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David Brooks

Eleição nos EUA mostra que populismo performático de direita e esquerda perdeu espaço

Midterms foram marcadas pelo triunfo dos 'normais' após êxito democrata em frear tendências extremas e atrair independentes

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David Brooks

Colunista do The New York Times e comentarista nas redes PBS, NPR e NBC. É autor, entre outros, de 'Bubos no paraíso: A nova classe alta e como chegou lá' e leciona na Universidade Yale.

The New York Times

Uma convulsão sacudiu os EUA e outras democracias ocidentais nos últimos anos. As pessoas ficaram indignadas com o poder estabelecido, a confiança nas instituições chegou ao fundo do poço e a fúria populista cresceu à direita e à esquerda.

Nos EUA, isso se manifestou na figura de Donald Trump. Para seu grande crédito, Trump reinventou o Partido Republicano. Ele destruiu a carapaça corporativa do reaganismo e lançou o partido no rumo de se tornar uma sigla de classe trabalhadora e multirracial.

Para seu grande descrédito, Trump envolveu essa transição em preconceito, corrupção e gestos farsescos. Ele inaugurou uma era de política performática –em que os líderes enfatizaram frases e gestos para chamar a atenção, em detrimento de transformações práticas.

Ex-presidente Donald Trump discursa durante ato com apoiadores do Partido Republicano em Dayton, no estado americano de Ohio, nas vésperas das midterms - Gaelen Morse - 7.nov.22/Reuters

A esquerda teve sua própria versão menor de populismo performático. A deputada Alexandria Ocasio-Cortez virou uma figura de destaque graças às suas contribuições importantes para o Instagram. O Green New Deal não foi um pacote legislativo, mas um confeito de algodão-doce criado para a mídia. Slogans como "abolir o ICE" (a agência de imigração) e "desfinanciar a polícia" não eram políticas públicas, apenas bordões que soavam bem para ser escritos em cartazes.

A convulsão política teve seu momento, mas, na esquerda, democratas de destaques procuraram atrelar sua energia e ao mesmo tempo refrear seus excessos, que poderiam tornar seu partido inelegível. Em 2020, James Clyburn apostou seu prestígio político num moderado defensor do establishment, Joe Biden.

Nesse ano, depois de progressistas aparentemente haverem custado aos democratas a perda de várias cadeiras na Câmara com discursos imprudentes sobre socialismo, a deputada democrata moderada Abigail Spanberger desancou a esquerda e foi uma das vozes que ajudaram a trazer o partido de volta para o centro do debate sobre criminalidade e outras questões. Biden rejeitou o estilo performático do momento populista e abraçou algumas ideias progressistas.

O populismo performático começou a perder espaço. O Twitter já não exerce o mesmo fascínio sobre a mídia que exercia há dois anos. Parece ter havido menos cancelamentos recentemente e menos intimidação intelectual também.

Num primeiro momento eu encarei o comitê do 6 de Janeiro com ceticismo, mas hoje reconheço que ele desempenhou um papel cultural importante. Ele forçou os EUA a olharem dentro do abismo e enxergarem a violência niilista no cerne do populismo trumpiano.

A eleição de 2022 assinalou o momento em que os EUA começaram a deixar o populismo performático para trás. Embora os resultados sejam parciais, e embora acólitos de Trump ainda possam ajudar os republicanos a controlar o Congresso, nesta eleição assistimos ao surgimento de uma maioria anti-Trump.

De acordo com uma pesquisa nacional de boca de urna, quase 60% dos eleitores disseram que têm uma visão desfavorável de Trump. Quase metade dos eleitores que disseram "desaprovar até certo ponto" Biden como presidente votaram em democratas —presume-se que porque não quiseram votar no trumpismo. Numa pesquisa da Reuters e do Ipsos de setembro, 58% disseram que o movimento Maga ("Make America Great Again") ameaça os fundamentos democráticos.

O resultado isolado mais importante desta eleição foi o triunfo dos normais. Líderes práticos, defensores do establishment, que não passam o tempo gritando furiosamente com você, saíram-se bem, tanto à direita quanto à esquerda: o governador Mike DeWine em Ohio, o governador eleito Josh Shapiro na Pensilvânia. Senadores pragmáticos como John Thune, na Dakota do Sul, e Ron Wyden, em Oregon, foram vitoriosos. O governador do Wisconsin, Tony Evers, disse algo que resumiu a eleição: "O entediante ganhou".

Os americanos ainda estão profundamente insatisfeitos com o estado do país, mas sua teoria de transformação parece ter começado a mudar. Menos telenovela midiática farsesca. Menos política de ameaça existencial. Vamos procurar pessoas que trabalhem e realizem.

Os resultados eleitorais que revelaram muito foram ao nível dos secretários de Estado. A Coalizão de Secretários de Estado América em Primeiro Lugar inclui candidatos que rejeitaram os resultados da eleição de 2020 e que, se tivessem vencido na terça-feira (8), teriam representado uma ameaça à integridade eleitoral. A maioria deles ou perdeu ou parecia estar a caminho de perder. Enquanto isso, Brad Raffensperger, o secretário de Estado da Geórgia que resistiu ao bullying de Trump, venceu por margem grande de votos.

Pelo fato de os democratas terem freado suas tendências mais extremas, enquanto os republicanos não o fizeram, eles atraíram muitos votos independentes —num ano que poderia ter dado aos republicanos uma vitória de lavada. Em relação ao aborto e outras questões, a regra do eleitor centrista ainda é válida. Se você alcançar o lugar onde estão os eleitores moderados, ganhará as eleições.

Para que fique claro, não estou dizendo que já passou a febre na mente de quem integra o movimento Maga. Não estou dizendo que esses republicanos não vão soltar muitos malucos no próximo Congresso. Estou dizendo que os eleitores ergueram um muro em volta desse movimento para assegurar que ele não conquiste o poder que desfrutou no passado. Estou dizendo que os eleitores deram uma ordem clara aos republicanos: façam o que fizeram os democratas, rebatam seus excessos populistas.

Deixarei vocês com duas verdades importantes. A primeira é que ambos os partidos são fracos. Os democratas são fracos porque se tornaram o partido da elite altamente instruída. Os republicanos são fracos por causa de Trump. A fraqueza republicana é mais fácil de extirpar. Se os republicanos se livrarem de Trump, poderão tornar-se o partido dominante nos EUA. Se não o fizerem, vão decair.

A segunda verdade é que a batalha para preservar a ordem mundial liberal já está plenamente em curso. Embora o autoritarismo populista ainda seja uma força poderosa em todo o mundo, de Kiev a Kalamazoo as pessoas se erguerem para nos empurrar na direção de um mundo em que as regras têm importância, o sentido prático tem valor, a estabilidade e o caráter são fundamentais.

Como escreveu Irving Kristol certa vez, as pessoas de nossa democracia "não são excepcionalmente sábias, mas sua experiência tende a torná-las excepcionalmente sensatas".

Tradução de Clara Allain

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