Descrição de chapéu Diplomacia Brasileira

Quem é Mauro Vieira, que assume Itamaraty no novo governo Lula

Próximo chanceler é experiente e tem bom trânsito no Congresso, mas é visto como retrocesso por alas mais progressistas da pasta

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Petrópolis (RJ)

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) confirmou nesta sexta-feira (9), em um evento em Brasília para antecipar cinco ministros do futuro governo, a indicação de Mauro Vieira para o Itamaraty.

Apadrinhado de Celso Amorim, principal referência do PT nas relações exteriores, o nome de Vieira vinha crescendo nas cotações para a vaga nas últimas semanas. Assim, o diplomata retoma o cargo que ocupou em 2015 e 2016, no segundo mandato de Dilma Rousseff (PT).

Se naquela época o Ministério das Relações Exteriores vivia um momento crítico, de problemas de orçamento e insatisfação dos diplomatas, o contexto que Vieira encara hoje é ainda mais desafiador.

Mauro Vieira, então ministro das Relações Exteriores, espera no Palácio do Alvorada a chegada do chanceler francês à época, Laurent Fabius
Mauro Vieira, então ministro das Relações Exteriores, espera no Palácio do Alvorada a chegada do chanceler francês à época, Laurent Fabius - Alan Marques - 22.nov.15/Folhapress

Ele terá como missão, ao lado de Lula, restaurar a imagem internacional do Brasil, rebaixado à condição de pária durante o governo de Jair Bolsonaro, em razão principalmente dos retrocessos no ambiente, da guinada ultraconservadora promovida pelo ex-chanceler Ernesto Araújo e de atitudes do presidente e seus filhos —como a "solidariedade" a Vladimir Putin em uma visita à Rússia dias antes do início da Guerra da Ucrânia, uma ofensa a Brigitte Macron, primeira-dama da França, e altercações nas redes sociais com a diplomacia de Pequim.

Isso em meio a um cenário geopolítico cada dia mais complexo, em que um conflito militar se desenrola no território europeu, com impactos sociais e econômicos em escala global, e as tensões entre China e Estados Unidos se intensificam.

A capacidade de Vieira de fazer frente a essa conjuntura divide opiniões no meio diplomático. Roberto Abdenur, com 45 anos de carreira na área, afirma que, por ser um "diplomata de qualidade", ele é uma "ótima solução para o Itamaraty". Citando as credenciais do novo chanceler —Vieira serviu nos três mais importantes postos da carreira, as embaixadas de Washington e de Buenos Aires e na ONU, em Nova York—, Abdenur diz que ele conseguirá ajudar a reconstruir a reputação brasileira depois do que descreve como uma gestão quase destrutiva da pasta nos últimos quatro anos.

"Havia duas teorias sobre como e quando o Brasil poderia resgatar sua credibilidade. Uma delas dizia que isso levaria anos. Acho que podemos dar a volta por cima rapidamente. E isso já começou", afirmou Abdenur, que também é consultor do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).

Vieira, de todo modo, não estará sozinho. Amorim é cotado para a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), na qual seguiria como principal referência do PT nas relações exteriores, sem o desgaste de viagens internacionais e negociações cotidianas de um chanceler.

O próprio Lula se comprometeu a fazer uma série de visitas, exercendo uma diplomacia em nível presidencial que alguns especialistas dizem ser necessária para a volta do Brasil ao xadrez internacional. "Com esse trio —Lula em cima, Celso no meio e Mauro no Itamaraty—, a recuperação da respeitabilidade do Brasil está garantida", afirma Abdenur.

Dawisson Belém Lopes, professor de política internacional da UFMG e pesquisador visitante em Oxford, diz que a sinergia entre os três ajudou a guiar a escolha. Na avaliação dele, a formulação da política externa caberá na prática a Lula e Amorim, enquanto Vieira, de perfil mais discreto, será responsável por organizar a pasta "da porta para dentro".

Alguns setores, porém, se dizem frustrados com a indicação. Diplomatas ouvidos pela Folha sob condição de anonimato disseram que a escolha representa um retorno ao Itamaraty do passado, que pode até ter alcançado uma posição de renome há 15 anos, mas se distanciou da agenda cada vez mais dinâmica das relações internacionais —em que representatividade, ciência e tecnologia ganham espaço.

Segundo esse grupo, o chanceler ideal seria uma mulher. Isso não só sinalizaria ao exterior uma busca por renovação, potencializando o "soft power" brasileiro, como poderia fortalecer o ministério, que vinha perdendo espaço na formulação da política externa desde antes da gestão Bolsonaro.

Monique Sochaczewski, historiadora e professora do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa), vê a indicação como a perda de uma janela de oportunidade. "Parece ser mais do mesmo, e me pergunto se é isso de que precisamos em 2022."

Ela lembra que o posto de chanceler não é o único na diplomacia que nunca foi ocupado por uma mulher no país —o Itamaraty nunca teve uma representante feminina em sua Secretaria-Geral, segundo cargo na hierarquia, ou em embaixadas importantes como Washington e Buenos Aires. Nesse sentido, a pesquisadora diz que a perspectiva de a embaixadora Maria Laura da Rocha se tornar secretária-geral seria bem-vinda.

Belém Lopes afirma que, embora o futuro governo Lula indique reconhecer a legitimidade da causa, tem adotado um olhar mais holístico na busca por diversidade. "Eles querem mais mulheres na chefia, mas considerando o conjunto dos ministérios, não só o Itamaraty."

Há ainda críticas ao perfil de Vieira. Considerado um bom diplomata de bastidor, ele tem experiência política, ampla rede de contatos e bom trânsito no Congresso —trabalhou nos ministérios de Ciência e Tecnologia e da Previdência e na Secretaria-Geral do Itamaraty, responsável pela relação da pasta com o resto da Esplanada. Também é visto como leal por parte do PT, tendo mantido contato com interlocutores de Lula durante o período em que o hoje presidente eleito estava preso em Curitiba.

No entanto, seu período à frente da pasta foi marcado por poucas viagens internacionais e certo desinteresse da gestão como um todo em política externa, em comparação com os anos Lula —possível consequência do próprio distanciamento da então presidente Dilma quanto ao tema.

O saldo dos quase cinco anos em que esteve em Washington também não foi visto inteiramente como positivo, deixando a imagem de que Vieira não tinha a diplomacia comercial como forte e evitava o confronto, mesmo em temas caros ao Brasil como o escândalo da espionagem americana de autoridades do país e o contencioso do algodão.

O diplomata também não é conhecido pelas convicções políticas —é próximo de nomes considerados problemáticos no Itamaraty, como o bolsonarista Luís Fernando Serra, ex-embaixador na França que criticou Lula publicamente, de quem ele é compadre. Ainda assim, sofreu represália por sua associação ao PT no governo Bolsonaro, que o retirou do comando da missão na ONU e o enviou à embaixada brasileira na Croácia, um posto visto como inferior.


Raio-x | Mauro Vieira, 71

Formado em direito, ingressou no Itamaraty em 1973 e foi embaixador nos três principais postos da carreira diplomática: Buenos Aires (2004-2010), Washington (2010-2014) e ONU, em Nova York (2016-2019). Chefiou o Ministério das Relações Exteriores entre 2015 e 2016, no segundo mandato de Dilma Rousseff (PT), até o impeachment da presidente. Desde 2019 era embaixador na Croácia.

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