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China é nosso maior desafio estratégico, diz chanceler do Japão

Yoshimasa Hayashi visita o Brasil e espera menos entraves burocráticos para negócios

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São Paulo

A China constitui a maior ameaça estratégica ao Japão e à comunidade internacional, e Tóquio precisa reforçar sua diplomacia e musculatura militar para enfrentar o desafio ao lado dos Estados Unidos, rivais de Pequim na Guerra Fria 2.0.

As afirmações são do chanceler do Japão, Yoshimasa Hayashi, que chega a Brasília neste domingo (8) para dois dias de visita, em que deverá encontrar-se com o novo presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O chanceler japonês, Yoshimasa Hayashi, durante uma entrevista em Tóquio em novembro
O chanceler japonês, Yoshimasa Hayashi, durante uma entrevista em Tóquio em novembro - Kim Kyung-Hoon - 24.nov.2022/Reuters

Em entrevista por escrito à Folha, o chanceler afirma que a nova Estratégia de Segurança Nacional japonesa, que pretende dobrar o atual 1% do Produto Interno Bruto gasto com defesa em cinco anos, é uma imposição da realidade geopolítica.

Após um período de afastamento, dado o desengajamento de Donald Trump da geopolítica asiática, Hayashi reafirma que "a aliança Japão-EUA continua a ser o fundamento da política externa e de segurança nacional" de seu país. Com efeito, sob Joe Biden, os laços foram reforçados dentro do Quad, grupo anti-China integrado também por Índia e Austrália.

Integrante do gabinete de Fumio Kishida desde novembro de 2021, Hayashi diz que caberá ao povo votar sobre a mudança na Constituição acerca da natureza das Forças Armadas no país —a Constituição de 1947 as define como defensivas. O tema está em discussão na Dieta (Parlamento) e é uma bandeira de seu Partido Liberal Democrático desde os tempos de Shinzo Abe no poder.

Hayashi serviu como ministro de Abe, que foi assassinado em 2022, quase dois anos após deixar o cargo de primeiro-ministro por motivos de saúde. Abe era um promotor do militarismo japonês ante a assertividade chinesa, a aliança Pequim-Moscou e as ameaças agora explícitas da Coreia do Norte e seus mísseis nucleares.

Em relação ao Brasil, país com a maior comunidade nipônica fora do Japão, a prioridade é o incremento do comércio, com foco em desburocratização aduaneira. No ano passado, até dezembro, o Japão era o décimo parceiro comercial do país, com um superávit para o lado brasileiro de US$ 156 milhões.

Desde o auge em 2011, a balança comercial entre Japão e Brasil tem estado sujeita a flutuações, incluindo, às vezes, a contração. Como ampliar o comércio bilateral? E quais expectativas em relação ao novo governo brasileiro? O Japão e o Brasil têm desenvolvido relações de forma complementar, por exemplo no investimento das empresas japonesas na exploração e comércio de recursos naturais e no setor de manufatura. Gostaria de aprofundar a cooperação com o novo governo e de desenvolver ainda mais as relações bilaterais.

Concretamente, o Brasil é um país rico em recursos naturais, inclusive minerais importantes como metais raros, alimentos e energia. A Covid-19 e a agressão da Rússia contra a Ucrânia têm levado ao aumento do interesse nas cadeias de abastecimento em todo o mundo. Há várias oportunidades novas de negócios. Por exemplo, gostaria de fortalecer as relações econômicas através da utilização da abundante energia renovável do Brasil e do uso de dados e tecnologia digital, fundamentais para eliminar as disparidades em assistência médica.

O Brasil está em processo de desenvolvimento da internet 5G, e a tecnologia japonesa tem pontos fortes no desenvolvimento de uma infraestrutura segura e economicamente eficiente.

Por outro lado, o complexo sistema tributário e a morosidade dos trâmites alfandegários são apontados como desafios enfrentados pelas empresas japonesas que investem no Brasil. Espero que o novo governo faça progressos na resolução dessas questões.

Em resposta à crescente influência da China e à ameaça da Coreia do Norte, o Japão anunciou recentemente um aumento significativo nos gastos militares. Nessa nova situação geopolítica, como o país irá desenvolver sua política de segurança, incluindo a revisão da Constituição? No momento em que a comunidade internacional enfrenta mudanças que podem marcar uma época, os alicerces da ordem internacional se abalam e a comunidade global está em uma encruzilhada histórica.

Como o Japão se encontra em uma situação de segurança mais severa e complexa desde o fim da Segunda Guerra, é cada vez mais importante manter e fortalecer uma ordem internacional livre e aberta baseada no Estado de Direito. Em resposta a esta situação, o Japão formulou uma nova Estratégia de Segurança Nacional, que salienta a diplomacia como primeiro pilar dentre os principais elementos do poder nacional visto de forma abrangente para a segurança do Japão.

O Japão implementará uma diplomacia robusta a fim de prevenir crises antecipadamente e de criar ativamente um ambiente internacional pacífico e estável. Trabalhará para melhorar o ambiente de segurança ao redor do país por meio da implementação consistente de abordagens estratégicas, incluindo o fortalecimento da aliança Japão-EUA, a cooperação com cada país da comunidade internacional —incluindo uma maior promoção de medidas para a realização de uma região Indo-Pacífico livre e aberta—, e a diplomacia com os países e regiões vizinhos.

Por fim, em relação à emenda à Constituição, o Parlamento apresentará uma proposta e a população decidirá por votação. A questão deve ser decidida no contexto de um debate nacional profundo.

À luz das recentes tendências na comunidade internacional relativas à China, o Japão continuará a ser apenas um aliado dos EUA ou buscará uma posição mais independente? A aliança Japão-EUA continua a ser o fundamento da política externa e de segurança nacional do Japão. As atuais posturas externas, atividades militares e outras da China têm se tornado uma séria preocupação para o Japão e a comunidade internacional, representando o maior desafio estratégico, sem precedentes, à garantia da paz e segurança do Japão e do mundo.

O Japão deve responder com seu poder nacional e em cooperação com aliados para o fortalecimento de uma ordem baseada no Estado de Direito. Estabeleceremos uma relação construtiva e estável com a China através da comunicação em vários níveis, na qual o Japão continuará a afirmar sua posição e a apelar para ações responsáveis, enquanto mantém o diálogo, inclusive sobre controvérsias e cooperação em assuntos de interesse comum.

Além disso, acredito que a estabilidade das relações entre os EUA e a China é extremamente importante para a comunidade internacional. No momento em que o contexto de segurança regional está se tornando cada vez mais complexo, a aliança Japão-EUA é relevante para não permitir a tentativa de alteração unilateral pela força do status quo na região do Indo-Pacífico, especialmente na Ásia Oriental.

Com base nesse entendimento comum, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, e eu temos confirmado em sucessivas reuniões que continuaremos a trabalhar juntos para fortalecer ainda mais a capacidade de dissuasão e resposta da aliança EUA-Japão.

Enquanto a China continua revisando sua política de Covid zero, as relações econômicas Japão-China são mais importantes do que nunca. Por outro lado, acirrou-se a competição entre EUA e China no campo econômico, como na indústria de semicondutores. Qual cenário o governo japonês vê em relação a Pequim? Atualmente, as relações entre Japão e China têm potencial de cooperação em várias áreas e, ao mesmo tempo, enfrentam muitos desafios e preocupações. Contudo, tanto o Japão quanto a China têm importantes responsabilidades com a paz e a prosperidade da região e da comunidade internacional. Como eu mencionei, o Japão construirá uma relação construtiva e estável com a China.

A China é o maior parceiro comercial do Japão e o número de empresas japonesas atuando na China ultrapassa 30 mil. Sobre as relações econômicas, o diálogo e a cooperação prática devem ser almejados de forma apropriada, levando em consideração os interesses nacionais do Japão.

Além disso, é importante que a China, como a potência econômica que se tornou, assuma firmemente suas responsabilidades. Sob esta perspectiva, na reunião entre líderes em novembro, em Bancoc, os dois lados concordaram que é possível uma cooperação mutuamente benéfica em setores como a economia verde.

Para esse fim, o Japão apontou a importância de a China garantir um ambiente de negócios transparente, previsível e justo e garantir as atividades comerciais legítimas das empresas japonesas. O Japão também instou fortemente o lado chinês a abolir o quanto antes as restrições à importação de produtos alimentares japoneses. No futuro, pretendemos realizar o quanto antes o Diálogo Econômico de Alto Nível, a ser presidido por mim do lado japonês e assistido por ministros do Japão e da China.


Raio-X | Yoshimasa Hayashi, 61

Nascido em Shimonoseki, integra a quarta geração de uma família de políticos. Começou na vida pública assessorando o pai, então ministro das Finanças, em 1992. Teve passagem pelos ministérios da Defesa (2008) e da Política Econômica Fiscal (2009), sob o premiê Taro Aso. Na gestão Shinzo Abe, foi ministro da Agricultura (2012-14 e 2015) e da Educação (2017-18). Desde novembro de 2021, é chanceler do governo Fumio Kishida.

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