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Cristina Kirchner é condenada por corrupção a 6 anos de prisão, mas não irá presa agora

Tribunal considera vice-presidente culpada em esquema de desvio de verbas e determina perda de direitos políticos; política diz que não concorrerá em eleição

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Buenos Aires

A Justiça da Argentina condenou, nesta terça-feira (6), a vice-presidente Cristina Kirchner por corrupção. A política foi considerada culpada de administração fraudulenta na ação que ficou conhecida como "Causa Vialidad", a que estava em estágio mais avançado entre as que a envolvem.

A pena foi fixada em 6 anos de prisão, com inabilitação perpétua para exercer cargos públicos. Ela foi inocentada do delito de associação criminosa. Ainda cabe recurso à decisão.

A vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner, em entrevista à Folha em Buenos Aires - Marlene Bergamo - 1º.dez.22/Folhapress

O Ministério Público Fiscal acusava Cristina de ter liderado uma "extraordinária matriz de corrupção", armando e administrando, ao lado de outros 12 réus, um esquema de desvio de verbas na forma de concessões de obras públicas na província de Santa Cruz à empresa de um amigo da família Kirchner, Lázaro Báez —que também foi condenado a 6 anos de prisão.

Em agosto, a acusação conduzida pelos promotores Diego Luciani e Sergio Mola havia pedido 12 anos de prisão à vice-presidente, que ela fosse impedida de concorrer a cargos públicos para o resto da vida e que devolvesse aos cofres públicos 5,3 bilhões de pesos (R$ 200 milhões).

Cristina nega irregularidades no período em que ocupou a Presidência —a acusação se refere ainda ao mandato de seu marido e antecessor, Néstor (1950-2010), que também foi governador de Santa Cruz. Ela afirma que é vítima de "lawfare", quando o Judiciário persegue um investigado por razões políticas, e sustenta que a condenação estava escrita desde o início do processo.

Em entrevista à Folha publicada no domingo (4), ela comparou sua situação à do brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que teve as condenações dadas por Sergio Moro na Operação Lava Jato anuladas por, entre outras razões técnicas, a parcialidade do ex-juiz.

Nesta terça, após a condenação, ela fez um pronunciamento de mais de uma hora em uma transmissão ao vivo nas redes sociais, na qual voltou a atacar o Judiciário e a imprensa. "Essa condenação é fruto de 'lawfare', de uma ação do Partido Judicial, da máfia do Estado paralelo", disse.

A condenação desta terça, de todo modo, não significa que Cristina será presa em breve. Pelos cargos que ocupa —além de vice-presidente ela é líder do Senado—, a política possui foro especial, que só é passível de ser derrubado mediante um processo de impeachment no Parlamento. Ainda assim, isso se daria só quando fossem esgotadas todas as instâncias de apelação, sendo a Corte Suprema a última delas.

Seu mandato termina em dezembro de 2023, mesmo ano em que ela completa 70 anos, idade pela qual poderia pleitear uma prisão domiciliar. No pronunciamento que deu após a condenação, em um provável jogo de cena, Cristina disse que não será candidata a nenhum cargo no pleito do ano que vem —caso fosse eleita, renovaria sua imunidade.

Por enquanto, sua força política, a aliança peronista Frente de Todos, não definiu quem concorrerá à sucessão de Alberto Fernández, mas a atual vice é uma das cotadas, ao lado do próprio presidente, do ministro do Interior, Wado de Pedro, e do governador da província de Buenos Aires, Axel Kiciloff. As primárias para essa votação devem ocorrer em agosto de 2023.

"A verdadeira condenação que eles querem é que eu não concorra mais a eleições ou que eu morra com um tiro na cabeça. A estes, digo que prefiro ir presa", afirmou.

Cristina e Fernández vivem uma série de atritos ao longo do mandato, em uma constante busca de poder. Na véspera do veredicto, o presidente deu uma demonstração de apoio à vice ao promover um cerco ao Judiciário, ordenando a abertura de uma investigação sobre uma suposta viagem que teria sido feita secretamente por um grupo de empresários, promotores e juízes —entre os quais Julián Ercolini, que participou da condução do processo contra a política.

A política citou a fala de Fernández em sua live, na qual mostrou diversas reproduções de conversas, sem citar a origem dela, que seriam dos envolvidos na viagem.

A gestão peronista está mergulhada em crise, com a inflação se aproximando da taxa de 100% ao ano, o que impacta diretamente nas baixas taxas de popularidade do presidente. Cristina, por sua vez, ainda se mostra capaz de mobilizar multidões —como visto nos dias seguintes a uma tentativa de atentado contra ela no início de setembro, após o pedido de prisão nessa mesma ação.

Também nesta terça apoiadores se uniram em defesa da vice-presidente na frente do Senado e no tribunal de Comodoro Py. Com tambores, bandeiras e camisetas com a imagem de Cristina, gritavam: "Na chefe não se toca! Se tocam em Cristina, tocam em todo mundo". O calor de 34°C, porém, impediu presença maior de manifestantes.

No momento em que a sentença foi lida, os apoiadores começaram a gritar e a balançar as grades de metal que estavam cercando a entrada do tribunal desde a noite de segunda. Ainda assim, não houve registro de confrontos.

O julgamento, de um caso que durou três anos e meio, teve sua última sessão realizada a distância. Na corte estavam apenas os juízes; Cristina e os demais acusados, bem como os promotores, participaram da sessão por videoconferência.

Lázaro Báez, figura-chave no suposto esquema, já havia sido condenado antes, em outro processo por corrupção, e cumpre pena de 7 anos. Ele é acusado em uma terceira ação, ainda em andamento, que acusa Cristina de usar imóveis da família Kirchner na Patagônia, incluindo hotéis, para lavar dinheiro —os filhos da política, Florencia e o deputado Máximo, também são acusados.

Além de Cristina e Báez, foram considerados culpados o ex-secretário José López (6 anos), o ex-presidente do órgão que administra rodovias no país Nelson Pieriotti (6 anos), e outros cinco réus, a penas que variam de 3,5 a 5 anos. Foram absolvidos o ex-ministro Julio de Vido e outros três réus.

Esta é a segunda vez que um vice-presidente argentino é condenado. O anterior tinha sido o companheiro de chapa da própria Cristina, Amado Boudou, em 2018.

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