Descrição de chapéu Guerra da Ucrânia Rússia

Turquia aproveita fraqueza da Rússia, ataca a Síria e é condenada até pelos EUA

Focado na Ucrânia, Kremlin deixa espaço para Erdogan e se queixa de falta de comedimento dos turcos

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São Paulo

A nova onda de ataques da Turquia contra posições curdas no norte da Síria levou a críticas de seus dois maiores aliados, os companheiros de Otan (aliança militar ocidental) EUA e a Rússia de Vladimir Putin.

Foram 89 alvos atingidos e destruídos, segundo o Ministério da Defesa turco, ao longo do domingo (20). O Departamento de Estado americano pediu uma desescalada na situação militar, e o Kremlin, apesar de "reconhecer as preocupações de segurança de Ancara", requisitou "comedimento" na operação.

Área atingida por aviões turcos no campo em Derik, na Síria
Área atingida por aviões turcos no campo em Derik, na Síria - Orhan Qereman - 21.nov.22/Reuters

Tanto Moscou quanto Washington usaram palavras idênticas: não desejam a "desestabilização do norte da Síria", algo tão coordenado que nem parece que estão indo às vias militares, Putin direta e o americano Joe Biden indiretamente, nos campos de batalha da Ucrânia.

É o conflito europeu, aliás, que está por trás da renovada assertividade de Recep Tayyip Erdogan. Putin tem uma relação complexa com o misto de aliado e rival e está pressionado pela retirada de suas forças da franja norte da região Kherson, que havia anexado no sul da Ucrânia.

Os movimentos da guerra sugerem a formação de uma estratégia de saída do russo, mas ninguém sabe como. Nesta terça (22), o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, afirmou que Moscou não quer a derrubada do governo em Kiev, voltando atrás no que havia afirmado antes o chanceler russo, Serguei Lavrov.

O próprio Peskov havia dado como "objetivo mínimo" a conquista total da dita República Popular de Donetsk, uma das unidades anexadas no leste ucraniano. A pressão americana para que Kiev aceite negociar tem crescido, o que demanda foco russo na questão —deixando assim uma avenida para Erdogan flexionar seus músculos militares na Síria.

Aliado nominal tanto de Kiev quanto de Moscou, o turco tem interesses cruzados com Putin em diversos teatros, como a guerra que patrocinou entre seu aliado Azerbaijão e a Armênia mostrou em 2020. Não só: Mediterrâneo, mar Negro, Líbia, Síria, a lista é grande.

Em uma conversa com analistas em que a Folha esteve presente, no fim de outubro, Putin fez uma deferência ao colega. "Ele é um negociador muito bom, muito duro. Sempre coloca o interesse da Turquia à frente", disse, rindo discretamente, ao ser questionado sobre o quão difícil era discutir com Erdogan.

Na atual guerra, o turco tem se colocado como moderador em reuniões e ajudou a costurar o acordo para exportação de grãos ucranianos e fertilizantes russos pelo mar Negro.

E os curdos são sua maior obsessão, tanto que Ancara só apoiou a intenção da Suécia e da Finlândia de entrar na Otan para se defender da Rússia porque os europeus prometeram deportar ativistas. A operação deste domingo foi, pelo valor de face, vingança contra um atentado atribuído a curdos em Istambul.

Houve ações pontuais no Curdistão iraquiano também, mostrando a latitude da questão. Os curdos são a maior etnia sem país do mundo, espalhados pelo Oriente Médio. Na Turquia, são oposição ao governo central há décadas e classificados como terroristas.

Com a guerra civil síria, iniciada em 2011, os curdos viram a oportunidade de reforçar sua autonomia no norte do país árabe, o que conseguiram de fato no ano seguinte. Lutaram ao lado de árabes, armênios e outros na região contra principalmente o grupo terrorista Estado Islâmico. Tinham apoio americano.

Após Putin intervir em favor da ditadura de Bashar al-Assad em 2015, estabelecendo uma base aérea no país, os russos passaram a ser atores centrais no conflito. Em 2019, os EUA traíram os curdos e deixaram o norte do país, permitindo a entrada de forças turcas —que desejam subjugar a região para evitar apoio e santuário aos curdos da Turquia. Isso levou a um choque entre Ancara e Damasco, resolvido de forma bem instável por uma mediação instável até aqui entre turcos e russos.

A fraqueza momentânea dos russos vem também da mudança discreta no apoio que recebem de seu maior aliado, a China de Xi Jinping. O dirigente acaba de se encontrar com Biden, e ambos prometeram retomar laços que estavam praticamente rompidos após a visita da presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, a democrata Nancy Pelosi, a Taiwan em agosto.

Nesta terça, houve o primeiro encontro entre os chefes da Defesa das duas potências em meses. O americano Lloyd Austin e o chinês Wei Fenghe discutiram laços bilaterais na cidade cambojana de Siem Reap, onde ocorre uma reunião de ministros da área.

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