Descrição de chapéu Rússia

Human Rights Watch denuncia cinismo de líderes ao ignorar direitos humanos em negociações

ONG lança relatório com balanço de 2022 e destaca agendas de política externa fracas, dos EUA à América Latina

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São Paulo

Assim como a Guerra da Ucrânia, o regime do Talibã no Afeganistão, o conflito armado na Etiópia e a perseguição a uigures na China são exemplos evidentes de violação de direitos humanos em 2022, a ONG Human Rights Watch diz que é igualmente importante pensar na incoerência de líderes democráticos.

O recado está nas linhas iniciais do relatório anual que a organização lançou nesta quinta-feira (12). "Temos testemunhado líderes mundiais cinicamente negociando direitos humanos e críticas a violadores em troca de supostas vitórias políticas de curto prazo".

O presidente dos EUA, Joe Biden, ao lado do príncipe saudita Mohammed bin Salman, em Jidá
O presidente dos EUA, Joe Biden, ao lado do príncipe saudita Mohammed bin Salman, em Jidá - Bandar Algaloud/Corte Real da Arábia Saudita via Reuters

A ONG se refere a posturas que vão do encontro de Joe Biden com o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman na Arábia Saudita em julho passado ao plano colocado em prática pelo Reino Unido para enviar a Ruanda migrantes que chegam ao país de maneira irregular.

O presidente dos EUA, afinal, viajou ao país do Oriente Médio depois de ter prometido, na corrida à Casa Branca, que transformaria a Arábia Saudita em um pária justamente devido às violações de direitos humanos capitaneadas por Riad. A justificativa, argumentou o democrata, seria defender os interesses americanos. "Os recursos energéticos são vitais para mitigar o impacto no abastecimento."

A Human Rights Watch também menciona a Índia como caso sintomático. À medida que se distanciam da China, nações do Ocidente cultivam alianças comerciais e de segurança com o país de Narendra Modi, premiê que lidera uma política de discriminação contra minorias religiosas e de cerceamento de dissidência política e da liberdade de expressão —cenário não tão diferente do chinês, diz a ONG.

"Os acordos que líderes fazem envolvendo direitos humanos sob a justificativa de fechar negócios ignoram as implicações a longo prazo. Aprofundar laços com Modi, deixando de lado essas violações, desperdiça uma valiosa influência para proteger o espaço cívico, fundamental para a democracia indiana."

A organização acrescenta que a adoção de dois pesos e duas medidas não é exclusiva de grandes potências. Como exemplo, cita o Paquistão, que apoiou a ONU no monitoramento sobre a violência na Caxemira, mas "deu as costas a possíveis crimes contra a humanidade contra uigures em Xinjiang [na China]".

Tamara Taraciuk, diretora interina para as Américas na HRW, diz à Folha que a América Latina não foge à regra. "Temos governos com uma política externa seletiva, que optam por não questionar violações de direitos humanos que ocorrem em Cuba, Nicarágua e Venezuela."

Para além das fronteiras regionais, diz ela, o exemplo mais sintomático está na China, ator importante para nações latino-americanas. O Brasil, ao lado de Argentina e México, foi um dos que cederam à pressão de Pequim para se omitir sobre a acusação de repressão a uigures. Em outubro, com abstenção brasileira, o Conselho de Direitos Humanos da ONU rejeitou iniciar um debate sobre o tema.

O relatório da Human Rights Watch apresenta um balanço sobre direitos humanos em cerca de cem países. A Guerra da Ucrânia, claro, recebe destaque, e a ONG elogia a resposta de parte da comunidade internacional e de órgãos multilaterais, como a ONU, ao conflito. Mas também lembra a falta de celeridade para combater o autoritarismo de Vladimir Putin.

"Governos devem refletir sobre como seria a situação hoje se tivessem sido feito um esforço conjunto para responsabilizar Putin muito antes —em 2014, no início dos ataques no leste da Ucrânia; em 2015, pelos abusos na Síria; ou devido à escalada na repressão aos direitos humanos na Rússia ao longo da última década", diz um trecho do material.

Na América Latina, Taraciuk afirma que o que mais chamou a atenção ao longo do último ano foi a violência presente em processos eleitorais, como no Brasil, que assistiu no último fim de semana à depredação das sedes dos Três Poderes em Brasília por grupos golpistas.

Ela afirma que episódios como esse revelam que o desafio dos líderes é "mostrar que a democracia serve para prover às pessoas as necessidades básicas", como educação, saúde e segurança. "Do contrário, há políticos, à esquerda e à direita, que usam crises para prometer soluções frágeis e abusivas."

Maria Laura Canineu, diretora da ONG no Brasil, diz que para o país a mensagem é ainda mais forte, uma vez que o relatório marca a passagem do governo de Jair Bolsonaro (PL), com "agenda declaradamente antidireitos humanos", para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que prometeu retomar o tema.

Ela lista fatores que, em sua visão, caso consolidados, seriam bons sinais de ímpetos democráticos do petista —como a escolha de um procurador-geral da República independente. Mas não deixa de destacar o aprendizado que o relatório quer trazer para a política externa.

"Lula tem de defender direitos humanos também na política externa, de forma consistente —algo que Bolsonaro não fez, uma vez que criticava Venezuela e Cuba, mas aplaudia Rússia e Hungria. Isso não significa paralisar negociações ou diálogos, mas sim ser ativo e corajoso para denunciar as violações."

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