Irã sobe o tom contra atos no caso Mahsa Amini e promete 'confrontar inimigos'

Exército alega necessidade de manutenção da segurança, e manifestantes aliados do Estado pedem execução dos críticos

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Dubai e São Paulo | Reuters e AFP

Após dias de repressão a atos contra o regime do Irã que tomam as ruas do país, o Exército subiu o tom e disse nesta sexta-feira (23) que confrontará o que chama de inimigos que buscam aplicar uma "estratégia maligna para enfraquecer o regime islâmico".

Desde o último sábado (17), iranianos organizaram protestos em mais de 80 cidades e vilas em repúdio ao caso de Mahsa Amini, 22, curda que morreu sob custódia da polícia por supostamente violar as rígidas regras do uso do véu islâmico, o hijab. O episódio virou válvula de escape para frustrações mais amplas com o regime.

Protesto em repúdio à morte de Mahsa Amini e em apoio aos manifestantes iranianos em Los Angeles, nos Estados Unidos - Bing Guan - 22.set.22/Reuters

"Confrontaremos os vários planos dos inimigos para garantir paz e segurança às pessoas que estão sendo injustamente agredidas", afirmou o Exército em nota.

Há números divergentes sobre os mortos nos protestos. Enquanto a cifra oficial se mantém em 17 —o que inclui cinco agentes das forças de segurança—, a ONG Direitos Humanos do Irã, sediada em Oslo, calcula pelo menos 50 mortes. Até quinta (22), a mídia local relatava a prisão de 280 manifestantes.

Várias províncias de população majoritariamente curda, como a cidade natal de Amini, desafiaram as autoridades anunciando greves para os próximos dias.

Mais atos ocorrem nesta sexta, e desta vez incluem também manifestações organizadas pelo próprio regime, em defesa do uso do hijab. De volta ao país depois de uma viagem a Nova York para participar da Assembleia-Geral da ONU, o presidente iraniano, Ebrahim Raisi, afirmou em entrevista televisiva que a presença do povo nestas demonstrações representa "o poder e a honra" nacionais.

Segundo a agência de notícias do regime, na capital Teerã os manifestantes caminharam da universidade nacional até a praça Enghelab gritando palavras de ordem para, no relato da agência, "mostrar ressentimento com os recentes distúrbios e a profanação".

Imagens da TV estatal mostravam manifestantes chamando aqueles que protestam contra o regime de "soldados de Israel" e dizendo que "os infratores do Alcorão deveriam ser executados". Também havia palavras de ordem como "morte à América" e "morte a Israel".

Enquanto isso, cresce o assédio judicial. Gholam Hossein Mohseni-Ejei, líder do Judiciário iraniano, instruiu autoridades a manterem a segurança diante do que chamou de elementos perturbadores, e a Guarda Revolucionária, força de segurança de elite do país, pediu que toda e qualquer participação nas manifestações seja punida.

O tom se assemelha ao adotado pelo próprio presidente iraniano, um ex-juiz ultraconservador. "Existe liberdade de expressão no Irã, mas atos de caos são inaceitáveis", disse ele a jornalistas durante sua passagem por Nova York. "Devemos diferenciar manifestações de vandalismo."

Presidente do Irã, Ebrahim Raisi, durante entrevista coletiva em Nova York - Ed Jones - 22.set.22/AFP

Cortes generalizados na internet do país têm sido registrados desde a noite de quarta (21), quando aplicativos como WhatsApp e Instagram também foram bloqueados por ordem do alto escalão do regime.

A estratégia já tinha sido usada pelo regime na última onda de insatisfação popular, em 2019, quando uma alta no preço de combustíveis levou uma multidão às ruas. A repressão foi brutal, com as forças de segurança usando armas de fogo, canhões de água e gás lacrimogêneo para dispersar os manifestantes e atiradores de elite disparando do telhado de edifícios.

Autoridades iranianas afirmam que Amini sofreu uma "insuficiência cardíaca súbita", mas a versão é contestada por familiares, que acusam o regime de mentir. A jovem, natural do Curdistão, foi detida em Teerã, quando estava com o irmão, e levada em uma van para uma delegacia.

Dali, foi encaminhada para o hospital. Ativistas e a família, no entanto, acreditam que ela tenha sido agredida na delegacia, e o pai, Amjad, acusa o regime de impedir que eles tivessem acesso ao corpo da filha.

O caso também tem repercutido internacionalmente, com a organização de manifestações em solidariedade às mulheres iranianas em todo o planeta e o pronunciamento de líderes sobre o assunto.

Na véspera, ao discursar na ONU, o premiê de Israel, Yair Lapid, fez menção a ele e também ao do escritor Salman Rushdie, perseguido pelo regime. "O Irã odeia judeus, mulheres, gays, o Ocidente. Eles odeiam e matam muçulmanos que pensam diferentes deles", afirmou. "Seu ódio é um modo de vida, e é uma forma de preservar seu sistema de opressão."

Nesta sexta, o premiê da Alemanha, Olaf Scholz, disse ser terrível que Amini tenha morrido sob custódia da polícia moral do Irã, braço das Forças Armadas que detém mulheres e mesmo homens que desobedecem os códigos de vestimenta estatais. "Também me entristece saber das vítimas dos protestos capitaneados por mulheres corajosas", escreveu no Twitter. "Não importa em qual lugar do mundo: as mulheres devem ser capazes de viver de maneira independente, sem ter de temer por suas vidas."

O grupo global de hackers Anonymous foi outro a demonstrar apoio à causa. Ele reivindicou a responsabilidade pela instabilidade observada em vários sites do regime, inclusive o da televisão estatal, no meio da semana.

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