Acordo de Paris, que encaminhou fim da Guerra do Vietnã, completa 50 anos

Armistício que determinava cessar-fogo e retirada de tropas dos EUA rendeu Nobel da Paz, mas conflito perduraria por 2 anos

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São Paulo

Foi uma reunião tensa, com poucas palavras e atmosfera lúgubre. Mas desse caldo saiu um armistício pelo qual delegações dos Estados Unidos e dos Vietnãs do Sul e do Norte pretendiam encerrar o conflito que se tornaria o maior calcanhar de Aquiles da história militar americana.

O Acordo de Paz de Paris, assinado em 27 de janeiro de 1973, há 50 anos, determinava a retirada das tropas dos EUA da Guerra do Vietnã, depois de quase duas décadas de bombardeios e mais de 1 milhão de mortes.

A líder do Vietnã comunista Nguyen Thi Binh assina Acordo de Paz de Paris, em janeiro de 1973
A líder do Vietnã comunista Nguyen Thi Binh assina Acordo de Paz de Paris, em janeiro de 1973 - VNS - 27.jan.1973/Reuters

As negociações de paz vinham acontecendo desde 1968, ainda que de forma lenta e com iniciativas quase sempre partindo de Washington. Em janeiro daquele ano, os esforços para a trégua foram intensificados após a chamada Ofensiva do Tet, que consistia em ataques coordenados do Vietnã do Norte, comunista, apoiado pela União Soviética, contra posições sul-vietnamitas e americanas.

A estratégia, que se revelaria decisiva para os rumos da guerra, provocou milhares de baixas nas Forças Armadas dos EUA. O número de vítimas total da guerra é incerto: sabe-se que pelo menos 1,1 milhão de vietnamitas foram mortos, mas estimativas apontam que o número real pode chegar a 3 milhões; do lado americano, foram 58 mil.

No contexto da ofensiva, crescia a pressão pública em Washington contra o conflito, acelerando a tentativa de firmar um cessar-fogo. "Em 1973, os EUA tinham chegado ao esgotamento militar no conflito. Não havia mais qualquer viabilidade técnica para que os americanos vencessem a guerra", diz Leonardo Trevisan, professor de relações internacionais da PUC-SP.

Um dos arquitetos do acordo, o então secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger, chegou a dizer a senadores num encontro a portas fechadas que as tropas do país não voltariam ao que chamou de "atoleiro vietnamita", numa referência aos reveses americanos no front.

O Norte acabou aceitando negociar depois de pressão da China, como lembra Gunther Rudzit, especialista em segurança internacional e professor de relações internacionais da ESPM. O movimento de Pequim se deu após o regime receber o compromisso americano de reconhecer a liderança comunista —que havia expulsado os nacionalistas para Taiwan após a Guerra Civil— como única a legítima no país.

"Os americanos decidiram referendar a Republica Popular da China porque queriam afastá-la da União Soviética. Foi uma jogada de mestre no tabuleiro global", diz Rudzit. "E a China ganhou reconhecimento. Em 1971, o país passou a ter assento permanente no Conselho de Segurança da ONU."

O tratado assinado em Paris estabeleceu que os EUA retirariam em até dois meses os militares do Vietnã —as forças americanas chegaram a somar 540 mil soldados simultâneos na região. Acordou-se ainda uma troca de prisioneiros, num processo supervisionado por forças de Canadá, Polônia, Hungria e Indonésia, e um cessar-fogo, que não chegou a ser implementado na prática.

Bombas foram lançadas pelos americanos logo após a assinatura do pacto, segundo Trevisan. "Era uma guerra caótica, muito difícil. As forças americanas recebiam ordens contraditórias e desconectadas." Então, forças norte-vietnamitas aproveitaram-se da falta do apoio dos EUA aos sul-vietnamitas e avançaram.

Ao fim, o professor avalia que o armistício acabou sendo positivo para os EUA e para o Vietnã do Norte. O grande perdedor, diz, foi o Vietnã do Sul. "Os americanos conseguiram sair do conflito de forma minimamente acordada, com um acerto de paz previsto. E o Norte iniciou uma tarefa efetiva de conquista, de certa forma autorizada", afirma Trevisan.

Os artífices do acordo —Kissinger e Le Duc Tho, chefe do Comitê Central do Partido Comunista do Vietnã— venceram o Nobel da Paz daquele 1973, em uma decisão controversa a ponto de o vietnamita recusar a láurea. No dia 28 de março, após a assinatura do acordo, a manchete da Folha cravava: "Após a paz, a dúvida". E, com efeito, o conflito perduraria, com mais ao menos 50 mil mortes em um ano.

Os únicos militares americanos que permaneceram no Vietnã do Sul após o acordo foram os cerca de 150 fuzileiros que guardavam a embaixada em Saigon, além de alguns oficiais do escritório do adido militar.

Mas só em 30 de abril de 1975 os vietcongues enfim tomaram Saigon, a atual Ho Chi Minh, encerrando de vez o conflito —são desse mesmo dia alguns dos registros mais marcantes da guerra, com uma fila de pessoas tentando fugir de helicóptero da embaixada americana.

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