Chefe militar da Ucrânia prevê nova ofensiva russa contra Kiev

Em busca de mais ajuda, líderes pintam quadro sombrio e veem efeito no moral das tropas

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São Paulo

Em campanha aberta para receber mais ajuda militar do Ocidente, o presidente da Ucrânia, o comandante das Forças Armadas e o chefe de operações terrestres de seu Exército pintaram um quadro sombrio sobre as chances de a Rússia vencer a guerra que começou em fevereiro.

Eles concederam entrevistas à revista britânica The Economist, que as publicou nesta quinta-feira (15). O general Valeri Zalujni, comandante das Forças, disse que a campanha russa para destruir a rede energética da Ucrânia pode afetar o moral de suas tropas. "Parece que estamos no limite. Aí é quando mulheres e filhos dos soldados começam a congelar. Qual será o ânimo deles? Sem água, luz e aquecimento podemos falar em preparar reservas para continuar a lutar?", afirmou.

Tanque destruído perto de Izium, na região de Kharkiv, que foi desocupada pelos russos
Tanque destruído perto de Izium, na região de Kharkiv, que foi desocupada pelos russos - Serguei Bobok - 13.dez.22/AFP

Zalujni e seu subordinado Oleksandr Skirski, general que defendeu com sucesso a capital do ataque inicial russo, dizem que a mobilização de mais de 300 mil soldados em tempo recorde pelos russos foi efetiva. "Não tenho dúvida de que eles vão fazer uma nova tentativa contra Kiev", afirmou.

Esse ataque, ou uma ofensiva maciça no Donbass, no leste do país, pode ocorrer em qualquer momento do final de janeiro até março, afirmaram os militares. A declaração foi corroborada pelo ministro da Defesa do país, Oleksii Reznikov, que concedeu por sua vez uma entrevista ao jornal britânico The Guardian.

"Os mobilizados se preparam por ao menos três meses. Isso significa que eles estão tentando iniciar a nova onda da ofensiva provavelmente em fevereiro", disse o ministro.

À Economist os chefes militares enfatizaram que é errada a percepção usual no Ocidente, alimentada pelo chefe Volodimir Zelenski e pela propaganda ucraniana, de que a Rússia está fracassando.

"Não se deve deixar de levar em conta o inimigo. Eles não são fracos e têm um grande potencial em termos de mão de obra", afirmou Skirski. Ele diz que os russos não são muito bem equipados, mas, como na Segunda Guerra Mundial, valem-se de uma capacidade de renovação de forças muito grande.

O seu comandante lembra que o programa de treinamento desenvolvido pelo Reino Unido para soldados ucranianos pode gerar 30 mil reforços em 18 meses. A Rússia mobilizou dez vezes mais pessoas e as está preparando para entrar em combate em três meses. Para os militares, a campanha contra a infraestrutura civil seria uma forma de Moscou ganhar tempo para suas ofensivas renovadas no inverno —quando a lama e a neve ainda derretidas do fim do ano endurecem e facilitam o trânsito de tropas e armamentos.

O realismo, claro, tem o objetivo de sensibilizar o Ocidente. Nesta semana, foi vazado à imprensa americana pelo governo que a administração de Joe Biden está finalizando os estudos legais para fornecer baterias de defesa aérea Patriot aos ucranianos. Trata-se de um passo complexo, porque elas são de difícil manejo, o que sugere que uma entrega rápida viria com operadores ocidentais —trazendo a Otan, a aliança militar liderada por Washington, para a guerra de fato, o que implica risco de escalada enorme.

Além disso, há poucos Patriot disponíveis entre aliados ocidentais, e sua operação é cara. Parece fazer mais sentido buscar mais mísseis para usar nos sistemas antiaéreos soviéticos S-300 que a Ucrânia opera, dos quais ao menos 36 já foram destruídos, de acordo com o site de monitoramento holandês Oryx.

Os generais afirmam que a defesa aérea é o ponto central agora, mas não só. "Preciso de 300 tanques", disse Zalujni. A Ucrânia tinha, antes da invasão, 987 desses blindados. Segundo o Oryx, que só usa dados públicos verificáveis, Kiev já perdeu 435 tanques, incluindo alguns dos 230 repassados pela Polônia.

O quadro difícil não altera o discurso oficial. Zelenski disse à Economist que mantém sua posição de apenas negociar com a Rússia se todas as áreas ocupadas do seu país forem liberadas. O nó dessa assertiva é que ele inclui aí a Crimeia, anexada em 2014, e as áreas do Donbass sob controle russo desde aquele ano, na esteira da guerra civil que se seguiu à derrubada de um governo pró-Moscou em Kiev.

No último dia 5, em meio ao esforço americano para tentar abrir canais de negociação, o secretário de Estado, Antony Blinken, afirmou que as conversas deveriam começar assim que a Rússia tirasse seus soldados das áreas que ocupou a partir de 24 de fevereiro —ou seja, excluindo as áreas russófonas sob controle de Moscou desde 2014 da precondição.

No campo, a madrugada de quinta foi marcada por ataques trocados pelos dois lados em Donetsk, uma das províncias do Donbass. Kiev fez o maior ataque com foguetes contra a capital homônima da região, sob controle russo desde 2014. Moscou, por sua vez, avançou na região de Bakhmut.

Houve também uma grande explosão na cidade russa de Kursk, cuja base aérea havia sido atacada pela Ucrânia na semana passada, mas sua natureza não foi esclarecida: um assessor de Zelenski fala em um ataque com drone, sem assumi-lo, e o governo local disse que foi ação de defesa aérea.

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