Descrição de chapéu Guerra da Ucrânia Rússia

Putin declara lei marcial em áreas anexadas e alerta máximo na Rússia

Medidas afetam inclusive Moscou e trazem a Guerra da Ucrânia para o território russo

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São Paulo

Oito meses após invadir a Ucrânia, a Rússia vê a guerra que iniciou chegar de vez a seu território. O país todo, inclusive a capital, Moscou, foi colocado sob algum grau de alerta. Oito regiões vizinhas ao país atacado estão em um modo de mobilização civil e as quatro áreas recém-anexadas da Ucrânia, sob lei marcial.

A decisão foi anunciada nesta quarta-feira (19) pelo presidente Vladimir Putin em uma reunião com seu Conselho de Segurança, que foi televisionada. É uma admissão tácita de que a situação está saindo do controle, a primeira do tipo no conflito.

Putin durante videoconferência em que anunciou as medidas ao Conselho de Segurança
Putin durante videoconferência em que anunciou as medidas ao Conselho de Segurança - Serguei Iliin/Sputnik/AFP

Nos distritos federais central, onde fica Moscou, e sul, as autoridades poderão executar medidas de defesa civil e de apoio às Forças Armadas. Poderá haver aumento no policiamento e controle de fluxo de pessoas, mas o prefeito moscovita, Serguei Sobianin, afirmou que nada vai mudar o ritmo da cidade e negou toque de recolher.

Um comitê encabeçado pelo premiê Mikhail Michustin deverá detalhar ações adicionais para uma mobilização econômica nas regiões em favor do esforço de guerra. O resto do país atenderá a um alerta básico, em que governadores terão mais poder para angariar recursos para o conflito, mas não está claro o que isso significa na prática.

Já nas oito áreas que fazem fronteira imediata com a Ucrânia, incluindo a Crimeia e a cidade de Sebastopol anexadas em 2014, o chamado nível médio de resposta (grau acima de alerta máximo) permitirá um reforço imediato de proteção da ordem, regime especial de transportes e comunicações, restrição na circulação e entrada/saída de pessoas e reassentamento de populações em áreas sob risco de ataques.

O nível máximo ocorre na Ucrânia ocupada. A lei marcial nas duas autoproclamadas repúblicas do Donbass, Lugansk e Donetsk (leste), e nas regiões administrativas de Kherson e Zaporíjia (sul) implica total controle sobre a vida civil e a possibilidade de medidas militares mais drásticas.

"Estamos trabalhando para resolver tarefas de grande escala, muito complexas, para garantir um futuro confiável para a Rússia e para nosso povo", disse o presidente.

Na prática, a emergência já começou em Kherson, área que segundo o novo comandante militar russo da invasão, Serguei Surovikin, está sob ameaça iminente de um ataque de Kiev. "A situação é tensa", havia dito na terça (18).

O governo local determinou que de 50 mil a 60 mil pessoas sejam evacuadas da capital regional e seu entorno para áreas mais ao sul, protegidas fisicamente pelo rio Dnieper, que separa uma fatia ao noroeste do resto da região.

Segundo o administrador pró-Kremlin do local, Vladimir Saldo, disse à TV estatal Rússia 1, "todo o governo já está mudando hoje [quarta]" para a margem esquerda do rio. Redes locais mostraram imagens de moradores o atravessando com barcos.

A medida adiciona complexidade à fase atual da invasão iniciada em 24 de fevereiro. Kherson, a vizinha Zaporíjia e as duas autoproclamadas repúblicas do Donbass foram anexadas por Putin após referendos feitos às pressas por autoridades locais em setembro.

Ao mesmo tempo, o Kremlin iniciou uma impopular mobilização de 222 mil reservistas para, nas palavras de Putin, estabilizar as frentes. Segundo o presidente e seus assessores, o novo território é "russo para sempre" e será defendido se preciso com armas nucleares, o que gerou um grande alarme no Ocidente.

Há um temor de que o russo possa empregar uma ogiva nuclear tática, de baixa potência, com finalidade de barrar movimentos de tropas e assustar os ucranianos. Militarmente parece não fazer muito sentido, pois muitas seriam necessárias, elevando riscos de contaminação, e politicamente o Kremlin estaria arriscando a Terceira Guerra Mundial com a Otan (aliança militar liderada pelos EUA).

Desta forma, a ameaça parece ser isso, para ganhar tempo. Desde a semana passada, a dinâmica do conflito mudou. Usando um ataque atribuído a Kiev à ponte que liga a Crimeia que anexou em 2014 à região de Krasnodar, na Rússia, Putin determinou ataques à infraestrutura energética ucraniana.

O resultado, segundo o presidente Volodimir Zelenski, foi a destruição de 30% das centrais de distribuição de energia elétrica do país, deixando mais 1.000 cidades e vilas sem luz ou água —o sistema precisa de eletricidade para funcionar. Os ataques continuaram, com mísseis e drones kamikazes iranianos, nesta quarta, e o líder pediu que os moradores economizem energia.

O operador estatal anunciou restrições nacionais no fornecimento entre 7h e 23h nesta quinta (20), com por exemplo limitações na iluminação urbana. "Não está excluída a possibilidade de, com a chegada do clima frio, pedir compreensão mais frequentemente", disse, em comunicado.

Os russos também tiveram ganhos no cerco que montam a Bakhmut, ou Artemivsk como a chamam os ucranianos, cidade de Donetsk que é um bastião de Kiev na região.

Agora, a lei marcial naquilo que chama de novas fronteiras da Rússia. O movimento em Kherson é especialmente simbólico porque a capital homônima da região foi a primeira grande cidade ucraniana a cair em mãos russas, logo no começo da guerra.

Mas sua posição exposta a duas frentes ucranianas e com o rio Dnieper tendo suas pontes principais destruídas por artilharia americana operada por Kiev a transformou em algo quase indefensável. O que parecia deter uma ação maior de Kiev era o fato de que ela tinha boa parte dos seus 300 mil habitantes.

A evacuação, se eficaz, abrirá caminho para ou a entrega da cidade ou a sua transformação em um inferno de bombardeios —a opção nuclear parece exagerada a esta altura, ainda que tanto a Otan quanto a Rússia estejam em meio a manobras simulando ataques atômicos. Uma crise humanitária, contudo, está garantida de cara.

Com efeito, o governo de Zelenski descreveu a medida como "um show de propaganda". O assessor presidencial Mikhailo Podoliak disse que "nada muda" com o decreto. Já o Departamento de Estado dos EUA qualificou a ação como "desesperada", e o presidente Joe Biden afirmou que "Putin se encontra em uma posição incrivelmente difícil, e parece que sua única ferramenta disponível é brutalizar cidadãos na Ucrânia para tentar intimidá-los".

Já as medidas em solo russo reconhecido terão impacto ainda incerto sobre o moral da população. A aprovação de Putin já havia começado a cair —ainda se mantém em níveis estratosféricos, contudo— com a mobilização que deve acabar na semana que vem; em Moscou, por exemplo, ela já foi encerrada.

Uma coisa é certa: a guerra já havia entrado no cotidiano russo aos poucos, com as sanções ocidentais e, depois, a mobilização. "Estamos muito preocupados, mas não há sinal de pânico", afirmou por telefone Ivan, morador de Rostov-do-Don, capital de Rostov (sul), que pediu para não ter o sobrenome identificado.

Segundo dois analistas políticos ouvidos pela reportagem, tudo indica haver uma preparação por parte do Kremlin para fazer a população aceitar a retirada de parte de Kherson e talvez ainda mais más notícias para Putin, que já havia perdido áreas ocupadas em Kharkiv (nordeste) em setembro.

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