Descrição de chapéu BBC News Brasil

Funeral da rainha Elizabeth 2ª: O importante papel da princesa mais discreta da família real

Discreta, Anne ganha protagonismo em escoltas ao caixão da mãe e cortejos ao lado do rei Charles 3º

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Dominic Casciani
BBC NEWS

Há um grande dever que muitos filhos sentem em relação aos seus pais: o de vê-los em paz no descanso final.

Quase todos os que realizam essa tarefa de grande componente emocional estão fora do alcance do público. Mas certamente não é esse o caso da princesa Anne, filha de Elizabeth 2ª.

Nos últimos dias, soube-se que a rainha desejava que sua única filha mulher assumisse o papel principal na escolta de seu caixão —um eco do papel que a própria rainha desempenhara na viagem final de seu pai, o rei George 6º, em 1952.

A princesa Anne observa o caixão da rainha Elizabeth 2ª no Palácio de Holyroodhouse, em Edimburgo - Alkis Konstantinidis - 11.set.22/Pool/AFP

O desejo da rainha reflete a imagem de Anne ligada a trabalho duro e responsabilidade, além dos desafios práticos enfrentados pelo rei Charles nos primeiros dias de seu reinado.

Em 24 horas, a vida do novo rei virou um turbilhão, exigindo que ele equilibrasse a dor pessoal com seus deveres de Estado.

Sua irmã de 72 anos —21 meses mais nova— estava em Balmoral, na Escócia, preparando-se para escoltar o caixão da rainha de um espaço familiar privado para o domínio público. A primeira etapa foi acompanhar o caixão em sua jornada de seis horas até o Palácio de Holyroodhouse.

A viagem deve ter exigido uma dose de estoicismo. No momento em que ela fez uma reverência enquanto o caixão era levado para dentro do palácio de Edimburgo, a emoção da princesa ficou evidente para todos.

Na segunda-feira (12), seu papel no cerimonial prosseguiu. Desta vez, ela caminhou atrás dos homens que carregavam o caixão até a Catedral de St Giles. Mais tarde, no período de 24 horas em que o caixão ficou em Edimburgo, a princesa tornou-se a primeira mulher da família real a participar da tradicional vigília.

O simbolismo e a mensagem de Anne, de pé solenemente em seu uniforme cerimonial honorário da Marinha Real, estavam claros: uma princesa criada na era moderna, igual a seus irmãos.

Na noite de terça-feira (13), ela acompanhou o caixão, na despedida da Escócia, escoltando-o até o Palácio de Buckingham, onde começaria o protocolo completo e as formalidades de um funeral de Estado.

Não é motivo de surpresa o papel proeminente da princesa Anne. Ela dificilmente tem hesitações no momento do dever e serviço.

Durante anos, ela e Charles foram avaliados pelos observadores do título anual para o membro da realeza que mais trabalha. Em 2021, ela realizou 387 compromissos oficiais —dois a mais do que o então príncipe de Gales—, número que vinha crescendo para ambos nos últimos anos do reinado de sua mãe.

Ela completou quase 500 visitas ao exterior —49 apenas à Alemanha— e é patrona de 300 instituições de caridade. Sua associação com a Save The Children remonta a 1970.

Mesmo durante a pandemia, ela seguia com suas funções, visitando e divulgando um centro móvel de testes de Covid.

O rei Charles e a princesa Anne junto a seus pais, Philip e Elizabeth, em foto sem data - AFP

À medida que sua presença pública se desenvolveu ao longo das décadas, ficou claro que ela havia herdado a reputação de seu falecido pai de ser resoluto e, às vezes, falar sem rodeios.

Essa recusa persistente em aceitar o papel de uma dócil princesa de conto de fadas teve influência durante uma tentativa fracassada de sequestrá-la em 1974.

Ela lembrou ao apresentador do programa de TV Michael Parkinson sua recusa em seguir com o sequestrador em meio ao tiroteio que deixou seu guarda-costas e outros dois feridos. "Tivemos uma discussão sobre para onde —ou não— iríamos", lembrou ela. "Tive o cuidado em ser educada, porque pensei que seria má ideia ser grossa demais nesse momento."

Um relatório oficial do governo disponível nos arquivos nacionais indica que suas palavras ao criminoso foram: "Not bloody likely" (não mesmo).

Seu título formal de princesa real é uma honraria que data do século 17. Apesar dessa tradição, o título concedido pela rainha Elizabeth 2ª em 1987 tem sido considerado um símbolo de como seu trabalho foi tão valorizado dentro do que seus pais —e o avô rei George 6º— chamavam de "A Firma".

Esse trabalho árduo tem sido equilibrado com uma independência de espírito muitas vezes difícil de alcançar como membro da família real.

Em 1971, a então jovem de 21 anos conquistou a medalha de ouro em campeonatos europeus de equitação —e foi apontada a Personalidade Esportiva do Ano da BBC. Cinco anos depois, entrou na equipe britânica dos Jogos Olímpicos de Montreal.

"Eu certamente vi isso como uma forma de provar que você tinha algo que não dependia de sua família", disse ela mais tarde. "Cabia só a você mesma provar se conseguiria vencer ou fracassar."

Claramente, essa era sua mentalidade quando foi aprovada no teste para dirigir veículos pesados, permitindo que ela conduzisse um caminhão que transporta cavalo sem a ajuda de um séquito real.

À medida que as participações em eventos de equitação diminuíram com a idade, outro trabalho que lhe trouxe satisfação pessoal foi a supervisão de sua fazenda em Gloucestershire.

Quando foi editora convidada da revista Country Life para seu aniversário de 70 anos, ela criticou problemas em algumas áreas rurais. Pediu que fosse feito mais para dar moradia à população local que está "fora do mercado". "Todos eles podem fazer a diferença", escreveu ela.

Quando Charles, como príncipe de Gales, falava abertamente o que pensava, suas intervenções muitas vezes causavam burburinhos constitucionais.

Para os observadores, Anne era mais focada em soluções práticas. Ela passou a vida querendo resolver as coisas —tão focada em resolver os seus assuntos que criou seus filhos sem títulos reais, na esperança de que eles pudessem ter uma vida relativamente normal.

A princesa Anne durante torneio europeu de equitação em Luhmuelen, pela equipe britânica - 8.set.75/AFP

Essa atitude de "se é possível fazer, ela vai fazer" continuará a ser observada nos próximos dias —uma atitude vista pela primeira vez em setembro de 1969.

Naquela época, com apenas 18 anos, ela assumiu seu primeiro compromisso oficial com a rainha Elizabeth, quando abriu um centro de treinamento para dirigir ônibus de dois andares perto da cidade de Shrewsbury.

O Birmingham Post noticiou que ela era "basicamente uma jovem moderna" no volante de um ônibus Albion Viking. Rindo, ela disse que dirigir o ônibus era mais fácil do que pilotar um Balmoral Land Rover.

Esse foi o primeiro de milhares de compromissos em nome da rainha Elizabeth. Ela cumpre agora seus últimos deveres para sua falecida mãe.

A própria princesa diz que foi uma "honra e um privilégio" acompanhar a mãe nas suas últimas viagens.

Não há dúvida de que um novo capítulo em sua vida pública está prestes a começar no papel de conselheira do rei —e ela continuará arregaçando as mangas e seguindo em frente.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.