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8 bilhões no mundo

Mundo com 8 bilhões é, sobretudo, mais envelhecido e desafiador

Implicações para saúde são transcendentais, pesam mais sobre mulheres e requerem cultura do cuidado

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Alexandre Kalache

Médico gerontólogo, é presidente do Centro Internacional da Longevidade e ex-diretor do Departamento de Envelhecimento e Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS)

Em 1965 entrei para a faculdade de medicina. A população mundial mal passava de 3 bilhões; a do Brasil, 83 milhões. As taxas de natalidade eram altas, e a grande preocupação era com a superpopulação. Prevalecia a teoria neomalthusiana, de incentivo ao uso de métodos contraceptivos e o controle do crescimento populacional com influência do Estado. Do contrário, o mundo não teria capacidade de produzir alimentos para tanta gente.

Rios de dinheiro de fundações americanas chegavam para deter o "desenfreado crescimento da população". De envelhecimento populacional ninguém falava. A proporção dos 60+ no mundo era de 4,2. No Brasil, idosos eram apenas 2,8% da população, enquanto 21,4% eram crianças abaixo de 15 anos.

Três mulheres idosas caminham em rua de Maiaki, na Ucrânia - Yasuyoshi Chiba - 6.mai.22/AFP

Ao longo das décadas que tenho como médico, um mundo bem diferente emergiu. Se as altas taxas de natalidade tivessem prevalecido, o marco mundial de 8 bilhões já teria há muito sido alcançado, e o Brasil teria uma população muito maior que os 215 milhões de hoje.

Estima-se que o Brasil atinja seu pico populacional em 2046, com 231,1 milhões. A proporção de idosos, hoje em torno de 15,5%, dobrará até 2050. Segundo o IBGE, em 2022 a proporção de pessoas acima de 50 anos ultrapassou a de com menos de 30 anos. O único segmento da população que seguirá crescendo ao longo do século é o de pessoas idosas.

Este cenário de rápido envelhecimento vislumbrado para o Brasil é compartilhado com outros países em desenvolvimento, como a China. A diferença é que no gigante asiático foi resultado de uma rígida política de um filho por família, enquanto no Brasil a queda da natalidade foi tão vertiginosa quanto não programada.

Antes de 2000, o número médio de filhos ao final da vida reprodutiva de uma mulher atingiu o nível abaixo do necessário para reposição: dois —casais precisam ter em média mais de dois filhos para que haja crescimento populacional, salvo em países que recebem muitos imigrantes. Dentro em pouco as mulheres nascidas nos anos 1980 e 1990, quando as taxas de nascimento ainda eram relativamente altas, chegarão à menopausa. Teremos então atingido nosso pico populacional.

As implicações para saúde são transcendentais. Focando o Brasil apenas, é necessário formularmos políticas de saúde para uma população muito mais envelhecida. Isso pressupõe uma perspectiva de curso de vida pois ninguém envelhece "de repente". Somos, no final da vida, um reflexo de nossos hábitos e comportamentos –que, por sua vez, dependem de oportunidades para que eles sejam mais saudáveis.

Saúde é criada no dia a dia, onde as pessoas vivem, trabalham, locomovem-se, divertem-se, amam-se, como já dizia, em 1986, a Carta de Ottawa de Promoção da Saúde da OMS. É, portanto, crucial fazer com que escolhas mais saudáveis sejam também mais fáceis, simples e baratas. Gritantes desigualdades distinguem aqueles que chegam bem à velhice e milhões que envelhecem precocemente e mal.

Face à impossibilidade de prevenirmos por completo as doenças crônicas associadas ao envelhecimento, faz-se imperativo postergá-las o mais que possível. Se ganharmos dez, 15 anos sem doenças cardiovasculares, hipertensão, diabetes, câncer, doenças neurodegenerativas, inclusive vários tipos de demências, não é só a qualidade de vida que aumenta. Os custos para os sistemas de saúde, público ou privado, baixam significativamente.

O envelhecimento populacional pressupõe desenvolver uma cultura do cuidado. É um marco civilizatório. Não é viável, nem tampouco justo, que o ônus recaia exclusivamente na família. É dever do Estado desenvolver políticas e intervenções que dividam tal responsabilidade.

Menos justo ainda esperar que o tal "cuidado pela família" seja um eufemismo, que recaia para as mulheres da família a responsabilidade. Cuidam dos filhos, dos pais, dos sogros e mesmo do esposo, geralmente mais velho, e, quando necessitam elas próprias de cuidados, não há ninguém que lhes cuide. Embora vivam mais, as mulheres sofrem mais de doenças incapacitantes, como as doenças osteomusculares. Essa questão de gênero é fundamental para um país que tão rapidamente envelhece. Os homens precisarão deixar de ser sobretudo recipientes de cuidado para dele participarem ativamente.

Globalmente veremos nas próximas décadas transformações desafiadoras. A Índia deve ultrapassar a China como país mais populoso do mundo em 2023. A elas seguem-se os Estados Unidos, Indonésia e Paquistão, o Brasil ocupando a sexta posição. Em 2050, Índia e China seguirão nas primeiras posições, seguidas da Nigéria e, no ranking dos dez mais populosos países do mundo, estarão também Etiópia, Congo e Bangladesh.

A ONU projeta que em 2064 teremos 10 bilhões e, na década de 2080, alcançaremos o pico de 10,4 bilhões

O influente Institute for Health Metrics and Evaluation, ligado à Universidade de Washington, projeta que a população mundial será de 9,7 bilhões em 2064 e logo começará a diminuir, com exceção dos países subsaarianos. As implicações geopolíticas são óbvias: o resto do mundo muito mais envelhecido, imensas populações jovens de países pobres à procura de oportunidades. É hora de levar demografia como algo muito mais sério do que levamos no Brasil.

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