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Rússia se vinga por ponte e faz maior ataque com mísseis na Ucrânia

Ação mirou infraestrutura civil e foi denunciada por EUA, Europa e ONU; China pediu comedimento

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São Paulo

Dois dias depois do audacioso ataque à ponte da Crimeia, que liga a península anexada em 2014 ao território russo, as forças de Vladimir Putin fizeram nesta segunda-feira (10) o mais amplo ataque a cidades da Ucrânia desde a invasão de 24 de fevereiro.

A ação foi amplamente condenada pelos aliados de Volodimir Zelenski no exterior e parece abrir uma nova etapa da guerra, levando temores de uma escalada há muito pedida pela linha dura do entorno de Putin, que vinha sofrendo reveses militares nas últimas semanas.

Ao menos 84 mísseis, segundo o Exército ucraniano, atingiram alvos em 12 regiões e nos 11 principais centros urbanos do país, como Kiev, Kharkiv e Lviv. A capital registrou ao menos quatro explosões, no primeiro ataque desde o dia 26 de junho —14 pessoas morreram, e 97 ficaram feridas.

Moradores de Kiev correm após ataque russo com mísseis contra o centro da cidade
Moradores de Kiev correm após ataque russo com mísseis contra o centro da cidade - Gleb Garanitch/Reuters

A ação é uma retaliação do Kremlin à explosão atribuída a um caminhão-bomba, mas ainda mal explicada, ocorrida no sábado (8) na gigantesca obra que Putin inaugurou em 2018 como uma das principais de seu governo de mais de duas décadas.

Após confirmar em uma reunião do Conselho de Segurança da Rússia a natureza do ataque desta manhã de segunda, Putin prometeu novas reações. "Se continuarem as tentativas de realizar ataques terroristas em nosso território, as respostas da Rússia serão duras e correspondentes ao nível de ameaça criado", afirmou.

O presidente russo classificou o episódio, que destruiu uma das pistas da ponte, de "ataque terrorista contra infraestrutura civil crítica". Ele afirmou ter atingido centros de comando e o sistema energético ucraniano, uma mudança de tom: até então, Putin só falava em alvos das Forças Armadas.

Em um sinal da escalada, na TV estatal russa o termo usado para designar os alvos desta segunda foi infraestrutura civil. Faltam energia e água, de forma total ou parcial, em 15 das 24 regiões administrativas do país.

"Se tivéssemos feito isso todos os dias desde o início da operação, tudo teria acabado em maio", afirmou no Telegram o premiê da Crimeia anexada, Serguei Aksionov. Em Kiev, um míssil caiu nas proximidades de uma universidade, matando motoristas em seus carros, no primeiro bombardeio na região central da cidade desde o começo da guerra, em fevereiro.

Em sua fala noturna, Zelenski disse que o país já estava reconstruindo "o que os terroristas destruíram". Ele disse que 43 dos mísseis foram abatidos, o que parece militarmente exagerado, mas impossível de comprovar ou contestar de forma independente.

"Putin é um terrorista que fala por meio de mísseis", afirmou o chanceler ucraniano, Dmitro Kuleba, no Twitter. Uma das explosões na capital foi captada durante uma transmissão ao vivo da rede britânica BBC, com o repórter no local, o brasileiro Hugo Bachega, buscando abrigo logo em seguida. O metrô da cidade virou o abrigo preferencial na hora do rush matinal (madrugada no Brasil).

Os ataques foram condenados por líderes do Ocidente. O presidente do EUA, Joe Biden, condenou o bombardeio de civis como brutalidade e prometeu a Zelenski continuar a fornecer sistemas de defesa aérea a Kiev. O presidente da França, Emmanuel Macron, também reafirmou seu apoio, inclusive militar, enquanto os ministros das Relações Exteriores do Reino Unido e da Itália descreveram o episódio como inaceitável e vil, respectivamente, no Twitter.

Na mesma plataforma, Zelenski afirmou que o primeiro-ministro alemão, Olaf Scholz, havia concordado com uma reunião urgente do G7 para discutir o caso —o encontro será realizado nesta terça, de forma virtual, com a presença do ucraniano. O secretário-geral da ONU, António Guterres, denunciou o que chamou de "escalada inaceitável".

Já a Otan (aliança militar ocidental) condenou o episódio como horrendo, e a China, maior aliada da Rússia, pediu para que ambos os lados trabalhem para conter o agravamento da crise. A Índia, que transita entre Moscou e Washington, falou o mesmo.

"A vida estava praticamente normal, mas agora parece que voltamos no tempo", disse por aplicativo de mensagem Oleh Makienko, jornalista independente que trabalha na capital, pego de surpresa pelos ataques na rua, correndo para se esconder em uma estação subterrânea.

A retaliação é uma reação não só à humilhação na ponte perto de Kertch, na Crimeia, mas também à série de derrotas em campo nas últimas semanas: Moscou perdeu territórios ocupados em Kharkiv e viu tropas ucranianas romperem suas defesas em Kherson (sul) e Donetsk (leste).

Essas duas regiões, assim como Lugansk (leste) e Zaporíjia (sul), foram anexadas na semana retrasada por decreto de Putin, apesar de suas forças não as controlarem totalmente. Diferentemente do que ocorreu na Crimeia em 2014, quando havia um senso de fato consumado no Ocidente da absorção sem conflito, agora tudo indica uma escalada na guerra.

Putin ficou sob pressão da linha dura de seu entorno. Além de decretar a anexação e uma mobilização impopular de 300 mil reservistas, o russo agora elevou a intensidade de seus ataques com efeito psicológico. No mesmo sábado em que a ponte foi atacada, o Kremlin trocou o comandante geral das operações no país vizinho.

Parte da linha dura tem advogado publicamente o uso de armas nucleares táticas, de potência limitada, contra os ucranianos. Um de seus mais vocais representantes, o líder tchetcheno Ramzan Kadirov, postou no Telegram que "finalmente está satisfeito" com a condução da guerra, que ele havia criticado na semana passada.

A ação foi a mais ampla em distribuição geográfica, mas a mais intensa da guerra até aqui foi no lançamento da ofensiva pelo Donbass (leste), em 18 de abril, quando 315 mísseis atingiram alvos militares na região.

Foram empregados pela primeira vez em meses diversos mísseis de cruzeiro Kalibr disparados de navios nos mares Negro e Cáspio, que aparentemente estão sendo poupados pelo Kremlin após uso intensivo no início da guerra. Também foram usados, segundo a Ucrânia, mísseis de cruzeiro Kh-101, lançados de bombardeiros, balísticos do tipo Iskander.

São armas caras e sofisticadas, e segundo observadores haveria dificuldade em repô-las também pela escassez de chips ocidentais utilizados nelas. Em compensação, Moscou tem feito ataques com mísseis menos precisos e também com drones suicidas que tem comprado do Irã.

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