Ataques em Brasília representam risco à democracia na América Latina, diz pesquisador

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São Paulo

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Os ataques golpistas de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro em Brasília podem ferir não só a democracia do Brasil, mas de toda a América Latina. A avaliação é de André Coelho, professor da escola de Ciência Política da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e especialista em democracias latino-americanas.

Ele diz que, dados a importância e o protagonismo do Brasil na região, os atos de barbárie registrados no domingo (8) podem estimular grupos extremistas em países vizinhos.

Golpistas invadem a praça dos Três Poderes e depredam edifícios de instituições democráticas, em Brasília
Golpistas invadem a praça dos Três Poderes e depredam edifícios de instituições democráticas, em Brasília - Gabriela Biló - 8.jan.23/Folhapress

O ataque inédito à democracia em Brasília é, a todo momento, comparado à invasão do Capitólio dos EUA por seguidores do republicano Donald Trump, em janeiro de 2021.

As semelhanças são muitas, e a invasão das sedes dos Três Poderes tem sido chamada de Capitólio brasileiro. Coelho alerta que, nos últimos anos, eventos de grande repercussão no Brasil foram replicados em outros países da América Latina.

  • Ele cita como exemplo o que chama de internacionalização do lava-jatismo. Segundo o especialista, processos judiciais contra líderes de esquerda ganharam peso no Brasil e depois tiveram a fórmula "exportada".
  • Da mesma maneira, o golpe militar de 1964 no Brasil inaugurou uma série de outros golpes nas décadas seguintes, após uma breve onda de democratização na América Latina com o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

O risco de contágio é amplificado pelo histórico de instabilidade política na América Latina. O Peru, por exemplo, vive crise constante e teve nada menos que 6 presidentes em 6 anos.

Atualmente, o país está em convulsão social. Mais de 40 pessoas já morreram em protestos contra Dina Boluarte organizados por apoiadores de Pedro Castillo, destituído da Presidência e preso após tentativa fracassada de golpe de Estado.

A instabilidade no Peru aumentou quando a candidata Keiko Fujimori demorou a aceitar a derrota nas eleições presidenciais em 2021.

A América Latina tem um amplo histórico de alternância entre democracia e autoritarismo. Mas Coelho pondera que a região atravessa o maior período democrático desde o fim dos anos 1980, apesar dos ainda muitos problemas na região.

  • "É por isso que a democracia na América Latina ainda necessita de muito cuidado. É fundamental que as instituições permaneçam funcionando e que os atores políticos busquem consenso para diminuir a polarização", diz Coelho, autor do livro "Por que caem os presidentes? Contestação e permanência na América Latina".

É nesse contexto que a resposta das autoridades aos atos criminosos ocorridos em Brasília é fundamental para coibir novos ataques. Mais que as prisões dos envolvidos, Coelho diz que as autoridades devem investigar o financiamento dos ataques golpistas em Brasília e elaborar estratégias para coibir novas ações antidemocráticas.

Os ataques às sedes dos Três Poderes foram repudiados por lideranças no mundo inteiro —até mesmo por políticos alinhados ideologicamente a Bolsonaro, caso do premiê de Israel, Binyamin Netanyahu.

Na América Latina, os presidentes do Chile, Gabriel Boric, e da Colômbia, Gustavo Petro, instaram a Organização dos Estados Americanos (OEA) a realizar a reunião que discutiu a tentativa de golpe. O encontro foi na quarta-feira. Por unanimidade, a OEA condenou os atos "de caráter fascista" no Brasil.

Invasão do Capitólio, dois anos depois

Nos EUA, os esforços na apuração dos crimes resultaram na que é considerada a maior investigação da história do FBI.

A polícia federal americana afirma ter analisado 30 mil arquivos de vídeo que somam 9 terabytes de informação —um volume que, se colocado em uma única trilha, somaria 361 dias ininterruptos. Os resultados das investigações contra os invasores do Capitólio estão resumidos a seguir.

  • Mais de 950 pessoas foram presas.
  • A sentença mais longa até aqui foi dada a um ex-militar e policial aposentado de Nova York, Thomas Webster, 56, condenado a pouco mais de dez anos de prisão por, entre outras coisas, ter agredido um policial.
  • Já foram abertas ações contra 940 pessoas, segundo o Programa sobre Extremismo, da Universidade George Washington. Mais da metade dos réus, 482, confessou culpa, e outros 44 foram assim considerados. Só uma pessoa terminou inocentada.

Boa parte das prisões ocorreu com a identificação de selfies e vídeos publicados pelos próprios invasores.

  • Uma estudante do Kentucky, Gracyn Courtright, por exemplo, postou uma foto nas redes sociais na entrada do Capitólio, com a legenda: "Mal posso esperar para contar aos meus netos que eu estava aqui".

A mensagem acabou usada no processo em que ela foi condenada a 30 dias de prisão e outros 12 meses em liberdade condicional. Outros casos você acompanha aqui na reportagem do correspondente da Folha em Washington, Thiago Amâncio.

O ex-presidente Donald Trump, que insuflou a multidão antes da invasão do Capitólio, é investigado criminalmente pelo envolvimento no caso.

E Bolsonaro? O ex-presidente continua na Flórida, nos EUA, e disse após a invasão que pretende antecipar seu retorno ao Brasil, mas sem informar quando.

Bolsonaro teve dores abdominais e precisou ser internado em Orlando. O ex-presidente disse que no Brasil os médicos já sabem como lidar com seu problema de obstrução intestinal em razão da facada sofrida por ele em 2018.

A intenção de antecipar o retorno foi anunciada depois de declaração feita por Ned Price, porta-voz do Departamento de Estado americano, sinalizando que o ex-presidente não pode permanecer nos EUA com o visto de chefe de Estado que usou para entrar no país.

É isso mesmo. Se não procurar o governo americano até o fim de janeiro para mudar a categoria do visto —como um de turista—, a situação de Bolsonaro nos EUA será considerada irregular e ele poderá ser até deportado.

Imagem da semana

Filippo Monteforte - 5.jan.23/AFP

Onde: Vaticano

O que aconteceu: Em uma praça São Pedro lotada, bispos e cardeais participam na última quinta (5) do funeral do papa emérito Bento 16, morto no dia 31; seu cadáver foi colocado na cripta em que o corpo de João Paulo 2º ficou até 2011.

E a guerra?

A Rússia anunciou o primeiro cessar-fogo do conflito detonado há quase 11 meses. Sinal de tempos melhores? Infelizmente não.

A trégua de 36 horas foi proposta unilateralmente por Moscou na quinta passada para a celebração do Natal da Igreja Ortodoxa, comemorado de acordo com o antigo calendário juliano no sábado (7).

Mas o acordo foi rejeitado por Kiev, que o considerou hipócrita. Zelenski disse que Putin pretendia ganhar tempo para realocar equipamentos e tropas. Além de segurar as ações de Kiev, o cessar-fogo seria um golpe publicitário para pintar os ucranianos como agressores.

Soldados ucranianos fazem disparo de sistema de defesa aérea em Bakhmut, no leste do país
Soldados ucranianos fazem disparo de sistema de defesa aérea em Bakhmut, no leste do país - Clodagh Kilcoyne - 10.jan.23/Reuters

Não deu outra. O Ministério da Defesa russo acusou as forças ucranianas de promoverem ataques para violar a trégua a que Kiev não aderiu. Ataques pesados da Rússia foram retomados tão logo o cessar-fogo chegou ao fim, no domingo (8).

Nesta quarta (11), o Kremlin anunciou que trocou pela segunda vez em três meses o comandante de suas forças na invasão da Ucrânia.

A mudança parece destinada a calar os membros da linha dura que exigem uma radicalização das ações no país vizinho, enviando para o posto o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Valeri Gerasimov.

O que aconteceu?

Uma seleção de notícias para entender o mundo

África Seis jornalistas no Sudão do Sul foram presos depois que começou a circular nas redes sociais um vídeo que mostra o presidente, Salva Kiir, 71, aparentemente urinando nas calças em um evento oficial.

Oriente Médio O Irã condenou à morte o ex-vice-ministro da Defesa Alireza Akbari sob a acusação de espionagem para os serviços secretos do Reino Unido. Ele tem cidadania iraniana e britânica e está preso desde 2019. O caso iniciou nova crise diplomática.

Ásia A China enfim reabriu suas fronteiras internacionais. O bloqueio era um dos últimos resquícios da controversa política de Covid zero, estabelecida pelo regime no início da pandemia, em 2020, e largamente flexibilizada em dezembro passado.

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