar a relação dos dois países? O governo dos EUA tem acenado positivamente à mudança na Colômbia e se mostra muito atento a essas novas políticas. Porém, a expectativa é que, nas eleições de novembro, os republicanos retomem o controle da Câmara e talvez do Senado. Se isso ocorrer e tivermos um Congresso controlado pelos republicanos, está claro que eles tentarão amarrar as mãos de Biden —isso pode incluir a restrição do repasse de assistência econômica para a Colômbia.

Os republicanos querem ver evidências de que haverá uma política forte e eficiente para suprimir o cultivo de coca, e isso vai contra a proposta de Petro.

Uma das convicções do novo governo é eliminar a política de extradição de narcotraficantes, que leva aos EUA, por ano, cerca de 300 criminosos. Como vê isso? É uma proposta ousada. A crítica central da política de extradição é que ela faz com que esses criminosos não passem pelo sistema colombiano. Assim, não chegam a confessar seus crimes contra a população civil e levam com eles muita informação que poderia ser útil para desmontar as redes na Colômbia.

A analista americana Cynthia Arnson - Divulgação/Wilson Center no Flickr

Uma vez extraditados, a informação que podem dar sobre ataques a comunidades, assassinato de líderes sociais, se perde. Isso debilita as negociações de paz, a busca por reparação e pela verdade. Por outro lado, a extradição se transformou em uma ferramenta muito importante para processar os atores criminosos, porque o sistema judiciário colombiano é vulnerável a ameaças e intimidações e é muito corrupto, portanto facilmente comprado pelo poder do narcotráfico.


Raio-x | Cynthia Arnson

Pesquisadora e ex-diretora do programa de América Latina no Woodrow Wilson International Center for Scholars. Atuou como organizadora e editora de publicações sobre a região e realizou diversas consultorias para o Congresso dos EUA. É membro do conselho editorial da revista Foreign Affairs Latinoamérica

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.