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Nome da terceira via na Nigéria cria onda 'obidiente' e busca romper polarização

Ex-governador Peter Obi lidera pesquisas e se torna 1º nome viável de fora de partidos tradicionais desde 1999

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Aany Adeoye
Lagos (Nigéria) | Financial Times

Alguns meses atrás, a disputa pela Presidência da Nigéria nas eleições de fevereiro de 2023 era retratada como um enfrentamento direto entre dois ricos septuagenários presentes no cenário político do país há mais de três décadas.

Mas o ex-governador Peter Obi, 61, sacudiu a disputa pela sucessão de Muhammadu Buhari. Com promessas de frugalidade e responsabilização, Obi está atraindo o apoio de um movimento jovem, dito "obidiente", farto da elite perdulária nigeriana.

Homem segura cartaz do movimento 'Obidiente' durante passeata de apoiadores do candidato Peter Obi, que concorre à Presidência pelo Partido Trabalhista, na Nigéria - Kola Sulaimon - 24.set.22/AFP-

Dada a força arraigada dos partidos tradicionais e seus recursos fartos, uma vitória do candidato de uma sigla pequena seria uma surpresa enorme. Mas Obi vem animando setores de um eleitorado desiludido, tanto que lidera três pesquisas de opinião recentes —com uma vantagem de oito pontos numa sondagem do NOI, influente instituto local.

"As pessoas gostam de sua atitude frugal e sua mensagem sobre cortar o custo da governança", diz Idayat Hassan, diretor do think tank Centro para Democracia e Desenvolvimento (CDD). "Além disso, os jovens estão usando Obi como canal para expressar a frustração com o sistema político. Ele não está concorrendo apenas por si: se você checar opiniões online, verá que é em nome da juventude."

Dois partidos dominam o cenário político nigeriano, e Obi é o primeiro candidato de "terceira via" visto como digno de crédito desde o retorno do país à democracia, em 1999.

Seus adversários são Bola Tinubu, ex-governador de Lagos e candidato pelo governista Congresso dos Progressistas (APC, na sigla em inglês), e Atiku Abukabar, da principal sigla oposicionista, o Partido Democrático do Povo, ex-vice-presidente e eterno candidato presidencial.

Obi foi candidato a vice em 2019 pelo PDP. Sua campanha pelo pouco conhecido Partido Trabalhista vem ganhando força em parte devido à frustração popular com esses dois rostos muito conhecidos —e idosos. Tinubu e Atiku, respectivamente com 70 e 75 anos, esperam liderar um país onde a idade média da população é de 18 anos. Representantes de Tinubu passaram boa parte da fase inicial da campanha esquivando-se de perguntas sobre a saúde do candidato.

"Votar em Obi não quer dizer que a situação na Nigéria vai melhorar imediatamente. Ele não é capaz de resolver tudo, mas com ele pelo menos há algum progresso", diz a motorista Susan Abies, em Benin.

O apoio a Obi do eleitorado urbano jovem é também uma reação ao segundo mandato de Buhari, acompanhado por uma taxa de desemprego de 33%, protestos nacionais contra a brutalidade policial e uma proibição do Twitter, medida que restringiu a liberdade de expressão da geração adepta das redes sociais.

"Os jovens se deram conta de que não estavam no topo da lista de prioridades da velha guarda política e começaram a buscar uma figura nova que os representasse. Apostam em Peter Obi porque o consideram o candidato com mais credibilidade", afirma Adewunmi Emoruwa, estrategista-chefe da consultoria Gatefield.

O apoio tem raízes nos protestos do movimento #ENDSARS de outubro de 2020, quando nigerianos jovens saíram às ruas em grande número para denunciar uma unidade da polícia notória por cometer extorsão, brutalidade e execuções extrajudiciais. Obi expressou seu apoio ao movimento no Twitter e o aproveitou para lançar um chamado por governança melhor no país. A unidade policial foi desfeita, e o movimento acabou sendo sufocado pela repressão das Forças Armadas nigerianas.

Hassan destaca que a escolha de candidatos desrespeitou um acordo "informal" de zoneamento vigente no país de uma maneira que pode beneficiar Peter Obi, católico devoto. O poder na Nigéria normalmente se alterna entre o Norte e o Sul e entre muçulmanos e cristãos, mas o PDP escolheu Atiku, um muçulmano do Norte, como candidato à sucessão de Buhari, outro nortista muçulmano. A chapa do APC tem Tinubu, muçulmano sulista, e Kashim Shettima, muçulmano nortista, como vice.

Grupos religiosos criticam o que veem como a marginalização da população cristã. "Obi pode acabar sendo também o candidato da igreja."

Apesar de todo o entusiasmo que cerca a candidatura, o caminho da terceira via até Aso Villa, a residência presidencial nigeriana, está cheio de obstáculos. Desde 1999, nenhum postulante de fora dos dois partidos principais conquistou mais de 7,5% dos votos. Para vencer, são necessários 25% dos votos em ao menos dois terços dos 36 estados do país, mais a capital, Abuja.

Apoiadores do candidato do Partido Trabalhista, Peter Obi, fazem passeata em Lagos, na Nigéria - Temilade Adelaja - 1º.out.22/Reuters

Os candidatos das legendas tradicionais têm a vantagem de um aparelho nacional com o apoio de governadores e parlamentares, algo que falta ao partido de Obi —que não tem nenhum governador e só um senador.

Obi já disse que nada disso o desanima. "Os 100 milhões de nigerianos que vivem na pobreza e os 35 milhões que não sabem de onde vai vir sua próxima refeição serão a estrutura partidária."

Segundo ele, as enchentes devastadoras que destruíram terras agrícolas em muitos estados intensificaram os problemas econômicos e terão consequências para a produção de alimentos. Empresário rico que possui interesses em setores que vão de bancos até uma cervejaria, Obi promete incentivar a produção local e acabar com os subsídios ao combustível, mas seus críticos dizem que ele ainda não apresentou um plano claro para enfrentar problemas como a insegurança, a sabotagem petrolífera, a baixa renda da população e a inflação de mais de 20%.

No ano passado a investigação dos Pandora Papers, arquivos vazados sobre dinheiro guardado em paraísos fiscais, revelou que Obi é dono de empresas registradas em paraísos fiscais e que não as havia declarado no cadastro de bens dos políticos nigerianos. Obi disse não saber que precisava declarar bens que possui conjuntamente com sua esposa e filhos, alegando que não infringiu nenhuma lei.

Críticos acham que a candidatura pode ao fim dividir o voto oposicionista e dar a vitória ao partido governista. Obinna Kanu, 25, vai votar pela primeira vez e compartilha a preocupação: "O melhor cenário seria uma vitória de Obi, mas meu objetivo pessoal é mudar a situação na Nigéria".

"As figuras no poder atualmente precisam ter consciência de que o voto jovem pode fortalecer um terceiro partido relevante. Mesmo que Obi não vença, mas receba 10% a 15% dos votos, vamos poder mostrar à velha geração que sugou tudo desse país que isso é apenas o começo e que o bipartidarismo está chegando ao fim."

Tradução de Clara Allain

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