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Hélio Schwartsman

Nada pessoal contra a rainha Elizabeth 2ª, mas abaixo a monarquia

É difícil encontrar argumentos para sustentar a manutenção de uma monarquia em pleno século 21

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São Paulo

Abaixo a monarquia. Nada pessoal contra a rainha Elizabeth 2ª. Muito pelo contrário, dos membros da família real britânica, ela me parecia uma das mais simpáticas. No mais, a vida de qualquer indivíduo, nobre ou plebeu, tem valor intrínseco, o que torna sua perda sempre lamentável.

Mas, se pararmos para pensar, é difícil encontrar argumentos para sustentar moralmente a manutenção de uma monarquia em pleno século 21.

A rainha Elizabeth 2ª e o então príncipe Charles em sessão no Parlamento em 2017 - Stefan Rousseau - 21.jun.17/Pool/AFP

O problema de base é que as monarquias se fundam sobre uma distinção jurídica entre cidadãos incompatível com o ideal de igualdade, que se tornou, a meu ver acertadamente, um dos principais valores cultuados pela modernidade. Nas monarquias, há o soberano; numa escala um pouco abaixo, seus familiares; e, por fim, a plebe. A condição de cada indivíduo surge no nascimento, independe de habilidades inatas ou desenvolvidas, e não há nada que se possa fazer para alterá-la.

Se na economia ainda dá para arguir que permitir um módico de desigualdade –quem produz mais ou tem melhores ideias ganha mais– ajuda a manter o dinamismo do mercado e estimula a inovação, nada parecido ocorre na política. Não vejo como justificar que o fato de alguém nascer numa família específica gere diferenças em seu estatuto jurídico.

Pelo contrário, o que confere dinamismo político às sociedades democráticas contemporâneas é a possibilidade de apear do poder governantes que não estejam se saindo bem. É facílimo no parlamentarismo, um pouco mais difícil no presidencialismo e quase impossível na monarquia.

É claro que hoje, na Europa, onde as funções dos monarcas que restaram são apenas cerimoniais, isso não é tão importante. Mas era um problemão nos tempos que os reis mandavam e desmandavam. Se a loteria genética produzisse um incompetente, o país inteiro tinha de aguentá-lo por tempo indeterminado.

E isso nos leva a um paradoxo. Se a monarquia é uma instituição assim tão fossilizada, como explicar que ainda vigore em algumas das sociedades mais avançadas do planeta, como Reino Unido, Holanda, Dinamarca, Suécia e Noruega? Antes de mais nada, é preciso cuidado para não superestimar esse rol. Essas monarquias deram certo, mas daí não se pode concluir que seu regime político seja superior. Temos sempre a Arábia Saudita para provar isso.

Mesmo no cantinho noroeste da Europa, o único onde as monarquias virtuosas abundam, as coisas podem ser mais complicadas. O problema são os "confounding factors". Se observamos A (regime monárquico) e então B (alto desenvolvimento social), isso não significa que A cause B. É possível que tanto A como B sejam causados por um fator C que não esteja tão evidente. Minha hipótese é que predomina nessa área uma mentalidade reformista.

Em vez de promover revoluções e tentar reinventar a roda a cada geração, essas sociedades se habituaram a avançar por ganhos incrementais. Assim, em vez de cortar as cabeças dos reis, preferiram despi-los de seus poderes, que foram pouco a pouco transferidos para instituições políticas mais responsivas. Pragmaticamente, o arranjo resolveu bem seu problema, ainda que as tenha deixado com uma instituição ideologicamente arcaica que é a monarquia.

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