Mundo com 8 bilhões une lusófonos pelo idioma e os separa pelas prioridades

Brasil e Portugal prezam por difusão da língua, e africanos como Angola e Moçambique buscam parcerias estratégicas

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Guarulhos

Um mundo com 8 bilhões de pessoas coloca desafios consideráveis sobre a mesa da comunidade lusófona, formada por Brasil e outros oito países. Alguns, claro, são de âmbito doméstico, enquanto outros envolvem o conjunto dessas nações.

Um dos principais reside no alinhamento de expectativas dos objetivos centrais de uma comunidade que tem a língua como traço identitário. Enquanto para alguns dos países a difusão do idioma ainda é prioridade, para outros é a parceria econômica o que mais interessa.

Mulheres perto de centro de votação em Luanda, capital de Angola, país lusófono africano - John Wessels - 24.ago.22/AFP

Dentro do todo, o tamanho da lusofonia até parece tímido: a população dos nove países que têm o português como uma de suas línguas oficiais soma 301,6 milhões –3,7% do total do planeta. É como se, a cada mil pessoas no planeta, 38 vivessem nas nações lusófonas.

Em 50 anos, esse número saltará para 426 milhões (4,1% do todo), caso se confirmem as projeções da ONU. E, no final deste século, a lusofonia terá 442 milhões de pessoas. Com seus atuais 215,8 milhões, o Brasil segue como o mais populoso do grupo, mas o crescimento ao longo das próximas décadas é puxado por dois africanos: Angola e Moçambique.

Nem todas essas pessoas falam português, no entanto. Em Angola, apenas 71% são fluentes na língua, por exemplo. No Timor Leste, mais de 20% falam português, mas são poucos os que o têm como língua materna. Na Guiné Equatorial, o idioma é dominado por 1% dos habitantes.

As cifras colocam o português muito atrás das línguas mais faladas no planeta. Cerca de 1,5 bilhão de pessoas são nativas em inglês ou o têm como segunda língua. Os que têm como idioma principal o mandariam são 1,1 bilhão. Na sequência estão o hindi e o espanhol, com 600 milhões cada um.

A importância do idioma está no fato de ele ser um fio condutor de parcerias econômicas e sociais entre essas nações, além de ser um bônus para arranjos políticos. Há, porém, dissonância de percepções.

Quando assumiu no ano passado a presidência rotativa da CPLP, a Comunidade das Nações de Língua Portuguesa, Angola elencou como prioridade de sua gestão a cooperação econômica. A medida diz muito sobre o anseio dos Palop, os países africanos lusófonos, em relação à lusofonia, e também sobre os próprios desafios angolanos.

O país, hoje com 36 milhões de habitantes, vai duplicar sua população até a década de 2050 e mais que triplicá-la até 2100. "Não há capacidade para geração de emprego para tanta gente, em especial porque quase dois terços da população são jovens", diz à Folha o demógrafo angolano José Ribeiro.

"O grande desafio é alterar a estrutura da população, reduzindo a proporção de jovens. Isso só se consegue com quedas nos níveis de fecundidade, mas existem tabus —na zona rural, nem se pode falar em planejamento familiar. Tudo é uma questão política: entender que crescer não é multiplicar o número de pobres."

A fecundidade é tema-chave. Moçambique, Guiné Equatorial e Angola estão entre os dez países com maiores números de filhos de crianças e adolescentes de 10 a 14 anos —9,3, 9,2 e 7,5 por mil meninas nessa faixa etária, respectivamente. A média mundial é de 1,5, e no Brasil são 2,15.

Com a pressão exercida pelo explosão populacional, ampliar parcerias com países como Brasil ou Portugal, inserido na União Europeia, oxigenaria economias de nações como Angola e Moçambique, também marcado por rápido crescimento de habitantes. Mas, para isso, é preciso que também haja interesse das contrapartes.

Para a missão brasileira na CPLP, baseada em Lisboa, a agenda econômica tem peso, mas a prioridade ainda é a difusão do português, dentro e fora dos países-membros.

O timorense Zacarias da Costa, secretário-executivo da CPLP, afirma concordar que o grande desafio dos próximos tempos será facilitar acordos econômicos e comerciais. "Temos uma agenda estratégica para recuperar as economias pós-Covid, tornando-as mais atrativas para investimentos", afirma à Folha.

"Juntos, nossos países representam 8% da superfície continental do planeta e têm enorme potencial econômico: estão em 4º lugar na produção mundial de petróleo e têm 14% das reservas globais de água doce", segue o diplomata, que não deixa de lado o peso do idioma. "Já são mais de 33 organizações internacionais que usam o português como língua de trabalho, e o fato de termos 32 observadores associados atesta a importância da CPLP a nível internacional."

Para todos os envolvidos na comunidade lusófona, o recente acordo de mobilidade assinado por todos os países dá ânimo de que novas parcerias, entre elas as econômicas, serão mais prósperas nos próximos anos. O tema pesa também para a superpopulação, uma vez que o acordo facilitará o trânsito de cidadãos entre esses países. Ainda é preciso, porém, colocar a medida em prática.

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