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Por que condenação milionária de Alex Jones nos EUA não deve frear conspiracionistas

Acusado de difamação terá de pagar indenização de US$ 45 mi, mas legado de desonestidade continua vivo e fortalecido

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Kevin Roose
Nova York | The New York Times

Se não tivesse sido tão dolorosamente triste, o julgamento de Alex Jones, acusado de difamação, poderia ter sido catártico.

Jones, vendedor de suplementos e teórico da conspiração, foi condenado a pagar mais de US$ 45 milhões (R$ 235 milhões) de indenização a Neil Heslin e Scarlett Lewis, pais de uma criança de seis anos assassinada no massacre em 2012 na escola Sandy Hook em Newtown, Connecticut. O júri considerou Jones responsável por difamar os dois, que ele acusou falsamente durante anos de serem atores numa operação de "bandeira falsa" tramada pelo governo.

Para as vítimas das campanhas de assédio de Jones e para aqueles que acompanham sua carreira há anos, o veredicto pareceu muito atrasado —um notório vilão da internet finalmente enfrentando consequências reais por seus atos. As famílias das crianças mortas, muitas das quais esperaram anos para ver Jones pagar por suas mentiras, estão sem dúvida aliviadas.

Alex Jones durante o julgamento em que foi condenado a pagar indenização milionária, em Austine, nos EUA - Briana Sanchez - 3.ago.22/Pool/Reuters

Antes de comemorar a punição a Jones, entretanto, precisamos reconhecer que o veredicto provavelmente não afetará muito o fenômeno que ele representa: fabulistas beligerantes construindo impérios de mídia lucrativos com mentiras facilmente refutáveis.

O megafone de Jones diminuiu nos últimos anos —graças, em parte, à decisão de plataformas como Facebook e Twitter de barrá-lo. Mas seu alcance ainda é substancial e ele tem mais influência do que se imagina.

Os registros legais mostraram que a loja de Jones, Infowars, que vende suplementos duvidosos para melhorar o desempenho e equipamentos de sobrevivência, faturou mais de US$ 165 milhões de 2015 a 2018. Apesar da exclusão de plataformas, Jones ainda aparece como convidado em podcasts populares e programas do YouTube, e milhões ainda o consideram, se não um cronista confiável das atualidades, ao menos uma diversão amalucada —e rica; uma testemunha estimou o patrimônio líquido de Jones e da Free Speech Systems, sua holding, entre US$ 135 milhões e US$ 270 milhões (R$ 703 mi a R$ 1,4 bi).

Nas próximas semanas, Jones, um mestre do martírio, sem dúvida transformará sua derrota no tribunal em horas de conteúdo, o que deverá gerar mais atenção, assinantes e dinheiro. Uma razão maior para se ter cautela, entretanto, é que, quer Jones continue ou não ganhando dinheiro com mentiras, seu truque hoje está em toda parte.

Você pode ver e ouvir a influência de Jones no Capitólio, onde políticos republicanos em busca de atenção muitas vezes parecem estar fazendo testes para vagas no Infowars. Quando a deputada republicana Marjorie Taylor Greene sugere que um massacre de civis poderia ter sido orquestrado para convencer o partido a apoiar medidas de controle de armas, como ela fez em um post no Facebook sobre o massacre de 4 de Julho em Illinois, ela está tocando sucessos do catálogo antigo de Jones.

Ele também teve participação importante no ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021, de maneiras que ainda são apuradas. (O painel da Câmara que investiga a insurreição pediu cópia das mensagens de texto de Jones que foram enviadas por engano aos advogados dos queixosos em seu caso de difamação.)

Você também pode ver a influência de Jones na mídia de direita. Quando Tucker Carlson instiga temores nativistas em seu programa na Fox News ou quando um apresentador do Newsmax inventa uma bizarra teoria da conspiração sobre uma tentativa de Nancy Pelosi, a presidente da Câmara, de mandar matar o juiz Brett Kavanaugh, da Suprema Corte, é prova de que o DNA do Infowars entrou na corrente sanguínea conservadora.

Mesmo fora da política, o estilo colérico e de olhos arregalados de Jones influenciou a maneira como uma nova geração de teóricos da conspiração procura a fama online.

Nem todos esses criadores falam sobre duendes e sapos gays. Mas estão se baseando no mesmo manual sem fatos. Alguns se concentram em assuntos mais suaves, como os excêntricos influenciadores que viralizaram por sugerir que a doença de Lyme é um "presente" causado por matéria espacial intergaláctica. Ou como Shane Dawson, popular no YouTube, que acumulou centenas de milhões de visualizações com documentários de teoria da conspiração nos quais examina credulamente afirmações como "a Chuck E. Cheese reutiliza pizza não consumida" e "incêndios são causados por armas de energia direcionada".

Outros têm menos probabilidade do que Jones de acabar no tribunal, em parte porque aprenderam com os erros dele. Em vez de acusar diretamente famílias das vítimas de chacinas de inventar tudo, eles adotam uma postura ingênua de "apenas fazer perguntas" enquanto abrem buracos na narrativa oficial.

Ao atacar um inimigo, vão na ponta dos pés até o limite da difamação, tomando cuidado para não fazer nada que possa levá-los a ser processados ou barrados nas redes. E quando lideram campanhas de assédio escolhem alvos com inteligência, muitas vezes difamando figuras públicas em vez de cidadãos privados, o que lhes dá maiores proteções de liberdade de expressão sob a Primeira Emenda.

Isso não quer dizer que não haverá mais ações judiciais ou tentativas de responsabilizar os teóricos da conspiração. A Fox News, por exemplo, está enfrentando um processo de difamação da Dominion Voting Systems, que alega que a TV fez declarações falsas sobre fraude nas eleições de 2020.

Mas esses casos são exceções, não a regra. A verdade é que o ecossistema da mídia hoje está transbordando com teorias da conspiração no estilo Infowars —de programas do History Channel sobre antigos alienígenas terem construído as pirâmides egípcias a TikToks de mães-da-ioga que pensam que uma loja de móveis online vende crianças traficadas— e não está claro que nosso sistema legal possa ou deva tentar detê-los.

As plataformas de internet podem ajudar a conter a disseminação de mentiras prejudiciais, tornando mais difícil para os fabulistas acumular grandes audiências. Mas elas têm as próprias limitações, incluindo o simples fato de que os teóricos da conspiração se tornaram mais sofisticados em escapar de suas regras.

Se você escrever uma frase afirmando que o bicho-papão é real, os excêntricos que buscam atenção simplesmente obterão milhões de visualizações afirmando que ele "pode" ser real e que o público deve fazer as próprias pesquisas para descobrir quais segredos relacionados ao bicho-papão a cabala do Estado profundo está escondendo.

Mesmo que a carreira de Jones seja arruinada, seu legado de desonestidade descarada e impenitente continuará vivo —fortalecido, de certa forma, pelo conhecimento de exatamente até onde se pode espalhar uma mentira antes que surjam consequências.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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