Biden chega à metade do mandato com vitórias ofuscadas por caso de documentos sigilosos

Em 2 anos, presidente se vê obrigado a administrar série de crises e mantém aprovação na casa de 43%

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Washington

Não é exatamente pela sequência de vitórias políticas que conseguiu amealhar nos últimos meses, que incluem o recorde de empregos e o controle da inflação, que o presidente Joe Biden tem sido lembrado nos Estados Unidos no momento em que completa dois anos de governo.

Nas últimas semanas, o que tem ocupado as páginas do noticiário político, as entrevistas coletivas da Casa Branca e o bombardeio nos corredores republicanos do Congresso são os documentos confidenciais do período em que o democrata foi vice-presidente, na gestão Barack Obama (2009-2016), encontrados em um escritório ligado a ele e em sua casa.

O presidente dos EUA, Joe Biden, caminha na Casa Branca, em Washington
O presidente dos EUA, Joe Biden, caminha na Casa Branca, em Washington - Pete Marovich - 16.jan.23/The New York Times

Biden chega à metade de seu mandato em meio a mais uma crise, tendo que tentar explicar como papéis sigilosos do governo americano, de cujo conteúdo ainda não são conhecidos detalhes, foram parar em imóveis particulares, quando deveriam estar na posse dos Arquivos Nacionais.

Como agravante, o caso veio à tona meses depois de seu maior adversário político, Donald Trump, virar alvo de uma investigação federal e acelerar um processo de fritura por fazer basicamente a mesma coisa —ainda que em escala maior e com diferenças importantes.

Não se pode dizer, porém, que o democrata não entende de crises. Ele assumiu como presidente em 20 de janeiro de 2021, em meio à maior turbulência política da história recente do país. No período que antecedeu a posse, Trump contestou a derrota sem base na realidade, incentivou apoiadores a invadirem o Capitólio para evitar a certificação do resultado e viajou para a Flórida antes de transmitir o cargo, mantendo os ânimos de uma base radicalizada.

O período também era de pico da Covid-19, quando a doença matava mais de 3.000 pessoas por dia no país. Depois, Biden promoveu a saída das tropas do Afeganistão após 20 anos de guerra, em um movimento considerado desastroso, que lhe custou popularidade; viu a Rússia invadir a Ucrânia e liderou a ajuda ocidental a Kiev; enfrentou inflação recorde; e assistiu à Suprema Corte reverter um entendimento de décadas de que o direito ao aborto era constitucional, o que foi de encontro à sua agenda.

Nos últimos dez dias, após uma fase de vitórias políticas, o foco voltou para o democrata, quando o canal CBS revelou que advogados dele encontraram documentos confidenciais em um escritório —que, segundo a Casa Branca, ficava trancado— numa unidade da Universidade da Pensilvânia que leva seu nome, o Centro Penn Biden para Diplomacia e Engajamento Global.

Na sequência, mais arquivos foram encontrados na casa do presidente, em Delaware, e o total de papéis armazenados indevidamente pode chegar a 20, segundo a CBS. O governo tem sido acusado de responder ao caso de forma errática e questionado por que não divulgou a existência dos arquivos quando foram descobertos, ainda no começo de novembro. Até a revelação pela imprensa, o caso ficou restrito à Casa Branca, ao Arquivo Nacional e ao Departamento de Justiça, que conduzia uma investigação preliminar.

Isso ocorreu menos de dois meses depois da operação de busca e apreensão que o FBI promoveu na casa de Trump na Flórida, na qual foram encontradas milhares de páginas, algumas das quais marcadas como ultrassecretas. Na ocasião, Biden chamou o episódio com o antecessor de "totalmente irresponsável" —agora oferecendo um prato cheio para republicanos e o próprio Trump o acusarem de hipocrisia.

"O caso envergonha e remove uma vantagem que Biden tinha contra Trump", diz o cientista político Jonathan Hanson, professor da Universidade de Michigan. "Mesmo que a magnitude do que estamos falando seja substancialmente diferente, no número de documentos que o ex-presidente tinha e no grau de cooperação, isso prejudica a capacidade de fazer comentários críticos."

Nesta quinta, o tema foi levantado por jornalistas na viagem do presidente à Califórnia para monitorar estragos causados pelas chuvas no estado. "Acho que você vai descobrir que não há nada aí. Não me arrependo de nada e estou seguindo as orientações dos advogados. Estamos cooperando [com as apurações] e esperando que isso se resolva logo", disse Biden, para em seguida repetir: "Não há nada aí".

O democrata chega à metade do governo com 43,4% de aprovação, segundo o agregador do portal FiveThirthyEight. A cifra é pouco superior à que Trump tinha na mesma altura do mandato (40%), mas abaixo das de Barack Obama (49,6%) e George W. Bush (57,5%) —este, ainda gozando da popularidade que alcançou após os ataques do 11 de Setembro. A taxa de desaprovação do atual presidente é de 51,3%.

Para Joshua Kennedy, professor de ciência política da Universidade do Sul da Geórgia, "a polarização no país hoje é tão alta que presidentes não têm muito espaço para crescer as margens de aprovação".

Em termos políticos, a principal vitória recente de Biden foi ter mantido para sua legenda o controle do Senado nas eleições legislativas de novembro, as midterms, e conservado um número expressivo de assentos na Câmara —mesmo que a maioria tenha ido para o Partido Republicano.

Os democratas perderam nove deputados e ganharam um senador. Para efeitos de comparação, nas primeiras midterms em gestões passadas, os republicanos na era Trump perderam 40 deputados (ainda que tenham ganhado 2 senadores) e os democratas na era Obama perderam 63 deputados e 6 senadores.

Bush, em meio à alta popularidade após os ataques às Torres Gêmeas, ganhou assentos nas duas Casas, mas, antes dele, Clinton perdeu 52 deputados e 8 senadores nas primeiras midterms dos dois mandatos.

O resultado não pode ser creditado totalmente ao atual presidente, já que outros fatores entraram na conta, como a resistência a candidatos radicais apoiados por Trump e a defesa do direito ao aborto. Mas os números não deixam de ser uma vitória e um alívio para Biden.

Outro bom resultado veio da economia. O país tem conseguido arrefecer a inflação recorde, que disparou após a Guerra da Ucrânia, e passou de 9% no acumulado de 12 meses em junho, antes de recrudescer para 6,5% em dezembro —ainda um número alto, já que em dezembro de 2019, antes da pandemia, era de 2,3%. E isso se deu sem sacrificar o recorde de postos de trabalho abertos, ao contrário das previsões de que o controle da alta de preços afetaria o superaquecido mercado de trabalho.

Na segunda metade do governo, o maior calo de Biden deve ser a Câmara controlada pelos republicanos, que pode gerar crises políticas maiores do que o caso dos papéis sigilosos, segundo Kennedy.

A oposição promete barrar pautas importantes do governo, como a pauta ambiental, e não há chance de avançarem na Casa projetos em favor da facilitação do direito ao aborto ou do controle de armas. "Qualquer coisa que seja remotamente controversa dificilmente será feita na segunda metade do governo", diz Hanson, que prevê foco maior na política externa ante a dificuldade de avançar na agenda doméstica.

Um relance das dificuldades ficou claro nesta quinta, quando os EUA atingiram o limite da dívida, e a Câmara afirmou que não aumentará o limite de empréstimos a não ser que o governo concorde com cortes drásticos. Outra grande questão na reta final do governo é se Biden, 80, o presidente mais velho da história do país no cargo, vai disputar a reeleição. Figuras antes ventiladas como possíveis sucessores despencaram na bolsa de apostas, como a pouco popular vice Kamala Harris, e não há nenhum nome óbvio dentro do Partido Democrata para disputar a eleição em 2024.


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