Profissionais do sexo na Ucrânia correm riscos de saúde ainda maiores após guerra

Invasão russa afetou esforço do país para barrar disseminação do HIV e diminuiu renda de trabalhadores do setor

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Maria Varenikova
Kamianska (Ucrânia) | The New York Times

Quando as sirenes de alerta de ataque aéreo silenciaram, Olena saiu do abrigo e voltou para a calçada, esperando clientes em busca de sexo. Enquanto as bombas russas caíam, assistentes sociais notaram uma redução nos tratamentos de HIV. As pessoas que precisavam deles desapareceram das ruas.

Quando soldados abordavam Tetiana, normalmente armados, muitas vezes pediam descontos que ela não tinha coragem de negar. "Os soldados falavam ‘Tania, venha por uma hora’", conta ela, mas depois pediam mais tempo. "Acabo indo e os entretendo a noite toda pelo mesmo dinheiro."

Natasha, de costas, com a filha, ao fundo, em um apartamento em Kiev, depois de fugirem da cidade de Liman
Natasha, de costas, com a filha, ao fundo, em um apartamento em Kiev, depois de fugirem da cidade de Liman - Lynsey Addario/The New York Times

A invasão russa afetou todas as cidades, as indústrias e os profissionais de todos os setores na Ucrânia, matando milhares de civis e obrigando milhões de outros a abandonar suas casas. As pessoas que vendem sexo, um grupo especialmente vulnerável mesmo em tempos de paz, correm risco ainda maior de pobreza, coerção e problemas de saúde, afirmam prostitutas e assistentes sociais.

E essa situação gera consequências na luta da Ucrânia para barrar a propagação do HIV.

No país, um dos maiores destinos europeus de turismo sexual antes da guerra, a prostituição é ilegal, mas amplamente tolerada. De acordo com o Centro de Saúde Pública da Ucrânia, órgão administrado pelo governo, a indústria do sexo era grande, envolvendo estimados 53 mil profissionais.

A guerra reduziu fortemente a renda desses profissionais e afetou os programas assistenciais de combate à dependência de drogas e de tratamento do HIV. Antes da invasão, o país tinha um grande número de portadores do vírus, e o combate ao HIV era uma das prioridades do serviço de saúde.

Segundo o centro de saúde, um terço das pessoas que antes da guerra tinham direito a assistência para combater a doença e a dependência de drogas não estava mais recebendo essa ajuda no verão no Hemisfério Norte de 2022. A guerra desmontou anos de progresso na direção de práticas mais seguras.

Mas vários profissionais do sexo –que autorizaram entrevistas sob a condição de que só fosse usado seu primeiro nome, por preocupação com familiares e medo da polícia— disseram que precisam do trabalho para sobreviver. "No primeiro dia da guerra eu não vim para cá", disse Olena, entrevistada numa estrada nas proximidades de Kamianske, na parte central da Ucrânia. "Mas no segundo dia, sim."

Outra mulher, Liudmila, contou que hoje cobra US$ 6 (R$ 30) por hora, metade do que recebia antes da guerra. "Nem meus clientes regulares podiam me procurar, porque não tinham dinheiro", disse ela.

Vários profissionais disseram que a mobilização militar de centenas de milhares de homens mudou o perfil de sua atividade. Soldados invadiram as cidades e armas passaram a estar presentes em toda parte.

Liudmila afirma que alguns soldados têm sido gentis, levando gorjetas e flores. Por outro lado, Olena diz que não entra num carro se houver mais de um homem no veículo, e Tetiana contou que alguns se negam a pagar o preço combinado. "Às vezes alguém me promete US$ 12 [R$ 60], faço meu trabalho, mas ele só me paga US$ 7 [R$ 35]. Ele fala ‘estou ganhando menos agora’, e eu digo ‘então não venha me procurar’."

A guerra reduziu fortemente o número de clientes estrangeiros, contou uma profissional chamada Rita, que cria dois filhos pequenos. Vlada, que trabalha no mesmo prostíbulo e disse que ajuda a sustentar sua mãe e irmãos, disse que passou de 18 clientes por dia para cerca de sete.

"Antigamente os clientes nos davam gorjetas tão boas que esquecíamos de buscar nossos salários", afirma ela. "Agora, depois de entregar metade para o dono da casa, só ganhamos US$ 40 [R$ 203]."

Denis vive na capital Kiev e trabalha principalmente com gays. Ele contou que nas primeiras semanas da guerra foi viver numa estação de metrô, evitando os bombardeios, mas sem ganhar nada. Mesmo depois, o movimento estava lento. "As pessoas estão mentalmente exaustas", disse ele. "Estão fartas de conviver com essas sirenes de ataque aéreo. Têm outras prioridades que não são sair comigo."

Para tentar compensar a renda perdida, Denis agora procura ajudar os assistentes sociais, cujos recursos escassos foram profundamente exauridos pela guerra. Em Dnipro, a entidade beneficente Virtus registrou 2.300 profissionais do sexo. Mas, segundo uma assistente social, Irina Tkachenko, um número muito maior chegou à cidade fugindo dos combates. "Leva tempo para criar uma relação de confiança."

Como as redes de abastecimento não estão funcionando normalmente, os assistentes sociais têm menos camisinhas e menos seringas para distribuir para evitar o compartilhamento por usuários de drogas.

Uma das maiores preocupações dos assistentes sociais é a propagação do HIV. O tratamento com antirretrovirais ajuda a reduzir a transmissão, mas nos últimos 12 meses cerca de 40 dos centros de tratamento no país deixaram de funcionar, em metade dos casos por ter sido danificados por bombas.

Outra mulher chamada Tetiana, assistente social que há 15 anos trabalha com profissionais do sexo em Kamianske, distribui o que pode e recomenda às pessoas que continuem a tomar seus remédios.

"Fazemos um esforço grande para ensinar as pessoas a se cuidarem", disse ela. "Conheço todos como se fosse sua mãe, mas eles frequentemente não me dão ouvidos. Fico aqui e tento protegê-los."

Tradução de Clara Allain 

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