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Tyson Brody

Por que mentiras de George Santos não foram expostas antes pelos democratas

Deputado eleito em Nova York parece ter mentido sobre grande parte de seu currículo; como algo assim passou despercebido?

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Tyson Brody
The New York Times

Uma das piores coisas que pode acontecer a um político é alguém escrever sobre ele no jornal. Exemplo mais recente: na segunda-feira (19) o New York Times publicou que o deputado eleito George Santos parecia ter mentido sobre partes enormes de seu currículo.

O deputado eleito por Nova York George Santos - Scott Olsen - 19.nov.22/AFP

Santos, que deve tomar posse em janeiro para representar um distrito de Nova York que inclui partes de Long Island e Queens, parece ter mentido sobre sua educação, seu histórico de emprego e a operação de uma ONG beneficente de resgate de animais. Falou no Twitter sobre ser locador de imóveis, mas não parece possuir imóveis em Nova York ou no condado de Nassau, segundo pesquisas do NYT de registros de imóveis e extratos financeiros. Santos chegou a alegar que quatro de seus funcionários morreram no massacre na boate Pulse, em Orlando, Flórida, mas jornalistas do NYT não conseguiram encontrar qualquer ligação pública entre qualquer das vítimas do massacre e as empresas informadas. Seu advogado disse que os jornalistas "estão tentando sujar seu nome com essas alegações difamatórias".

Esse padrão de mentira aparente levanta questionamentos sérios sobre como ele de repente adquiriu dinheiro suficiente para financiar sua própria campanha política.

Mas a pergunta ainda maior é a seguinte: como se explica que ninguém tenha atinado para nada disso antes? Será que ninguém fez pesquisa de oposição sobre esse sujeito? Jornalistas não o investigaram antes da eleição? O que aconteceu aqui?

Provavelmente será impossível determinar definitivamente. Mas minha resposta é que, se você olhar com atenção, democratas de fato fizeram as linhas gerais dessa pesquisa —só não fizeram o suficiente para o quadro completo aparecer. No final, passou despercebido de muita gente o relato mais importante sobre o deputado eleito: que ele pode ser um fabulista serial. Em vez disso, os democratas destacaram uma história diferente sobre Santos, por razões que fazem muito sentido.

Vou colocar minhas cartas na mesa: não estive envolvido nesta eleição nem fiz trabalho político em nenhum nível em Nova York neste último ciclo eleitoral. Mas tenho mais de 12 anos de experiência de fazer pesquisa de oposição para democratas. Logo, acho que estou qualificado para propor uma resposta.

Examinemos o processo da pesquisa de oposição. Um pesquisador júnior é encarregado de redigir um "livro": um relatório abrangente apresentando um amplo leque de ataques de pesquisa de oposição a um dado adversário. No passo seguinte, um pesquisador sênior revisa e edita o livro. Como o candidato democrata só foi escolhido em 23 de agosto, num distrito em que os democratas venceram sem dificuldade em 2020, é provável que esse processo tenha sido iniciado tarde e realizado às pressas.

Pense naquela organização sem fins lucrativos de resgate de animais, que não teria sido registrada como instituição de caridade. Como foi que George Santos fez isso e ninguém percebeu? Não foi bem isso que aconteceu. Temos uma cópia do livro de investigação do Comitê Congressional de Campanha Democrata (DCCC, na sigla em inglês) sobre Santos, burilado para consumo público e postado online em agosto. E lá está: a ONG de Santos consta num banco de dados da Receita americana como não tendo sido localizada.

Estão documentados também os despejos nos anos 2010 e os casos de finanças pessoais não declaradas que aparecem na reportagem do NYT. Estão em pequenas seções intercaladas ao longo de um documento de quase 90 páginas, mas estão ali. Talvez, se houvesse mais tempo, os pesquisadores pudessem ter feito mais para confirmar a falta de registros públicos da ONG ou poderiam ter contatado os proprietários dos imóveis alugados por Santos.

O que dizer sobre Santos aparentemente haver mentido sobre seus empregadores e seus estudos? O NYT noticiou que o Baruch College não conseguiu confirmar que Santos se formou no ano que ele alegou, e empresas que ele citou em seu currículo, como Goldman Sachs e Citigroup, não encontraram qualquer registro de que ele tenha sido empregado por elas. A pesquisa de oposição frequentemente é a arte obscura de realizar buscas em bancos de dados e então copiar e colar informações, para o pesquisador poder redigir material para repórteres.

Você ficaria chocado ao descobrir quanta coisa alguém de 20 anos com tempo e orientação suficiente é capaz de descobrir sobre uma pessoa. Mas pesquisadores de oposição não são investigadores particulares, e é útil pensar em suas fontes. Enquanto realiza seu trabalho, um pesquisador pode notar que não há uma única evidência que comprove o histórico de um candidato, tirando o que ele próprio diz.

Sendo assim, como verificar a autenticidade do que ele diz? Existem fontes como anuários de escolas e faculdades e serviços usados por empregadores para checar informações sobre os estudos de candidatos a emprego. Ou você sempre pode experimentar perguntar educadamente. Empregadores e universidades não são obrigados a compartilhar essa informação com qualquer pessoa que os procurar, incluindo uma pessoa qualquer fazendo pesquisa política (se bem que, vale a pena destacar, as chances de você conseguir uma resposta, se perguntar, são melhores do que você talvez imagine). Outra solução é pedir encarecidamente a repórteres de jornais para fazerem essas perguntas e torcer para que a reputação do jornal deles obrigue as pessoas a darem uma resposta.

O que aconteceu com George Santos foi que repórteres fizeram perguntas, enquanto empregadores e escolas falaram com o New York Times. Não sabemos se alguém mais tentou antes até esse ponto. Esta história demonstra, sem dúvida, por que pesquisadores —e jornalistas— devem verificar mesmo as declarações menos importantes de candidatos.

Voltemos ao processo de pesquisa: quando o livro fica pronto, membros da equipe de comunicações, funcionários e consultores de campanha são informados sobre os melhores trechos que os pesquisadores puderam encontrar para levar aos repórteres e para fins de propaganda. Podemos ver um resultado desses briefings num release do DCCC que caracterizou George Santos como "figura suspeita de Wall Street". Especificamente, o release destaca a ausência da organização sem fins lucrativos do banco de dados da Receita americana e suas finanças pessoais antes não declaradas. Não é a reportagem exata, mas meses atrás um agente democrata já havia descrito Santos como "não confiável".

Então o que aconteceu? Provavelmente o departamento de pesquisas do DCCC passou para o projeto seguinte. Este ano, como ocorre de dois em dois anos, democratas disputaram centenas de vagas na Câmara. O funcionário júnior da equipe pode ter sido transferido para um cargo numa divisão tecnicamente distinta e pode ter sido legalmente impossibilitado de comunicar-se com seus antigos colegas. É assim que algumas investigações acabam nunca passando a etapa de ser arquivos em PDF.

Mas ouso sugerir que o resto da pesquisa democrata preparada é bastante convincente. Santos disse que esteve no parque Ellipse no comício "Stop the Steal" em Washington, afirmou em vídeo captado por rastreadores que ajudou a pagar honorários de advogados dos participantes da invasão do Capitólio e disse que é a favor de uma proibição nacional do aborto. São coisas pesadas. Tudo isso somado à pauta republicana habitual, politicamente tóxica, de reduzir os impostos sobre os ricos e promover algum tipo de privatização parcial da seguridade social.

Ainda estamos esperando os dados finais, mas é provável que nesse distrito de Nova York os republicanos tenham sido os vencedores na disputa por governador e senador. E isso apesar de o senador Chuck Schumer ter gasto US$ 41 milhões, enquanto seu adversário desembolsou US$ 545 mil em todo o estado. É possível que um ataque mais forte a Santos, identificando-o como possível embusteiro, tivesse permitido que seu adversário democrata escapasse de tal gravidade.

Poderiam o adversário de Santos e agentes democratas ter investigado essa história com mais afinco e descoberto muito mais? Posso imaginar por que isso não aconteceu: estamos falando do que parece ter sido um currículo enfeitado, despejos e responsabilidades legais em aberto. Esse tipo de coisa nem sempre é chocante na política, vista isoladamente. O que é altamente incomum no caso de George Santos é a extensão de suas declarações aparentemente falsas.

A mensagem que os democratas escolheram em vez disso passou batida em Nova York, mas levou o partido a um ciclo de midterms historicamente forte em termos nacionais. Quando a única coisa da qual você não pode ter mais numa campanha é tempo, sobre o que vai passar seu tempo falando?

Tradução de Clara Allain

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