Presidente de Portugal rejeita desconforto em encontro com Bolsonaro

Marcelo Rebelo de Sousa fala com brasileiro sobre dom Pedro e tenta dissociar visita de uso eleitoral do 7 de Setembro

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Adriana Moysés
RFI

Portugal presta ampla homenagem aos 200 anos da Independência do Brasil celebrados neste 7 de Setembro. A imprensa local publicou suplementos especiais comemorativos, deu parabéns ao Brasil e repercutiu a reunião bilateral do chefe de Estado português, Marcelo Rebelo de Sousa, na noite de terça-feira (6), com o presidente Jair Bolsonaro (PL), na sede do Itamaraty, em Brasília.

A mídia portuguesa tinha certa expectativa para saber se Rebelo de Sousa conseguiria dissociar sua visita do uso eleitoral que Bolsonaro faz das comemorações do Dia da Independência e considerou que ele passou no primeiro teste.

Marcelo Rebelo de Sousa e Jair Bolsonaro durante celebração da Independência do Brasil, em Brasília - Adriano Machado - 7.set.22 /Reuters

Bolsonaro recebeu Rebelo de Sousa para uma reunião bilateral com mais de uma hora de atraso, mas, na saída, o presidente português disse que o encontro "correu muito bem" e que ele aproveitou os cerca de 20 minutos de conversas para contar a história da vida de dom Pedro 1º a Bolsonaro. O presidente português garantiu que não se falou de política nem da campanha eleitoral, apenas sobre como "o Brasil foi se afirmando ao longo dos 200 anos da Independência e a projeção que tem hoje".

"E falei obviamente do que tinha de falar", acrescentou Rebelo de Sousa, referindo-se ao "peso dos brasileiros em Portugal, que vão a caminho de 250 mil imigrantes, o que, para 10 milhões de habitantes, é um peso muito apreciável", na avaliação do chefe de Estado português.

Ele voltou a dizer que seria "incompreensível" Portugal não estar presente nas celebrações dos 200 anos da Independência, devido aos laços históricos de povos irmãos e da importância do Brasil para a economia e a política externa portuguesas, um argumento relativamente consensual entre a população.

O gestor de investimentos Manuel Luis, 61, acredita que o chefe de Estado português saberá se proteger da instrumentalização eleitoral de sua imagem durante a passagem pelo Brasil. "Eu penso que Marcelo Rebelo de Sousa é suficientemente inteligente e um político muito astuto para, dentro da capacidade de manobra que ele tiver, ainda que seja um institucionalista, que não se deixará instrumentalizar totalmente pelo Bolsonaro", disse à RFI.

"E estou convencido de que sendo ele um profundo democrata, vai encontrar canais para transmitir uma mensagem claramente não alinhada com o pensamento bolsonarista."

Presença simbólica

Depois da bilateral, Rebelo de Sousa visitou a exposição "Um coração ardoroso: vida e legado de Dom Pedro 1º", no Itamaraty, onde o coração do imperador que proclamou a Independência do país pode ser visto mergulhado em uma solução com formol. Ele defende essa presença simbólica do imperador nas comemorações do Bicentenário.

Mas na opinião da historiadora Maria Antónia Lopes, da Universidade de Coimbra, foi um erro Portugal ter cedido o coração a pedido de empréstimo de Bolsonaro. "Acho que Portugal nunca devia ter cedido a um governo como o de Bolsonaro, porque Bolsonaro está a trair tudo o que há de progressista na mentalidade de dom Pedro, tanto quando deu a Constituição de 1824 ao Brasil, quanto a de 1826 a Portugal, que é calcada na do Brasil", afirmou a historiadora.

"Os ideais de dom Pedro não são os de Bolsonaro", destacou a especialista. Ela também critica que se possa fazer utilização política, a um mês das eleições, com o fundador do país: "Não acho correto, não é nada correto", afirmou a historiadora da Universidade de Coimbra.

Nesta quarta-feira, Rebelo de Sousa assistiu ao desfile militar na Esplanada dos Ministérios, ao lado dos presidentes de Cabo Verde e da Guiné-Bissau. O governo brasileiro convidou todos os líderes de ex-colônias portuguesas hoje integradas à Comunidade de Países de Língua Portuguesa, mas apenas três fizeram a viagem. Angola e Moçambique enviaram representantes diplomáticos a Brasília.

Ao Diário de Notícias, o português disse que "de onde estava não ouvia" palavras a favor de Bolsonaro e contra seu rival Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e que se sentiu confortável na cerimônia.

Já é página virada para o presidente português o constrangimento que passou no início de julho, quando Bolsonaro cancelou um almoço que tinha previsto com ele, em Brasília, irritado por Rebelo de Sousa ter se encontrado com o Lula em São Paulo.

Portugal coloca os laços históricos com o Brasil acima de governos circunstanciais, com que tenha uma intensidade de relacionamento menos expressiva. O português diz estar de malas prontas para retornar ao Brasil em janeiro, para assistir à cerimônia de posse do novo presidente brasileiro que será eleito em outubro.

Discurso no Congresso

O presidente de Portugal está no Brasil acompanhado pelo presidente do Parlamento, Augusto Santos Silva —número 2 do Estado português—, e pelo presidente da Câmara Municipal de Coimbra, José Manuel Silva, que tem uma extensa agenda com lideranças empresariais em São Paulo, e diplomatas.

O ponto alto da estadia para Rebelo de Sousa, momento em que ele pretende reforçar seu capital político, será o discurso que fará nesta quinta no plenário da Câmara dos Deputados, na sessão solene comemorativa dos 200 anos da Independência organizada pelo Congresso Nacional. Será a ocasião para Rebelo de Sousa traçar perspectivas de longo prazo para as relações bilaterais e relembrar os benefícios das ondas de migrações nas duas direções.

O Brasil é considerado um parceiro essencial para Portugal no cenário internacional e também internamente. A leva de imigração de brasileiros nos últimos anos preenche necessidades de investimento fundamentais para a economia portuguesa e carências de mão de obra em diversos setores.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.