Entenda as diferenças entre as descobertas de documentos sigilosos com Biden e Trump

Departamento de Justiça determinou investigações sobre os casos do presidente e do antecessor

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Charlie Savage
Washington | The New York Times

Nos últimos dias, a Casa Branca confirmou a descoberta de documentos classificados como sigilosos, do período em que o presidente Joe Biden era vice de Barack Obama, em um escritório particular usado pelo democrata antes do início da campanha de 2020 e em sua residência em Wilmington, Delaware.

O caso suscitou comparações com o do ex-presidente Donald Trump, que também guardou documentos confidenciais do governo em propriedades particulares quando deixou o poder. O republicano é alvo de uma investigação criminal, enquanto o Departamento de Justiça nomeou nesta quinta (12) um procurador especial para analisar os fatos ligados a Biden.

O presidente dos EUA, Joe Biden, em serviço religioso em homenagem ao ex-secretário de Defesa Ash Carter, na catedral de Washington - Andrew Caballero-Reynolds - 12.jan.23/AFP

Saiba, com o que já foi divulgado até aqui, em que os episódios e a situação dos dois políticos se diferem.

Quais as semelhanças entre as duas situações?

Basicamente, ambas envolvem documentos oficiais marcados como sigilosos que foram conservados de modo inapropriado por Trump e Biden depois de eles terem deixado seus cargos —de presidente e vice, respectivamente. Pela Lei de Documentos Presidenciais, quando uma gestão termina, os arquivos da Casa Branca devem ser entregues à Administração Nacional de Arquivos e Registros. Cidadãos em geral não têm autorização para conservar documentos sigilosos, e as normas exigem que esses papéis sejam armazenados de modo seguro.

Procuradores especiais —nomeados para comandar investigações delicadas com alguma independência em relação ao Departamento de Justiça— examinam os dois casos. No de Trump, o secretário de Justiça Merrick Garland nomeou Jack Smith em novembro; nesta quinta, apontou Robert Hur, ex-procurador federal indicado por Trump, para chefiar a investigação sobre Biden.

E quais as diferenças?

Há lacunas importantes no que é sabido publicamente sobre ambas as situações, mas as informações disponíveis sugerem que há diferenças grandes em relação a como os documentos vieram à tona, ao volume de papéis e, o mais importante, a como Trump e Biden reagiram.

O republicano e seus assessores resistiram a esforços reiterados do governo para recuperar todos os documentos, enquanto os advogados de Biden notificaram as autoridades e a Casa Branca diz que coopera plenamente. Essas diferenças têm consequências legais significativas.

Onde estavam os arquivos?

No caso de Trump, várias centenas de documentos sigilosos do governo, além de milhares de outros papéis e fotos não confidenciais, foram parar em seu clube e residência na Flórida, Mar-a-Lago, depois de ele deixar a Presidência. Alguns estavam em caixas, no armário de um depósito trancado, e o FBI achou outros no escritório de Trump, incluindo em sua mesa de trabalho, segundo documentos judiciais.

No caso de Biden, algo que a administração descreveu como "um pequeno número de documentos marcados como sigilosos" foram encontrados num armário trancado na sala de um think tank de Washington, o Centro Penn Biden para Diplomacia e Engajamento Global. O político usou o espaço periodicamente depois de deixar a Vice-Presidência, em 2017, e antes de iniciar a campanha de 2020.

Uma revista subsequente na casa de Biden em Wilmington trouxe à tona outra leva de documentos, num espaço que segundo a Casa Branca é de armazenagem na garagem, além de um documento de uma página "entre materiais guardados numa sala adjacente".

Como os documentos foram parar nesses locais?

Consta que Trump, quando presidente, periodicamente levava documentos do Salão Oval para as áreas residenciais da Casa Branca. Durante o caos de seus últimos dias de gestão, depois de seu esforço para se manter no poder, esses papéis teriam sido embalados ao lado de objetos pessoais, como roupas e suvenires, e enviados para Mar-a-Lago.

Ainda não é sabido publicamente como documentos da administração Obama acabaram chegando ao Centro Penn Biden e à casa do hoje presidente, mas a Casa Branca sugeriu que caixas de arquivos podem ter sido enviadas aos dois locais "durante a transição de 2017" —mas ela também disse que o político só começou a usar o escritório do think tank "em meados de 2017".

Na terça-feira (10) Biden disse que leva informação sigilosa a sério e que se surpreendeu "ao descobrir que documentos governamentais foram levados para aquele escritório".

Como os casos vieram à tona?

De maneiras muito diferentes. No caso de Trump, já em 2021 os Arquivos Nacionais deram pela falta de arquivos de importância histórica e pediram ao republicano que os devolvesse. A agência recuperou 15 caixas e descobriu que elas incluíam documentos sigilosos. O Departamento de Justiça recuperou papéis adicionais depois de emitir uma intimação.

Em junho daquele ano um representante do ex-presidente mentiu, dizendo ao Departamento de Justiça que Trump havia cumprido tudo o que fora intimado a fazer —autoridades então obtiveram evidências de que ainda mais papéis estavam em sua posse, e em agosto um tribunal autorizou o FBI a fazer uma busca para recuperá-los.

Imagem divulgada pelo DoJ mostra documentos que teriam sido encontrados na casa de Donald Trump na Flórida - José Romero/Divulgação Departamento de Justiça/AFP

No caso de Biden, a Casa Branca disse que advogados do presidente descobriram os arquivos no dia 2 de novembro, quando empacotavam coisas para esvaziar o escritório no Centro Penn Biden. "Os documentos não foram objetos de qualquer solicitação ou investigação anterior dos Arquivos Nacionais", disse a administração federal, em nota.

A equipe então fez buscas subsequentes em dois outros endereços para onde a Casa Branca disse que materiais do gabinete vice-presidencial poderiam ter sido enviados ao fim do mandato de Obama e Biden: sua casa em Wilmington e outra em Rehoboth Beach, também no estado de Delaware —nesta última não foram encontrados documentos.

A Casa Branca reconheceu que a equipe de Biden achou papéis em Wilmington e reportou a descoberta imediatamente —mas não disse quando isso foi feito. Na nomeação de Hur, Garland disse que assessores do presidente informaram ter encontrado a maioria dos documentos em 20 de dezembro e depois mais um na manhã de 12 de janeiro.

As situações ainda motivaram alguma associação com um caso da ex-secretária de Estado Hillary Clinton, que foi alvo de investigação por usar um servidor privado de emails para enviar documentos do governo classificados, por exemplo, como supersecretos. Ao final, o FBI não recomendou seu indiciamento, mas a chamou de "extremamente descuidada" —o desgaste teve impacto direto na campanha presidencial de 2016, quando Hillary perdeu justamente para Trump.

Como Trump e Biden reagiram?

De modos muito diferentes. A equipe do democrata notificou os Arquivos Nacionais no dia em que foi encontrada a primeira leva de papéis, e a agência recuperou os materiais na manhã seguinte, segundo a Casa Branca. O governo enfatiza que desde então assessores vêm cooperando com os Arquivos e com o Departamento de Justiça, inclusive realizando buscas nas duas casas do presidente "para assegurar que quaisquer arquivos da administração Obama-Biden estejam apropriadamente nas mãos da instituição".

Biden afirma que seus advogados agiram corretamente. "Estamos cooperando plenamente com a investigação, que eu espero que seja concluída em breve."

Policiais em frente à casa de Mar-a-Lago de Donald Trump durante operação de busca no imóvel - Marco Bello - 8.ago.22/Reuters

Em contraste, Trump e seus assessores demoraram meses para atender a pedidos reiterados dos Arquivos Nacionais e então não obedeceram a uma intimação completamente, ao mesmo tempo que disseram falsamente que o haviam feito. Um documento judicial indica também que imagens de câmeras de segurança mostram que "documentos do governo provavelmente foram ocultados e removidos" do depósito de armazenagem em Mar-a-Lago depois da intimação.

Trump tem atacado os Arquivos Nacionais repetidas vezes por notificar o Departamento de Justiça sobre o assunto e caracteriza a investigação como ilícita. Um juiz federal estuda a possibilidade de processar a equipe dele por desacato, por desobedecer à intimação.

Os documentos encontrados ainda eram sigilosos?

Trump declarou que antes de deixar a Presidência retirou o sigilo de tudo que apareceu em Mar-a-Lago. Não há prova digna de crédito que fundamente essa alegação, e seus advogados têm resistido a repeti-la num tribunal —onde mentir acarreta consequências profissionais. (Além disso, potenciais crimes citados na ação que baseou a operação na residência do republicano independem de documentos que receberam tratamento incorreto continuarem sob sigilo.)

Embora a ordem executiva que rege o sistema de informações confidenciais confira a vice-presidentes o mesmo poder de presidentes, Biden não afirmou ter retirado o sigilo dos materiais encontrados no Centro Penn Biden. Ele disse na terça-feira não saber de que tratam os papéis.

Quantos documentos sigilosos havia?

Ao que se sabe, havia muito mais documentos sigilosos guardados inapropriadamente na residência de Trump do que no escritório de Biden. Segundo registros judiciais, 184 papéis do tipo estavam nas 15 caixas que os Arquivos Nacionais recuperaram inicialmente de Mar-a-Lago, a equipe do republicano entregou outros 38 após a intimação e o FBI encontrou mais 103 em sua busca.

Segundo o comunicado da administração Biden, "um pequeno número" de documentos foi encontrado no Centro Penn Biden. A rede CBS News divulgou que eram cerca de dez. Nota da Casa Branca na quinta-feira sobre a segunda leva encontrada na casa de Biden também a descreveu como "um pequeno número".

Houve dano ou destruição de documentos?

Trump parece ter destruído alguns documentos oficiais. Ex-assessores disseram que ele rasgou papéis quando estava na Presidência, e uma carta dos Arquivos Nacionais indica que alguns dos arquivos que a agência recuperou tinham sido danificados. Não há alegação de que Biden tenha feito o mesmo.

O secretário de Justiça dos EUA, Merrick Garland, em entrevista coletiva em Washington - Olivier Douliery - 12.jan.23/AFP

Quais as consequências legais dessas diferenças?

São significativas, embora ainda exista a possibilidade de mais informações virem à tona. Uma pergunta é se qualquer tratamento indevido de informações sigilosas foi intencional. Um dispositivo da Lei de Espionagem, por exemplo, determina que é crime uma pessoa conservar intencionalmente e sem autorização um segredo de segurança nacional —e deixar de devolvê-lo mediante solicitação a um funcionário autorizado.

Outro dispositivo determina que uma pessoa pode ser considerada culpada se, por "negligência grave", permitir que documentos de segurança nacional sejam retirados do lugar onde devem ser guardados. Isso tem sido interpretado historicamente, na jurisprudência e na prática do Departamento de Justiça, como fruto de atitude tão imprudente que fica pouco aquém de ser intencional.

O pedido de revista de Mar-a-Lago foi baseado na Lei de Espionagem e em leis contra a destruição de documentos oficiais e obstrução de esforço oficial. O fato de o FBI ter encontrado em Mar-a-Lago papéis sigilosos adicionais também levantou a possibilidade de a equipe de Trump ter desacatado a intimação e prestado declarações falsas.

Tradução de Clara Allain

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