Países do Oriente Médio disputam nuvens para tentar 'plantar' chuva

Técnicas que prometem aumentar precipitação são vistas com ceticismo por cientistas; Israel abandonou programa

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Alissa J. Rubin
Abu Dhabi | The New York Times

Há anos o Irã teme que vizinhos estejam privando o país de uma de suas fontes vitais de água. Mas a preocupação não era dirigida a uma barragem ou a um aquífero que estaria sendo drenado. Em 2018, com uma estiagem grave e temperaturas em alta, autoridades concluíram que alguém estava roubando sua água das nuvens.

"Israel e outro país estão se mobilizando para impedir nuvens iranianas de dar chuva", disse em discurso em 2018 o general Gholam Reza Jalali, alto funcionário da poderosa Guarda Revolucionária do Irã.

A nação não citada era os Emirados Árabes Unidos, que lançaram um projeto ambicioso de semeadura de nuvens, injetando substâncias químicas para tentar forçar a precipitação. As suspeitas do Irã não são surpreendentes, dadas suas relações tensas com a maioria dos países do Golfo Pérsico, porém o verdadeiro objetivo dos esforços não é roubar água, mas simplesmente fazer com que chova em terras esturricadas.

Material similar a fumaça é despejado da asa de uma aeronave
Aeronave atira nanomaterial experimental durante demonstração da semeadura de nuvens pelo Centro Nacional de Meteorologia dos Emirados Árabes Unidos - Bryan Denton - 3.mar.22/The New York Times

Diante do ressecamento crescente do Oriente Médio e do norte da África, países da região se lançaram numa corrida para desenvolver produtos químicos e técnicas que permitam arrancar gotas de chuva de nuvens que, de outro modo, apenas flutuariam no céu.

Com 12 das 19 nações com média de menos de 25 centímetros de precipitação pluviométrica por ano, queda de 20% nos últimos 30 anos, os governos estão desesperados por qualquer fonte adicional de água doce.

Enquanto países ricos como os Emirados Árabes injetam centenas de milhões de dólares no esforço, outros entram na corrida procurando evitar ficar sem sua parcela justa de chuva antes que toda a umidade seja drenada do céu. Tudo isso apesar de questionamentos sobre se a técnica gera precipitação suficiente para justificar o esforço e a despesa.

Marrocos e Etiópia já têm programas de semeadura de nuvens. O Irã também. A Arábia Saudita acaba de iniciar um programa em grande escala, e meia dúzia de outros países estudam fazer o mesmo.

A China tem o projeto mais ambicioso do mundo, visando a estimular chuva ou a impedir granizo em metade do país. Está, aliás, tentando forçar nuvens a produzir chuva sobre o rio Yangtze, que sofre com a seca.

A semeadura de nuvens é praticada há 75 anos, mas especialistas dizem que sua eficácia científica ainda não foi comprovada. Eles rejeitam especialmente a ideia de que um país possa drenar as nuvens e desse modo prejudicar outros situados na direção dos ventos.

Segundo cientistas, o tempo de vida de uma nuvem, especialmente as do tipo cúmulo, raramente supera duas horas. Ocasionalmente elas podem durar mais tempo, mas raramente o suficiente para chegar a outro país. As nações do Oriente Médio rejeitam essas dúvidas.

Hoje o líder inconteste no esforço é Abu Dhabi. Ainda em 1990 a família governante do país reconheceu que manter um suprimento abundante de água seria tão importante quanto as enormes reservas de óleo e gás para conservar seu status de capital financeira e de negócios do Golfo Pérsico.

Havia água suficiente em 1960, quando seus habitantes não chegavam a 100 mil pessoas, mas em 2020 a população já crescera para quase 10 milhões -e a demanda seguiu a trajetória. Hoje os habitantes dos Emirados consomem 670 litros de água per capita por dia; a média mundial é de 214 litros.

A demanda está sendo suprida por usinas de dessalinização, mas cada uma custa US$ 1 bilhão ou mais para ser construída e requer volumes altíssimos de energia para operar. Após 20 anos de pesquisas, o Centro Nacional de Meteorologia e Sismologia opera seu programa de semeadura de nuvens com protocolos quase militares. Nove pilotos se alternam em plantão, prontos para decolar assim que os meteorologistas avistam uma formação meteorológica promissora.

O país usa duas substâncias para a semeadura: o tradicional iodeto de prata e uma substância que acaba de ser patenteada, desenvolvida na Universidade Khalifa, em Abu Dhabi, que utiliza nanotecnologia e seria mais adaptada às condições secas e quentes do Golfo Pérsico.

Os pilotos injetam os materiais na base da nuvem, deixando que as correntes ascendentes os elevem para dezenas de milhares de pés.

Homem pilota bote em lago artificial de Dubai
Lago artificial na cidade de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos - Bryan Denton - 5.mar.22/The New York Times

Na teoria, o material de semeadura, composto de moléculas higroscópicas (que atraem água), liga-se a partículas de vapor que compõem a nuvem, atraindo mais partículas até formar gotículas, que eventualmente ficam suficientemente pesadas para cair sob a forma de chuva -os materiais da semeadura, segundo os cientistas, não têm qualquer impacto ambiental relevante.

Na teoria. Muitos membros da comunidade científica questionam a eficácia da tática, apontando entre os obstáculos a dificuldade -ou impossibilidade- de documentar aumentos concretos na precipitação. "Depois de semear a nuvem não dá para saber se ela teria produzido chuva de qualquer maneira", diz Alan Robock, da Universidade Rutgers.

Israel, pioneiro na semeadura de nuvens, suspendeu seu programa em 2021, após 50 anos, porque ele pareceu proporcionar ganhos apenas marginais. "Não foi economicamente eficiente", diz Pinhas Alpert, professor emérito da Universidade de Tel Aviv.

Apesar das dificuldades de colher dados, o centro dos Emirados defende que os métodos estão gerando um aumento de pelo menos 5% na precipitação anual -mas reconhece a necessidade de dados que cubram mais anos para satisfazer a comunidade científica.

Tradução de Clara Allain 

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