Um dia após afirmar que a China não está mostrando em números o impacto real dos surtos de Covid em seu território, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recebeu novos relatórios do país asiático.
Os dados sustentam a tese de que pode haver subnotificação dos efeitos da crise sanitária, em especial na cifra de mortes, e apontam alta de quase 50% nas hospitalizações em decorrência do coronavírus.
A partir das informações fornecidas por Pequim, a OMS contabilizou 218 mil novos casos e 648 mortes na semana encerrada em 26 de dezembro. Inicialmente, o relatório afirmava que os novos registros de óbitos eram referentes a até 1º de janeiro, mas a base de dados da entidade foi atualizada. No mesmo período, as autoridades chinesas confirmaram oficialmente apenas nove mortes.
Não está claro o motivo de tamanha discrepância (variação de 7.100%), mas alguns fatores podem explicá-la. Um deles é que a definição de mortes por Covid na China é diferente da de outros países —e o diretor de emergências da OMS bateu nessa tecla na quarta (4) ao dizer que é uma "definição muito estrita". Outro fator tem também peso geopolítico; o órgão inclui nos dados não só a China continental, mas Hong Kong, Macau e Taiwan —ilha autônoma considerada por Pequim uma província rebelde.
O relatório mais recente aponta um total de 22.416 hospitalizações por Covid na mesma semana, o que representa aumento de 47,85% em relação às 15.161 internações do período imediatamente anterior, embora ainda abaixo do pico histórico de quase 29 mil registrado no início de dezembro.
Pequim deixou de enviar relatórios à OMS depois de suspender a política de Covid zero, no início de dezembro. Em âmbito doméstico, dois dos principais órgãos de saúde do país, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) e a Comissão Nacional de Saúde (NHC), haviam anunciado que deixariam de divulgar informes diários sobre casos e mortes por Covid sob a alegação de que o fim das medidas mais restritivas na prática impossibilitavam um acompanhamento mais detalhado.
O apagão de dados, somado ao histórico de controle estrito sobre a circulação de informações no regime de Xi Jinping, acendeu alertas sobre a subnotificação dos efeitos da crise chinesa em meio a relatos de hospitais lotados, médicos forçados a trabalhar mesmo quando infectados e uma alta não totalmente explicada na demanda de serviços funerários.
Nesta quinta-feira (5), a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Mao Ning, voltou a defender a resposta do país à pandemia e disse que o cenário é controlável. "Os fatos provaram que a China sempre, de acordo com os princípios de legalidade, pontualidade, abertura e transparência, manteve uma comunicação estreita e compartilhou informações e dados relevantes com a OMS em tempo hábil."
Na véspera, Pequim confirmou mais uma morte por Covid no país, elevando a cifra oficial para 5.259. Na contagem da OMS, morreram na China 32.524 pessoas em decorrência do coronavírus —518% a mais.
Questionada sobre a fala de americanos em relação à gestão chinesa da crise, Mao criticou o que chama de politização da pandemia e pediu esforços para combatê-la. "Se os EUA não tivessem politizado a epidemia e a tivessem tratado com responsabilidade, colocando a vida das pessoas à frente, como a China, talvez a situação da Covid nos EUA e no mundo inteiro não tivesse se tornado o que é hoje."
O presidente americano, Joe Biden, expressou preocupação com a crise sanitária em Pequim após os apontamentos feitos pela OMS na quarta-feira. Os EUA e ao menos outros 16 países e territórios impuseram restrições à entrada de viajantes oriundos da nação asiática, como a exigência de testes de detecção do vírus realizados antes dos embarques e depois das chegadas.
Essa lista deve crescer, já que a União Europeia recomendou formalmente a seus membros que exijam, além dos exames de diagnóstico, o uso de máscaras em voos com origem ou destino na China e que façam até testes e sequenciamentos em resíduos das aeronaves à procura de vestígios de contaminação.
Esse tipo de decisão cabe aos governos nacionais dos Estados-membros da UE, mas a formalização das recomendações tem efeito significativo sobre o bloco. A Alemanha, por exemplo, anunciou nesta quinta que vai implantar exatamente as medidas sugeridas pelo comitê de especialistas do bloco. Há uma semana, quando outros países já tinham iniciado as restrições, o Ministério da Saúde alemão afirmou que não via necessidade para a adoção das medidas já que não há indícios de surgimento de novas variantes.
Pequim alega que as medidas são irracionais, fruto de manipulação política e que não têm base científica.
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