Aliados não se acertam, e Ucrânia segue sem tanques alemães contra a Rússia

Berlim resiste a incluir Leopard-2 em novo pacote de armas; EUA acham 'muito difícil' expulsar russos neste ano

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São Paulo

Os países que apoiam o esforço de guerra da Ucrânia contra a invasão russa, liderados pela Otan, a aliança militar do Ocidente, não chegaram a uma conclusão sobre o envio de tanques para Kiev em uma muito antecipada reunião ocorrida na Alemanha nesta sexta-feira (20).

O balde de água fria veio do novo ministro da Defesa alemão, Boris Pistorius, o dono da chave que pode abrir a porta para o fornecimento do modelo desse tipo de blindado mais usado na Europa, o Leopard-2. Tecnicamente, operadores do tanque germânico têm de pedir permissão a Berlim para exportá-los.

Observados pelo secretário americano Lloyd Austin (Defesa), os ministros Pistorius (esq.) e Reznikov (dir.) conversam no encontro realizado na base de Ramstein
Observados pelo secretário americano Lloyd Austin (Defesa), os ministros Pistorius (esq.) e Reznikov (dir.) conversam no encontro realizado na base de Ramstein - Andre Pain/AFP

"Há bons motivos a favor e contra as entregas, e tendo em vista a situação global de uma guerra que já dura quase um ano, todos os prós e contras têm de ser pesados cuidadosamente", afirmou Pistorius, para horror de outros ministros reunidos na principal base americana na Alemanha, em Ramstein.

Ele disse que defesa antiáerea, como as baterias Patriot que Berlim, Washington e Amsterdã se comprometeram a enviar, é a prioridade do momento. Tudo indica que os alemães seguem evitando provocar os russos, por temer uma escalada no conflito que possa levar a uma Terceira Guerra Mundial —a dependência energética, motivo da cautela anterior, já foi praticamente cortada.

Participaram autoridades dos 30 países da Otan, dos dois candidatos a entrar na aliança, Finlândia e Suécia, e de outras nações aliadas. Antes, ministros fizeram pedidos explícitos para que Berlim cedesse.

Eles ouviram, por vídeo, o líder ucraniano, Volodimir Zelenski, implorar. "A guerra não permite atrasos. Posso agradecer centenas de vezes, mas centenas de obrigados não são centenas de tanques. O tempo precisa ser nossa arma comum." Presente, seu ministro da Defesa, Oleksii Reznikov, repetiu o apelo.

Já o secretário-geral da Otan, o norueguês Jens Stoltenberg, dourou a pílula. "Temos de lembrar não só de focar novas plataformas, mas assegurar que todas as que já estão lá sigam funcionando", disse à Reuters.

Depois da reunião, o secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, afirmou que as negociações para liberar os Leopard-2 continuariam e que a Alemanha era uma "parceira confiável". Seu colega polonês, Mariusz Blaszczak, foi na mesma linha.

Zelenski, por sua vez, divulgou um vídeo dizendo que "nós ainda teremos de lutar para receber tanques modernos, mas cada dia fica mais óbvio que não há alternativa sobre essa decisão".

Ao longo da guerra, o temor de escalada e as limitações de arsenais próprios têm ditado o tamanho do apoio a Kiev, que já cresceu muito. Aviões de caça, por exemplo, são tabu ainda maior do que os tanques —a Otan vetou a transferência de MiG-29 poloneses, por exemplo.

A montanha em Ramstein, contudo, não chegou a parir apenas o rato da frustração de Kiev. Onze países apresentaram sua colaboração para um novo megapacote de ajuda militar, com armamentos que poderão fazer a diferença no campo de batalha.

A mais vistosa ajuda virá dos EUA, que com mais US$ 2,5 bilhões (R$ 13 bilhões) em armas chega no total a US$ 26,7 bilhões (R$ 140 bilhões) de apoio militar desde o começo da guerra —o maior no planeta, quase sete vezes o orçamento de defesa ucraniano de 2021. O pacote americano inclui 59 veículos blindados de infantaria Bradley, 90 blindados leves Stryker e 18 obuseiros autopropulsados Paladin —que farão companhia a um número incerto do mesmo tipo de armamento Archer, doado pela Suécia.

A França designou um número ainda incerto de tanques leves AMX. Nesta sexta, o presidente Emmanuel Macron afirmou numa base em seu país que o orçamento de defesa francês subirá quase 30% a partir de 2024, para quase US$ 75 bilhões (R$ 390 bilhões).

A Finlândia, por sua vez, anunciou US$ 434 milhões (R$ 2,2 bilhões) em ajuda militar, mas ficou só na intenção de enviar alguns de seus 200 Leopard-2, cem dos quais em estoque. O tanque é usado por 12 nações europeias, com uma frota de cerca de 2.300 unidades.

Por ora, o Reino Unido segue sozinho na promessa de enviar tanques: 14 modelos Challenger-2 deverão chegar à Ucrânia em algum momento, nada que fará diferença no balanço da guerra. Especialistas do IISS (sigla inglesa para Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, de Londres) dizem que ao menos cem desses veículos são necessários para impactar o conflito. Zelenski queria 300.

Antes da guerra, segundo o anuário Balanço Militar, do IISS, Kiev tinha 987 tanques, a maioria dos quais modelos soviéticos T-64 com graus diversos de modernização. Após o início do conflito, recebeu 230 T-72 soviéticos da vizinha Polônia, o mais beligerante membro do Leste Europeu da Otan. Até quinta-feira (19), havia perdido 449 tanques na guerra, de acordo com o site de monitoramento Oryx.

O foco dos ucranianos é segurar o avanço russo no leste, que tem sido lento mas constante. Nesta sexta, Moscou anunciou a captura de Klischiivka, cidade vizinha a Bakhmut, centro da ofensiva em Donetsk —a menos controlada pelos russos das quatro que Vladimir Putin anexou ilegalmente em setembro.

Comentando a posição militar ucraniana em Ramstein, o chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas dos EUA, general Mark Milley disse que será "muito, muito difícil retirar os russos militarmente" das áreas ocupadas ainda neste ano e que ele acredita que a guerra acabará em uma mesa de negociações. Também afirmou a Kiev para aguardar as novas armas antes de mais grandes ofensivas.

A reação russa ao encontro alemão foi previsível. Após uma reunião do Conselho de Segurança liderado por Putin, o Kremlin disse que o eventual envio de tanques "não irá mudar nada fundamentalmente".

"Estamos vendo um crescimento indireto, e às vezes direto, do envolvimento de países da Otan no conflito. Vemos uma devoção à ilusão dramática de que a Ucrânia pode vencer. Isso será motivo para arrependimento, nós temos certeza", disse o porta-voz do governo russo, Dmitri Peskov.

Na véspera, o número 2 do conselho, o ex-presidente Dmitri Medvedev, havia retomado as ameaças atômicas que de tempos em tempos marcam a retórica de Moscou. Disse que o Ocidente só vê uma saída para a crise, a derrota da Rússia, mas se esquece que tal cenário pode levar a uma guerra nuclear —os russos têm o maior arsenal do tipo no mundo, ao lado dos EUA.

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