Rússia reativa seus trolls e bots antes das midterms nos EUA

Pesquisadores identificaram série de operações russas para influenciar eleição de meio de mandato

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Steven Lee Myers
The New York Times

A usuária do Gab que se identifica como Nora Berka reapareceu em agosto após um ano de silêncio na plataforma de mídia social, republicando algumas mensagens de teor político fortemente conservador e escrevendo uma enxurrada de novas mensagens em tom carregado de ódio.

Os posts, em sua maioria, caluniam o presidente Joe Biden e outros democratas destacados, às vezes em linguagem obscena. Também lamentaram o uso de dólares dos contribuintes para apoiar a Ucrânia em sua guerra contra as forças invasoras russas, retratando o presidente ucraniano como uma caricatura que segue exatamente os moldes da propaganda russa.

Funcionária exibe reprodução de páginas do Facebook no Comitê de Inteligência, formado para discutir a influência da Rússia nas eleições americanas de 2016, em Washington
Funcionária exibe reprodução de páginas do Facebook no Comitê de Inteligência, formado para discutir a influência da Rússia nas eleições americanas de 2016, em Washington - Aron P. Bernstein - 1º.nov.17/Reuters

A fusão de preocupações políticas não foi coincidência. A conta tinha sido ligada previamente à mesma agência russa sigilosa que interferiu na eleição presidencial americana de 2016 e novamente em 2020: a Internet Research Agency, de São Petersburgo, segundo o grupo de cibersegurança Recorded Future.

Ela faz parte do que o grupo e outros pesquisadores já identificaram como um novo esforço russo, mas mais direcionado, lançado antes das midterms desta terça (8). Como antes, o objetivo é fomentar a insatisfação de conservadores e corroer a confiança no sistema eleitoral americano. Agora, a campanha também parece ter o objetivo de enfraquecer a assistência militar dada pelo governo Biden à Ucrânia.

"Está claro que estão tentando fazer com que cortem o envio de assistência e dinheiro à Ucrânia", disse Alex Plitsas, ex-soldado do Exército e oficial de operações de informação do Pentágono que hoje trabalha na firma de tecnologia para empresas Providence Consulting Group.

Usando contas que se fazem passar por americanos enfurecidos, a campanha tem alimentado as disputas políticas e culturais mais divisivas no país hoje. Ela é direcionada contra democratas nas disputas mais acirradas, incluindo as corridas ao Senado em Ohio, Arizona e Pensilvânia, calculando que uma maioria republicana no Senado e na Câmara pode ajudar o esforço de guerra da Rússia.

As campanhas revelam não só quão vulnerável o sistema político americano ainda é à manipulação vinda do exterior, mas também como os fornecedores de desinformação se adaptaram aos esforços feitos pelas grandes plataformas de mídia social para remover ou minimizar conteúdos falsos ou enganosos.

No mês passado, o FBI e a Agência de Cibersegurança e Infraestrutura de Segurança lançaram um alerta sobre o perigo da desinformação disseminada "por canais de mídia na dark web, publicações online, apps de mensagens, sites falsificados, e-mails, mensagens de texto e perfis online falsos". A desinformação pode incluir alegações de que resultados ou dados eleitorais foram hackeados ou comprometidos.

As agências exortaram as pessoas a não curtir, comentar ou compartilhar publicações online vindas de fontes desconhecidas ou de confiabilidade dúbia. Não identificaram campanhas específicas, mas plataformas de mídia social e pesquisadores que investigam desinformação trouxeram à tona recentemente diversas campanhas lançadas por Rússia, China e Irã.

A Recorded Media e duas outras firmas de pesquisas sobre mídia social, Graphika e Mandiant, identificaram uma série de campanhas russas que usam o Gab, Parler, Getter e outras plataformas mais novas que se orgulham de criar espaços não moderados, em nome da liberdade de expressão.

São campanhas muito menores do que as da eleição de 2016, em que contas falsas alcançaram milhões de eleitores de todas as partes do espectro político no Facebook e em outras grandes plataformas. Mas os esforços não são menos nocivos, disseram os pesquisadores, quando alcançam usuários crédulos que podem ajudar a realizar os objetivos russos.

"O público envolvido é muito menor que o de outras redes tradicionais", disse Brian Liston, analista sênior de inteligência da Recorded Future que identificou a conta de Nora Berka. "Mas é possível interagir com o público com operações muito mais seletivas de influência, porque os usuários dessas plataformas geralmente são conservadores americanos, possivelmente mais abertos a alegações conspiratórias."

Muitos dos perfis que os pesquisadores identificaram foram usados previamente por um veículo noticioso que se intitula Newsroom for American and European Based Citizens. A Meta, dona do Facebook, já ligou esse veículo a campanhas de informação russas centradas na Internet Research Agency.

A rede parece ter se desfeito desde então, e muitas das contas de mídia social ligadas a ela ficaram dormentes depois de serem identificadas publicamente na época da eleição de 2020. As páginas foram ativadas novamente em agosto e em setembro, chamadas à ação como células terroristas dormentes.

Segundo Liston, a conta de Nora Berka tem muitas das características de um usuário não autêntico. Não há foto de perfil nem dados biográficos. Ninguém respondeu a uma mensagem enviada à conta pelo Gab.

Com mais de 8.000 seguidores, o perfil só publica sobre temas políticos e frequentemente difunde publicações falsas ou enganosas. A maioria delas atrai poucas interações, mas um post recente sobre o FBI recebeu 43 reações e 11 respostas e foi retransmitida 64 vezes.

Desde setembro a conta tem repetidas vezes compartilhado links com um site previamente desconhecido, electiontruth.net, que a Recorded Future disse que quase certamente está vinculada à campanha russa.

.Cafeteria no Arkansas apontada como contato do site Electiontruth.net; o local foi fechado e substituído por uma mercearia
Cafeteria no Arkansas apontada como contato do site Electiontruth.net; o local foi fechado e substituído por uma mercearia - Trent Bozeman - 5.nov.22/The New York Times

As primeiras publicações da Electiontruth.net datam apenas de 5 de setembro. Desde então, o site tem publicado quase diariamente artigos ridicularizando Biden e os principais candidatos democratas, além de críticas às políticas democratas sobre raça, criminalidade e gênero, que, segundo ele, estão destruindo os Estados Unidos. "A América sob o comunismo" é um título típico.

Um tema recorrente dos novos esforços russos é o argumento de que os EUA sob Biden estão jogando dinheiro fora ao apoiar a Ucrânia em sua resistência contra a invasão russa iniciada em fevereiro.

Nora Berka, por exemplo, publicou uma foto manipulada em setembro mostrando o presidente ucraniano Volodimir Zelenski fazendo pole dance, de biquíni, com Biden jogando uma chuva de dólares sobre ele.

"Enquanto os americanos da classe trabalhadora lutam para comprar comida e combustível e encontrar fórmula infantil, Biden quer gastar mais US$ 13,7 bilhões em ajuda à Ucrânia", publicou a conta. Não por acaso, o post ecoou um tema que vem ganhando alguma força entre parlamentares e eleitores republicanos que questionam o envio de armamentos e outra assistência militar.

"Não é segredo que os republicanos –uma parcela grande dos republicanos— questionam se deveríamos estar apoiando algo que já foi descrito como aventuras estrangeiras ou o conflito de outros", disse Graham Brookie, diretor sênior do Laboratório Forense Digital do think tank Atlantic Council, que também vem rastreando operações de influência lançadas por outros países.

Tradução de Clara Allain 

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