Descrição de chapéu China Coronavírus

China chama restrições a viajantes do país de irracionais e acusa manipulação política

Novas exigências em resposta a explosão de casos de Covid não têm embasamento científico, alega diplomacia chinesa

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São Paulo

O Ministério das Relações Exteriores da China chamou de "simplesmente irracional" a imposição de restrições a viajantes chineses como resposta à explosão de casos de Covid no país. De acordo com a diplomacia de Pequim, a decisão adotada por ao menos 16 nações, como Estados Unidos, França, Reino Unido e Israel, não tem embasamento científico.

"Estamos dispostos a melhorar a comunicação com o mundo", disse a porta-voz Mao Ning durante entrevista coletiva nesta terça-feira (3). "Mas nos opomos firmemente a tentativas de manipular as medidas de prevenção e o controle da epidemia para fins políticos e tomaremos as medidas correspondentes em diferentes situações de acordo com o princípio da reciprocidade."

No início de dezembro, a China encerrou a Covid zero, política sanitária restritiva baseada na obrigatoriedade de testes em massa e em lockdowns severos onde casos de coronavírus eram detectados. Ao fim das restrições mais duras, seguiu-se uma mudança na forma como o país contabiliza infecções e mortes —em parte porque, sem os testes obrigatórios, a maioria dos chineses pode ter deixado de notificar as autoridades sobre exames com resultado negativo.

Passageiros com máscaras e equipamentos de proteção em estação de trem em Xangai, na China - Qilai Shen - 14.dez.22/The New York Times

Apesar do apagão de dados oficiais, estima-se que os novos casos de Covid na China estejam na casa dos milhões. Ao mesmo tempo, o país retomou tanto a emissão de vistos de turismo a estrangeiros quanto a de passaportes a chineses que queiram viajar ao exterior.

Sob a justificativa de evitar a circulação do vírus e o eventual surgimento de novas variantes, vários países voltaram a impor medidas de controle a viajantes chineses. A maior parte delas se limita a exigir um teste com resultado negativo realizado até 48 horas antes do embarque na China; há ainda países que exigirão que os passageiros também se submetam a exames de detecção no desembarque, como França e Japão.

"A China hoje é o principal epicentro da Covid em todo o globo. Os chineses não têm justificativa para reclamar", afirma o epidemiologista Eliseu Alves Waldman, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP, ressaltando que Pequim adotou medidas semelhantes contra estrangeiros quando a Covid zero ainda estava em vigor. "Os chineses têm que melhorar o grau de informação que dão às autoridades sanitárias internacionais e informar melhor a situação interna em relação à Covid para os demais países."

Nesta terça, um comitê de especialistas da Organização Mundial da Saúde (OMS) se reúne a portas fechadas com cientistas chineses. Um dos objetivos é justamente buscar mais transparência. "Queremos ver uma imagem mais realista do que está acontecendo", disse a virologista holandesa Marion Koopmans, membro do comitê. "É do interesse da própria China apresentar informações mais confiáveis."

O cientista brasileiro Túlio de Oliveira também compõe a comissão da OMS. Ele critica as restrições impostas contra os viajantes da China e as compara ao que ocorreu com a África do Sul quando a variante ômicron foi identificada no país. "Uma coisa que devemos fazer em três anos de pandemia é aprender com nossos erros. Para encorajar um país a compartilhar mais dados, a melhor maneira é apoiá-lo, não discriminá-lo com restrições a viagens."

Para Waldman, da USP, a situação atual de Pequim tem paralelos com as medidas que atingiram diversos países africanos. "A reação é semelhante, mas não vem acompanhada de um viés anti-China", afirma, pontuando que não houve, até o momento, novas declarações de líderes mundiais como as dos ex-presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro no início da pandemia —o americano chamava o coronavírus de "vírus chinês", e o brasileiro insinuou que a China teria criado o vírus para uma guerra biológica.

A mudança nas diretrizes da Covid zero se deu pouco depois da maior onda de protestos na China desde o Massacre da Praça da Paz Celestial em 1989 e em meio ao crescimento mais lento da economia chinesa em meio século. O dirigente Xi Jinping, no último discurso de 2022, pediu mais esforços contra o coronavírus no país e descreveu a mudança de rota como uma otimização das medidas de combate.

Os relatos posteriores ao fim da Covid zero, no entanto, são de médicos forçados a trabalhar mesmo quando infectados com o vírus, hospitais e outras unidades de saúde lotados, confisco de medicamentos para suprir a necessidade de tratamento e aumentos na demanda de funerárias e crematórios.

Oficialmente, o número de mortes por Covid na China ainda é baixíssimo em relação a padrões ocidentais. Na segunda-feira (2), o país confirmou mais três óbitos, o que eleva a cifra total a 5.253. Na imprensa estatal, especialistas chineses minimizam a gravidade do surto atual. "Doenças graves e críticas representam de 3% a 4% dos pacientes infectados atualmente internados em hospitais designados em Pequim", disse Tong Zhaohui, vice-presidente do Hospital Chaoyang, na capital, ao jornal Diário do Povo.

O país também está preocupado com o Ano-Novo Chinês, e uma autoridade do alto escalão fez uma rara admissão da perspectiva negativa. "O que mais nos preocupa é que já se passaram três anos, e as pessoas não foram para casa para passar o Ano-Novo", disse Jiao Yahui, chefe do departamento de administração médica da Comissão Nacional de Saúde, à emissora estatal CCTV.

Ela se referia ao período em que restrições vigentes da Covid zero impediam viagens domésticas em um dos feriados mais tradicionais do país, que neste ano é comemorado em 22 de janeiro. O temor é o de que principalmente as áreas rurais no interior da China, em geral com menos infraestrutura de saúde para lidar com hospitalizações por Covid, fiquem ainda mais vulneráveis com o intenso deslocamento de viajantes.

Com Reuters

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