Descrição de chapéu

Nova presidente do Peru terá que fazer valer seu currículo para conter espiral decadente

Com elite política em frangalhos, país consegue reagir a autogolpe aloprado de Pedro Castillo

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Carol Pires

Há pelo menos cinco anos a política peruana vive uma espiral decadente, que chegou ao seu ponto mais baixo nesta quarta-feira (7), com uma tentativa aloprada de autogolpe do presidente Pedro Castillo.

Num movimento muito mal-ajambrado, o político mandou dissolver o Congresso e decretou um estado de emergência. Faltou combinar com todo mundo. Sem apoio, Castillo foi destituído poucas horas depois, pelo mesmo Congresso que tentou dissolver, com 101 votos (quando eram necessários 87).

A destituição confirma a tendência lançada pelo Brasil de cortar pela raiz planos golpistas de populistas latino-americanos. O agora ex-presidente acabou detido pela polícia; seria um agouro de que os golpistas do Brasil terão o mesmo destino?

Foto divulgada pela Justiça peruana mostra o presidente destituído Pedro Castillo conversando com procuradores após ser detido em Lima - Divulgação Justiça do Peru - 7.dez.22/AFP

A nova presidente, Dina Boluarte, primeira mulher a ocupar o cargo, foi uma das primeiras lideranças a desautorizar o autogolpe de Castillo. Formada em direito, tem diversas especializações em direito e gestão pública e trabalhou como conciliadora extrajudicial —currículo que vem a calhar para um país que precisa urgentemente de uma pacificação política.

O Peru está há tempos em convulsão política. Analistas já previam, então, que o presidente eleito em 2021 —fosse quem fosse— seria o mais fraco da história recente do país, por múltiplas razões. O contexto era de crise econômica, com recessão e queda de 13% no PIB em relação ao ano anterior (pior índice na região depois da Venezuela), e de crise sanitária, com a taxa de mortalidade da Covid três vezes pior que a do Brasil.

O pleito de 2021 escolheria o quinto presidente em cinco anos, já que Pedro Paulo Kuczynski e Martín Vizcarra renunciaram ao terem processos de impeachment abertos contra eles.

A elite política estava —e ainda está— em frangalhos desde que a Lava Jato tocou em solo peruano. Os ex-presidentes Alejandro Toledo (2001-2006), Ollanta Humala (2011-2016) e PPK (2016-2018) chegaram a ser presos por acusações de corrupção envolvendo a Odebrecht.

O primeiro foi solto sob fiança e vive nos EUA, os outros dois cumprem prisão domiciliar. Alan García, presidente por duas vezes (1985-1990 e 2006-2011), se matou quando a polícia anunciou sua prisão.

A eleição de 2021, portanto, já configurava um dos pontos mais baixos da democracia peruana. Eram 18 candidatos disputando a Presidência, e nenhum conseguiu se consolidar como escolha ideal. O segundo turno, então, desenhou o pior cenário possível, opondo Keiko Fujimori, filha do ditador Alberto Fujimori (1990-2000), a Castillo, professor e líder sindical populista que agora se confirma como ditador ele próprio.

Ele passou ao segundo turno com 18% dos votos e terminou eleito por margem pequena (50,1%, contra 49,9%) porque a adversária foi vista naquele momento como um mal maior.

Além de representar o risco do fechamento do Congresso —como fizera seu pai—, Keiko ecoava o trumpismo que, no Brasil, produziu Jair Bolsonaro (PL). Também estava obcecada em denunciar fraudes eleitorais, sem quaisquer evidências, e em ignorar os benefícios da quarentena durante a pandemia, apesar das muitas evidências.

Keiko ainda é acusada de comandar uma organização criminosa de doações ilegais para campanhas eleitorais e já tinha sido presa e liberada três vezes durante o processo. Representava, sobretudo, a elite política desacreditada.

Castillo, no entanto, também dava sinais bem claros de golpismo. Sem nenhuma experiência institucional e ultraconservador —apesar de ter sido etiquetado como de esquerda, por se opor à candidata direitista—, ele já tinha falado abertamente em dissolver o Congresso.

"Eu não vou fechar [o Parlamento], a própria população vai. Tudo estará com o povo. Se o povo nos der o poder, nós o faremos. Espero que dessa vez seja um Congresso diferente e pense no povo antes de pensar nos seus interesses", disse ainda na campanha, quando questionado sobre a possibilidade de o Legislativo não se colocar de acordo com ele.

Essa, sim, era uma escolha muito difícil.

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