Descrição de chapéu África

'Tirem as mãos da África', diz papa Francisco na República Democrática do Congo

País marcado por crises concentra interesses da Igreja Católica no continente; pontífice depois viaja ao Sudão do Sul

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São Paulo

Quando o papa Francisco desembarcou na República Democrática do Congo, nesta terça (31), o clima era de êxtase. Dezenas de milhares de pessoas foram para a estrada que liga o aeroporto à capital, Kinshasa, para acenar ao papamóvel, cantando e agitando bandeiras —a última visita de um pontífice ao país no coração da África aconteceu nos anos 1980, quando a nação ainda se chamava Zaire.

O tom mudou, no entanto, após Francisco se dirigir a dignitários no palácio presidencial. Em discurso inflamado, o argentino denunciou o que chamou de "colonialismo econômico" e atacou a comunidade internacional por "ter praticamente se resignado em relação à violência" que assola o país.

O papa Francisco é recepcionado pela população local em Kinshasa, capital da República Democrática do Congo
O papa Francisco é recepcionado pela população local em Kinshasa, capital da República Democrática do Congo - Luc Gnago/Reuters

"É uma tragédia que estas terras e todo o continente africano sigam enfrentando várias formas de exploração. O veneno da ganância manchou seus diamantes com sangue", disse o pontífice em referência à região rica em minérios, eterna fonte de conflitos entre governos, milícias e interesses estrangeiros.

"Tirem as mãos da República Democrática do Congo! Tirem as mãos da África! Parem de asfixiar a África! Ela não é uma mina ou um terreno a ser explorado. Deixem a África ser protagonista de seu destino."

A RDC é a parada inicial de um giro do papa pelo continente e marca a convergência de interesses da Igreja Católica na região —o olhar aos refugiados e aos recursos naturais, o movimento em direção a países tratados como periféricos e a interlocução com jovens católicos para conter o declínio de fiéis.

Francisco continua em Kinshasa até a manhã de sexta (3), quando viaja ao Sudão do Sul, o país mais jovem do mundo e um dos mais pobres. Ainda na noite desta terça, dezenas de milhares de pessoas se reuniram para uma vigília no aeroporto da capital. Muitos devem passar a noite no local à espera de uma grande missa marcada para esta quarta-feira (1°), com previsão de mais de um milhão de fiéis.

A visita do papa estava inicialmente agendada para o último mês de julho, mas teve de ser adiada devido às dores no joelho do líder de 86 anos, que tem usado uma cadeira de rodas para se locomover, e também à intensificação da violência em Goma, cidade no nordeste congolês. A viagem de Francisco se insere ainda em um momento de aumento dos episódios sangrentos na ex-colônia da Bélgica, que assiste a guerras contínuas por disputas de minerais como coltan, usado em produtos eletrônicos.

Mais recentemente, o ressurgimento do grupo armado M23, que conquistou muitos territórios na fronteira com Ruanda, tem multiplicado os casos de violência. Há ainda a presença de grupos terroristas como o Estado Islâmico (EI), que há duas semanas reivindicou o ataque a uma igreja pentecostal congolesa.

Francisco pareceu fazer menção a essas milícias ao afirmar que a população local está lutando para preservar sua integridade territorial "contra tentativas deploráveis de fragmentar o país".

"Assim como milícias armadas, potências estrangeiras famintas pelos minerais em nosso solo cometem, com o apoio direto e covarde de nosso vizinha Ruanda, atrocidades cruéis", disse o presidente congolês, Felix Tshisekedi, pouco antes do papa, no mesmo palco. Ruanda, não mencionada diretamente por Francisco, nega a acusação de apoio a grupos como o M23.

O líder da Igreja Católica também afirmou que a comunidade internacional passa a impressão de ter se conformado com a violência na RDC. "Não podemos nos acostumar com o derramamento de sangue que marca este país há décadas." A ONU estima que 5,7 milhões de congoleses tenham se tornado deslocados internos devido ao impacto dos conflitos, que também empurram 26 milhões a níveis severos de fome.

A viagem ocorre ainda em um período de expansão do segmento evangélico na nação —calcula-se que metade da população de cerca de 90 milhões de habitantes da RDC seja católica. À agência de notícias AFP o sociólogo Gauthier Muzenge Mwanza, da Universidade de Kinshasa, disse que o número de protestantes se expande, em parte, devido às crônicas crises sociais e políticas que assolam o território.

O declínio do catolicismo teve início no regime de Mobutu Sese Seko, que comandou o país da década de 1960 até 1997. O ditador apoiou a entrada de pastores evangélicos como parte de um plano para enfraquecer a Igreja Católica, que à época denunciava violações de seu regime.

Ainda que em trajetória descendente, instituições católicas ainda desempenham papel crucial na gestão de escolas e centros de saúde congoleses. Em 2022, a agência Fides, ligada ao Vaticano, estimou que os 265 milhões de católicos da África representavam cerca de 20% dos 1,3 bilhão de fiéis no mundo.

Ainda no avião, Francisco falou sobre a crise migratória que atinge a África, com ondas de cidadãos do continente tentando emigrar para a Europa. "São muitos que, sofrendo, cruzam o deserto para tentar chegar ao Mediterrâneo e então são colocados em campos de concentração", disse o pontífice, referindo-se a centros de detenção na Líbia, alvos de acusações de violação de direitos humanos.

Com AFP e Reuters

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