TikTok vira reduto de fake news sobre eleição nos EUA

Para pesquisadores, qualidades do app que tornam dancinhas virais dificultam contestação de informações falsas

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Tiffany Hsu
Nova York | The New York Times

Na última eleição para o Parlamento na Alemanha, surgiram contas no TikTok de indivíduos que se faziam passar por figuras políticas destacadas. Na Colômbia, posts no TikTok atribuíram uma frase de um candidato a um vilão de quadrinhos e deixaram uma mulher se fazer passar pela filha de outro candidato. Nas Filipinas, vídeos do TikTok disseminaram mitos sobre o ex-ditador do país que o apresentavam sob uma falsa ótica positiva e ajudaram seu filho a vencer a corrida presidencial.

Problemas semelhantes agora chegam aos Estados Unidos.

Às vésperas das midterms —as eleições legislativas de meio de mandato—, marcadas para novembro, o TikTok já está se configurando como um dos maiores pontos de origem de informações enganosas e falsas, sob muitos aspectos tão problemático quanto o Facebook e o Twitter, dizem pesquisadores que monitoram fake news online.

Isso porque as mesmas qualidades que permitem ao app alimentar danças que viralizam —o alcance tremendo da plataforma, a curta duração dos vídeos, seu algoritmo poderoso mas opaco— dificultam a contestação de afirmações falsas.

Adolescente usa o aplicativo TikTok no seu smartphone - Wakil Kohsar/AFP

Teorias conspiratórias infundadas sobre uma suposta fraude eleitoral são vistas amplamente no TikTok, que tem mais de 1 bilhão de usuários ativos no mundo todos os meses. Os usuários não podem fazer uma busca pela hashtag #StopTheSteal, mas #StopTheSteallll acumulou quase 1 milhão de visualizações até o TikTok desabilitá-la, depois de contatado pelo jornal The New York Times.

Alguns vídeos exortavam os espectadores a votarem em novembro e citavam rumores desmentidos levantados nas audiências no Congresso sobre o ataque ao Capitólio em janeiro de 2021. Posts do TikTok têm recebido milhões de visualizações por alegarem, sem evidências, que previsões de um aumento dos casos de Covid no próximo outono americano são uma tentativa de desencorajar o voto presencial.

A difusão de desinformação deixou o app diante de muitas das questões espinhosas envolvendo liberdade de expressão e moderação de conteúdo que Facebook e Twitter enfrentam há vários anos.

Mas o desafio talvez seja ainda mais difícil para o TikTok. Vídeos e áudios podem ser muito mais difíceis de moderar do que textos, especialmente quando seu tom é irônico. Muitos em Washington especulam que talvez as decisões comerciais sobre dados e moderação do TikTok, pertencente ao gigante chinês ByteDance, sejam influenciadas por suas raízes em Pequim.

"Quando você tem vídeos muito curtos, com conteúdo de texto extremamente limitado, não há espaço ou tempo para discussões com nuances sobre política", diz Kaylee Fagan, pesquisadora do Centro Shorenstein da Harvard Kennedy School.

O TikTok mal havia chegado aos EUA na época das midterms de 2018. Durante a eleição de 2020, ainda era visto amplamente como app de entretenimento para jovens e adolescentes. Hoje, seus usuários americanos passam em média 82 minutos por dia na plataforma, três vezes mais tempo do que no Snapchat ou Twitter e duas vezes mais do que no Instagram ou Facebook, segundo estudo recente.

O TikTok está ganhando importância crescente como destino de conteúdos políticos, muitas vezes produzidos por influenciadores.

A empresa insiste que tem o compromisso de combater informações falsas. Segundo relatório do ano passado, no segundo semestre de 2020 ela removeu quase 350 mil vídeos que incluíam desinformação eleitoral e mídia manipulada. Filtros teriam impedido outros 441 mil vídeos contendo alegações não comprovadas de serem recomendados aos usuários.

O serviço bloqueou conteúdos ditos deepfake e campanhas coordenadas de desinformação antes da eleição de 2020, deixando mais fácil para os usuários denunciarem informações falsas, e formou uma parceria com 13 organizações de verificação de fatos. Pesquisadores como Fagan disseram que o TikTok se esforçou para eliminar termos de busca problemáticos, mas ainda é fácil contornar os filtros usando uma ortografia criativa.

"Encaramos com o máximo de seriedade nossa responsabilidade de proteger a integridade de nossa plataforma e das eleições", afirma o TikTok em nota. "Continuamos a investir em nossas equipes de políticas e de segurança para combater a desinformação eleitoral."

O app também vem tendo dificuldade para conter desinformação não política nos EUA. Mitos sobre vacinas contra a Covid e máscaras se alastram livremente, assim como rumores e fake news sobre dietas, problemas pediátricos e atendimento de afirmação de gênero para transgêneros. Um vídeo que alegou falsamente que o massacre na escola primária Robb, em Uvalde, Texas, em maio, foi encenado atraiu mais de 74 mil visualizações antes de ser tirado do ar.

Posts sobre a Guerra da Ucrânia também têm sido problemáticos. Mesmo jornalistas e pesquisadores experientes têm dificuldade em diferenciar o que é verdade do que é boato ou invenção.

Pesquisadores concluíram que o design do TikTok converte o app num terreno fértil para desinformação. Eles afirmam que vídeos podem facilmente ser manipulados e republicados mostrados ao lado de conteúdos roubados ou originais. O uso de pseudônimos é comum; vídeos cômicos ou paródicos são interpretados como sendo factuais; a popularidade afeta a visibilidade dos comentários; e dados sobre data e hora da publicação não são mostrados claramente.

(Pesquisadores do Shorenstein Center destacam, porém, que o TikTok não é tão vulnerável quanto Twitter ou Facebook ao chamado "brigading", em que grupos se coordenam para disseminar um post.)

Segundo o TikTok, no primeiro trimestre de 2022, mais de 60% dos vídeos que traziam desinformação lesiva foram visualizados por usuários antes de serem removidos. No ano passado, um grupo de cientistas que havia trabalhado com o TikTok disse que um esforço para fixar avisos a posts com teor não comprovado reduziu o compartilhamento deles em 24%, mas só limitou as visualizações em 5%.

Pesquisadores afirmam que a desinformação vai continuar a prosperar enquanto a plataforma continuar a se negar a divulgar dados sobre as origens de seus vídeos e a compartilhar informação sobre o algoritmo. No mês passado, o TikTok informou que neste ano vai oferecer algum acesso a uma versão de sua interface de programação, mas não disse se o fará antes das midterms.

Filippo Menczer, diretor do Observatório de Mídia Social na Universidade de Indiana, conta que propôs colaborações de pesquisa ao TikTok, mas ouviu um não. "Com Facebook e Twitter pelo menos há algum grau de transparência, mas no caso do TikTok não temos a menor ideia", diz. "Se não podemos acessar dados, não sabemos quem é suspenso, que conteúdos são removidos, se eles agem em resposta a denúncias ou quais são os critérios. É opaco, não podemos avaliar nada de forma independente."

Diante de receios renovados de que os vínculos da empresa com a China possam fazer dela uma ameaça à segurança nacional americana, legisladores estão pedindo mais informações sobre as operações. A empresa já disse que pretende armazenar os dados sobre os usuários americanos separados de sua empresa-mãe chinesa. Também afirmou que suas regras foram modificadas desde que ela foi acusada de censurar posts vistos como contrários aos objetivos políticos de Pequim.

A empresa se negou a dizer quantos moderadores humanos emprega. (Um executivo disse a políticos britânicos em 2020 que havia 10 mil profissionais do tipo pelo mundo.) Mas ex-funcionários se queixaram de condições de trabalho difíceis, afirmando que operavam em número insuficiente para a carga de trabalho e que às vezes tinham que analisar vídeos em idiomas e com referências que desconheciam —eco de acusações feitas por moderadores de plataformas como Facebook.

A temporada eleitoral pode ser especialmente difícil para moderadores, porque posts políticos tendem a ser publicados por uma seleção difusa de usuários, não só por políticos ou entidades específicas, diz Graham Brookie, diretor do Atlantic Council. "Todas as plataformas podem e precisam fazer mais para defender os fatos reais comuns dos quais depende a democracia social."

Tradução de Clara Allain

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