Ucrânia teme 'facada nas costas' por aliados contra Rússia

Pressão americana por negociações e provável ida de Putin ao G20 expõe crise em Kiev

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São Paulo

A pressão americana e europeia por uma solução negociada para a Guerra da Ucrânia provocou uma crise no governo do presidente Volodimir Zelenski, acostumado até aqui a um apoio político e militar irrestrito contra a invasão promovida pela Rússia há oito meses.

Nesta terça (8), o assessor presidencial Mikhailo Podoliak, um dos mais vocais aliados de Zelenski, disse ao jornal italiano La Reppublica que "continuaremos a lutar mesmo se levarmos uma facada nas costas".

Artilharia ucraniana dispara contra posições russas em Bakhmut, no leste do país
Artilharia ucraniana dispara contra posições russas em Bakhmut, no leste do país - Bulent Kilic/AFP

Foi uma referência direta à pressão americana, relatada em uma reportagem do jornal The Washington Post e não negada pelo governo de Joe Biden, para que a Ucrânia considere sentar à mesa com o Kremlin. Até aqui, Kiev diz que só conversa se o presidente Vladimir Putin não estiver mais no poder.

Como isso não acontecerá no horizonte visível e com as preparações para uma grande batalha na região de Kherson que pode definir o rumo da guerra, há sinais de que os EUA começaram a perder a paciência com o conflito, que já custou cerca de US$ 50 bilhões aos cofres do país, US$ 18 bilhões em armamentos.

Isso ocorre em meio às eleições americanas de meio de mandato, nass quais Biden deve perder o controle da Câmara dos Representantes e talvez do Senado para a oposição republicana. Enquanto o apoio a Kiev não deve mudar, a qualidade do esforço na guerra por procuração com Moscou pode ser afetada.

"Não temos opção. Se pararmos de nos defender, vamos deixar de existir", disse Podoliak. Seu chefe, Zelenski, reafirmou quais são as suas condições em um pronunciamento gravado em alusão ao recebimento da Medalha da Liberdade do Congresso americano. "Peço que mantenham uma unidade inquebrantável, como agora, até que a paz seja restabelecida", afirmou o presidente.

A sinalização negativa para Kiev não passa apenas por vazamentos à imprensa. Nesta terça, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse que Putin irá a Bali, na Indonésia, para o encontro do G20 na semana que vem, "se as circunstâncias permitirem".

Trata-se de um aceno ao vazamento do Post, que Peskov se recusara a comentar na véspera. Se Biden e o líder chinês, Xi Jinping, forem a Bali, como está programado, há um cenário se formando para algum tipo de negociação inicial —não na forma de anúncios, mas certamente de conversas entre delegações.

Há muita expectativa acerca de um encontro bilateral entre Biden e Xi, recém-conduzido ao posto de líder máximo da ditadura de Pequim. O chinês é o principal aliado de Putin e na semana passada recebeu um pedido pessoal durante visita do premiê alemão, Olaf Scholz, para interceder em favor de uma negociação.

Tal reunião talvez nem ocorra, mas o palco está sendo montado. O fato é que o Kremlin voltou a repetir, nas duas últimas semanas, sua disposição em negociar —mesmo enquanto aumenta a ferocidade de seu ataque à infraestrutura energética do vizinho.

Moscou tem jogado a responsabilidade nas costas de Kiev. Zelenski, além de querer a ilusória derrubada de Putin, exige que os russos deixem todos os territórios ocupados —a Crimeia, anexada há quase nove anos, e as áreas controladas nas quatro regiões que o Kremlin absorveu em 30 de setembro. Kiev ainda busca acordos em torno de sua integridade territorial e reparações pela destruição do conflito.

Moscou, por sua vez, tem ofertado opções variáveis na sua lista de desejos da guerra: claramente tentou derrubar Zelenski e tomar Kiev no começo do conflito, mas o mau planejamento e a resistência ucraniana a fizeram falhar. Depois, concentrou com mais sucesso operações no Donbass, no leste do país, onde domina a anexada Lugansk e boa parte da também absorvida Donetsk.

Enquanto isso, estabeleceu a ligação entre essas áreas e a Crimeia. Um general russo sugeriu que deveria tomar toda a costa do mar Negro até o encrave separatista pró-russo da Transdnístria, na Moldova. Já o chanceler Serguei Lavrov citou a queda de Zelenski, enquanto o porta-voz Peskov estabeleceu como "objetivo mínimo" a manutenção das quatro áreas já anexadas.

Além disso, a Rússia não aceita que a Ucrânia se una a estruturas ocidentais, como Otan e União Europeia, sob pena de perder a profundidade estratégica que ao menos daria neutralidade ante rivais.

Da maneira posta hoje, não há acordo, exceto que alguém ceda primeiro. É aí que nasce o incômodo de Kiev com seus aliados, que têm insinuado fastio com o prolongamento da guerra e seus efeitos econômicos globais, inflação de alimentos e dos custos de energia para começar.

Para Xi, seria também uma oportunidade de reaproximação com seu maior rival estratégico, Biden, num momento em que o líder chinês precisa tratar de graves problemas econômicos —que envolvem diretamente a interligação com o Ocidente, além de não poder arriscar ser objeto de sanções como Putin.

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