Brasil se abstém, e ONU rejeita debate sobre repressão a uigures na China

Moção apresentada por nações do Ocidente visava abrir diálogo no Conselho de Direitos Humanos sobre minoria muçulmana

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São Paulo

Estados-membros do Conselho de Direitos Humanos da ONU rejeitaram nesta quinta-feira (6) uma moção apresentada por países como EUA e Turquia para que o colegiado iniciasse, no próximo ano, uma rodada de debates sobre a situação da minoria muçulmana uigur na China. O Brasil foi um dos 11 países que se abstiveram.

A proposta, também endossada por Alemanha e pelas nações nórdicas, veio após relatório da agora ex-comissária de Direitos Humanos Michelle Bachelet, publicado em agosto, afirmar que Pequim cometeu graves violações de direitos humanos contra o grupo étnico que se concentra na região de Xinjiang, no oeste do país asiático.

Ativistas protestam em Jacarta, na Indonésia, contra a repressão ao povo uigur na China; grupo usa máscara com elementos da bandeira com a qual se identifica o movimento separatista da minoria étnica - Willy Kurniawan - 4.jan.22/Reuters

O texto da moção tinha apenas cinco linhas e pleiteava que, depois de acolher as informações apresentadas por Bachelet, o conselho discutiria o assunto. Dezenove nações votaram contra —entre elas a Indonésia, que possui uma das maiores populações muçulmanas do mundo— e 17 a favor.

Raphael Viana David, do International Service for Human Rights, ONG com atuação em Genebra, avalia que a abstenção brasileira enfraquece a posição do país como promotor de diálogo no cenário internacional. "Com isso, o Itamaraty indica que se pode conversar sobre direitos humanos em qualquer país, menos na China", diz à Folha.

Zumretay Arkin, porta-voz do Congresso Mundial Uigur, também criticou a decisão brasileira. "O Brasil falhou com milhões de uigures; como é possível que um país que promove o diálogo se recuse a apoiar isso? É uma hipocrisia que tem de ser denunciada."

A posição brasileira sobre o assunto já vinha chamando a atenção na semana passada. Integrantes do terceiro setor relataram que, quando a moção foi aventada, a missão brasileira, em medida incomum, pediu a palavra para se contrapor ao texto, afirmando que o conteúdo das cinco linhas polarizaria o Conselho de Direitos Humanos.

O Itamaraty e a delegação brasileira em Genebra não responderam à Folha até a publicação deste texto.

Xinjiang, região onde vive grande parte dos uigures, é uma província chinesa de 1,6 milhão de km² —área semelhante à do Amazonas— que abriga importante polo econômico. Pequim é acusada por parte da comunidade internacional de reprimir a minoria, que tem diáspora cada vez maior na Turquia, e promover encarceramento em massa.

Além do Brasil, Viana David chama a atenção para a abstenção de Argentina e México no escopo da América Latina. Honduras e Paraguai votaram a favor do diálogo, ainda que também mantenham laços econômicos importantes com o regime chinês.

A Ucrânia, que em meio à guerra iniciada pela Rússia em fevereiro vê uma aproximação cada vez maior entre Moscou e Pequim, foi outro país que se absteve na votação.

Segundo relato da agência Reuters, Chen Xu, embaixador da China, havia dito pouco antes da votação que aprovar o texto abriria um "perigoso caminho" para que a situação dos direitos humanos em outros países também fosse escopo de análise. "Hoje o alvo é a China; amanhã, qualquer outro país em desenvolvimento pode ser."

Xinjiang tem sido ponto de tensão na diplomacia. Os EUA e nações da Europa chegaram a impor sanções econômicas contra Pequim após afirmar que a repressão aos uigures configurava um genocídio.

Na diplomacia chinesa, o fato de o debate na ONU ter sido frustrado foi descrito como uma "vitória dos países em desenvolvimento". No Twitter, a porta-voz Hua Chunying disse que os direitos humanos "não devem ser usados para interferir em questões internas de outros países".

A chilena Bachelet, substituída pelo austríaco Volker Türk no alto comissariado da ONU, recebeu críticas ao longo de seu mandato por supostamente adotar posição mais branda em relação a Pequim. O relatório em que aponta a possibilidade de existirem crimes contra a humanidade em Xinjiang foi publicado 11 minutos antes do fim do seu mandato.

Agora, críticas semelhantes recaem sobre o Conselho de Direitos Humanos, composto por 47 nações —entre elas a China, que também é membro permanente do Conselho de Segurança. A ONG Anistia Internacional, em nota, disse que a votação desta quinta "protege os perpetradores de violações de direitos humanos, não as vítimas". A entidade classificou o resultado de desanimador.

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