Voluntarioso e popular, Moqtada al-Sadr lidera crise política no Iraque

Clérigo xiita mobiliza multidões, que ocuparam Parlamento em defesa de seu grupo político

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São Paulo

A invasão do Parlamento iraquiano por simpatizantes do clérigo Moqtada al-Sadr expõe —e agrava— os alicerces frágeis do sistema político do país. A situação ameaça seu manco andar democrático e, se continuar a piorar, pode levar a dias violentos às margens dos rios Tigre e Eufrates.

Centenas de manifestantes pró-Sadr tomaram o Parlamento no último dia 30 em protesto contra as tentativas de grupos rivais de formar um governo, depois de o clérigo ter conquistado o maior número de assentos nas eleições de outubro. Até este sábado (6), permaneciam em toda a chamada zona verde, área fortificada no centro de Bagdá, exigindo um novo pleito e emendas à Constituição.

Simpatizantes de Moqtada Sadr (na foto) na ocupação do Parlamento do país no último dia 3 - Ahmad Al-Rubaye - 3.ago.22/AFP

Há um componente religioso na disputa. Tanto o clérigo Sadr quanto os seus rivais almejam representar a comunidade xiita, o ramo majoritário do islã no país. Mas a crise não é de fé. Ela tem a ver com uma estrutura de governo sectária, criada depois da invasão americana de 2003 e com os esforços do Irã para influenciar os rumos desse importante país médio-oriental.

Sadr é hoje uma das pessoas mais importantes da política iraquiana. É capaz de erguer e destruir governos. Há 20 anos, porém, quando os Estados Unidos invadiram o país, o clérigo era uma figura apagada. Ele herdou o capital político de seu pai —o aiatolá Muhammad al-Sadr, morto em 1999— e mobilizou iraquianos para resistir à ocupação americana.

Com a cabeça sempre coberta por um turbante, Sadr ganhou apreço porque, ao contrário de outros políticos, não deixou o Iraque durante a sangrenta invasão americana. Passou a inspirar as multidões com um discurso populista, em um país empobrecido por conflitos e sanções econômicas.

Sadr também se distinguiu por criticar não apenas os EUA, mas também o Irã, a grande potência xiita. A mensagem, efetiva, era de que o Iraque não deveria ser a marionete de ninguém.

Nas eleições de outubro passado, o movimento de Sadr levou 74 dos 329 assentos do Parlamento. O bloco de grupos xiitas aliados ao Irã, conhecido como Estrutura de Coordenação, recebeu apenas 17 cadeiras. Apesar da vitória, Sadr não conseguiu formar um governo com as outras forças, em parte devido aos boicotes das facções rivais. Furioso, o grupo do clérigo deixou o Parlamento em junho.

Com a retirada de Sadr, o bloco xiita pró-Irã começou a se movimentar para formar o próprio governo e coroar um primeiro-ministro —no sistema iraquiano atual, o cargo vai sempre a um xiita. Foram as tentativas de eleger o pró-Irã Muhammad al-Sudani que explodiram a ira dos seguidores de Sadr. Com cordas e correntes, eles derrubaram muros de concreto no complexo do governo. Embates com as forças de segurança deixaram 125 feridos, e o Parlamento foi tomado.

Em resposta, grupos ligados à Estrutura de Coordenação começaram a protestar também. Como ambos os lados controlam milícias armadas, o receio é de que a tensão descambe para a violência.

No meio-tempo, o impasse político vai impedindo o funcionamento do governo, que em meados do ano ainda não aprovou um orçamento para 2022. Apesar de suas reservas de petróleo e do fim da ameaça imediata da organização terrorista Estado islâmico, o Iraque passa fome e carece de água e de eletricidade.

Como no caso de outros líderes populistas ao redor do mundo, o discurso de Sadr é marcado por contradições. Apesar de criticar o sistema e pedir uma nova ordem política, menos corrupta, ele se beneficia do estado das coisas. Seus seguidores ocupam cargos no governo, por exemplo.

O voluntarioso Sadr é uma das únicas pessoas no Iraque —além do aiatolá Ali al-Sistani, grande autoridade religiosa xiita— capazes de mobilizar as massas. Tem milhões de seguidores, uma milícia e um império financeiro. O que Sadr não tem ainda é um governo, o que ele exige agora.

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