Descrição de chapéu China

Morre Jiang Zemin, que liderou a China pós-massacre da praça da Paz Celestial

Ex-chefe do Partido Comunista administrou país em período de crescimento econômico e abertura diplomática

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São Paulo

Jiang Zemin, líder chinês de 1993 a 2003, período de crescimento econômico e abertura diplomática após o massacre da praça da Paz Celestial, morreu nesta quarta-feira (30), aos 96 anos, em Xangai. Segundo a agência oficial de notícias Xinhua, a causa da morte foi leucemia e falência de múltiplos órgãos.

"O camarada Jiang Zemin foi um líder excepcional, um grande marxista, um grande revolucionário proletário, estadista, estrategista militar, diplomata, um combatente comunista de longa data e um líder excepcional da grande causa do socialismo com características chinesas", diz uma carta publicada pela Xinhua e assinada por Partido Comunista, Parlamento, gabinete e militares. "É uma perda incalculável para o nosso partido, nossos militares e nosso povo de todos os grupos étnicos."

Antes de se tornar secretário-geral do Partido Comunista da China, cargo que ocupou de 1989 a 2002, Jiang foi prefeito de Xangai. Durante seu governo Hong Kong foi devolvida à China, em 1997.

O ex-líder chinês Jiang Zemin durante evento para anunciar os membros do Comitê Permanente do Partido Comunista, em Pequim
O ex-líder chinês Jiang Zemin durante evento para anunciar os membros do Comitê Permanente do Partido Comunista, em Pequim - Mike Fiala - 19.out.92/AFP

O ex-líder foi escolhido a dedo após o massacre de manifestantes na praça da Paz Celestial, em Pequim, em 1989. Segundo o regime, 300 pessoas morreram nos atos pró-democracia, a maioria soldados. ONGs de direitos humanos e testemunhas, porém, dizem que milhares de pessoas foram assassinadas.

Analistas esperavam que Jiang, ao ser nomeado, fosse mais uma figura transitória na história política da China. Seu objetivo à época seria apenas substituir Zhao Ziyang, derrubado pela linha dura do partido por simpatizar com o movimento democrático de Tiananmen, como também é conhecida a praça —Zhao passou o resto de sua vida em prisão domiciliar, até morrer, em 2005.

Foi sob sua gestão, no entanto, que o país conseguiu sair do isolamento diplomático pós-massacre, normalizando relações com Washington e mantendo crescimento econômico sem precedentes. Ele visitou os EUA em 1997, quando se encontrou com o então presidente Bill Clinton. Depois, em 2002, foi um dos poucos líderes mundiais a visitar o rancho de George W. Bush em Crawford, no Texas.

Na mesma linha, coube ao ex-líder chinês gerenciar crises nas relações sino-americanas após a Otan, a aliança militar do Ocidente, bombardear, em 1999, a embaixada de Pequim em Belgrado. Dois anos depois, um caça chinês e um avião espião dos EUA se chocaram no espaço aéreo da China, causando uma das piores crises entre os dois países desde o restabelecimento diplomático, em 1971.

Paralelamente, Jiang manteve laços com a Rússia, onde chegou a ser trainee de uma fábrica de automóveis nos anos 1950. Nesta quarta, o presidente Vladimir Putin disse que o chinês foi um amigo sincero de seu país.

Jiang também convidou empresários para se juntarem ao Partido Comunista Chinês, defendeu a inclusão de Pequim na OMC (Organização Mundial do Comércio) e protocolou a candidatura do país para sediar os Jogos Olímpicos de 2008. A transformação gerou efeitos positivos e contribuiu para o crescimento extraordinário da economia. De 1993 a 2003, o PIB (Produto Interno Bruto) do país mais do que triplicou —em conta que não considera correções inflacionárias.

Embora bem-sucedida economicamente, a China sob Jiang estagnou politicamente. Os debates de reforma dos anos 1980 foram esmagados pelo medo da instabilidade após os protestos de 1989 e o colapso da União Soviética. Além disso, a corrupção piorou e a desigualdade social aumentou.

Jiang exibia como um dos seus legados o retorno de Hong Kong à China, em 1997, após mais de 150 anos de domínio britânico —ainda que a volta do território tenha sido negociada por Deng Xiaoping em 1984.

O dirigente lutou também para que Taiwan, considerada por Pequim uma província rebelde, aceitasse a soberania chinesa. Para tal, ameaçou a ilha com exercícios militares e testes de mísseis antes da primeira eleição presidencial direta do território, em 1996, azedando as relações bilaterais por mais de uma década.

À frente do Comitê Permanente do Politburo, o órgão máximo do Partido Comunista e do regime como um todo, ele formou um grupo com aliados e seguidores informalmente conhecidos como "gangue de Xangai", cuja influência sobre a política chinesa permaneceu mesmo depois da mudança no comando.

Jiang foi visto pela última vez em público em outubro de 2019, assistindo ao desfile militar na praça da Paz Celestial em comemoração ao 70º aniversário da fundação da República Popular da China. Antes disso, sua morte chegou a ser anunciada por engano pela imprensa de Hong Kong, em 2011, depois que ele não compareceu às comemorações de 90 anos do Partido Comunista.

Quebrando a tradição de discrição chinesa, era um líder muito mais extravagante que os antecessores. Às vezes cantava, recitava poemas ou tocava instrumentos musicais em encontros importantes. Em algumas ocasiões, jornais chineses estamparam poemas seus na primeira página.

A peculiaridade marcou também seus últimos anos de vida pública. Um dos momentos mais lembrados aconteceu durante um longo discurso do atual líder chinês, Xi Jinping, em um congresso do Partido Comunista em 2017. Na ocasião, Jiang olhou sem qualquer constrangimento para seu relógio em diversas ocasiões, e a cena virou meme em redes sociais —no mínimo, um simbolismo das diferenças políticas entre os dois líderes. Nesta quarta, Xi disse que a China vai transformar o luto em força.

"Jiang Zemin estava mais pronto para ser natural, embora às vezes pudesse ser percebido como vulgar, não muito sofisticado", disse Jean Pierre Cabestan, professor de política da Universidade Batista de Hong Kong, à agência de notícias Reuters.

Apesar dos rumores de que ele queria se apegar ao poder, Jiang se aposentou como chefe do partido em 2002, entregando as rédeas a Hu Jintao na primeira transição de liderança sem derramamento de sangue na China desde a Revolução de 1949.

Com AFP, Reuters e New York Times

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