Saiba quais mentiras George Santos contou e o que pesa contra o deputado nos EUA

Republicano filho de brasileiros é alvo de diferentes investigações, inclusive sobre fundos de campanha

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Washington

Menos de um minuto depois que o deputado republicano George Santos publicou em seu Twitter uma homenagem ao herói americano Martin Luther King, celebrado em feriado na segunda-feira (16), o perfil do político já se inundou de comentários.

Uns, mais suaves e diretos, diziam: "Renuncie agora". Outros apelavam para um humor ácido. "Obrigado por participar da marcha em Selma, você é um político incrível", escreveu uma pessoa, em referência aos eventos que o líder do movimento negro nos EUA promoveu em 1965. "Tenho certeza que esse dia carrega um significado especial para você porque ele foi seu padrinho e mestre de caratê", respondeu outro, dobrando a aposta na ironia.

As mensagens sarcásticas de gente comum, propositadamente fantasiando sobre o passado do parlamentar, ajudam a resumir o que virou a vida de Santos desde que começaram a vir à tona, há um mês, as mentiras que ele contou para ser eleito. A elas se somaram investigações, nos EUA e no Brasil, e a pressão para que renuncie, em um dos casos mais bizarros da história recente da política americana.

O republicano George Santos durante sessão na Câmara, em Washington - Olivier Douliery - 4.jan.23/AFP

Quem é George Santos? George Anthony Devolder Santos, 34, é um político de Nova York eleito pelo Partido Republicano para a Câmara dos Representantes dos EUA, na qual tomou posse neste mês, na nova legislatura.

Apoiador ferrenho do ex-presidente Donald Trump, Santos teve a vida virada de cabeça para baixo após a eleição, quando o jornal The New York Times mostrou que ele mentiu sobre vários aspectos da vida para atrair eleitores de seu distrito —do currículo acadêmico e profissional às fontes de renda e origens familiares. Ele depois viria a ser investigado também por suas contas de campanha.

Qual a relação dele com o Brasil? Santos é filho de pais brasileiros e, até onde se sabe, nasceu no bairro do Queens, em Nova York. Ele fala português fluente, sem sotaque estrangeiro, e viveu alguns períodos no Brasil. Apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), se encontrou com o deputado federal brasileiro Eduardo Bolsonaro (PL-SP) antes de ser eleito, com registros publicados nas redes sociais.

Antes que o escândalo atual viesse à tona, ele recebeu a deputada bolsonarista Carla Zambelli (PL-SP) e o comentarista Paulo Figueiredo (neto do último presidente da Ditadura Militar, João Figueiredo) nos EUA.

Como surgiram as primeiras suspeitas? Santos já era relativamente conhecido na região pela qual foi eleito desde que concorreu para deputado em 2020, sem sucesso, e contestou a derrota. Antes das midterms de 2022, um jornal local de Long Island, The North Shore Leader, escreveu que até queria apoiar um candidato republicano no distrito, mas ressaltou que "o indicado [Santos] é tão bizarro, sem princípios e rudimentar" que não poderia fazê-lo. O veículo endossou o democrata Robert Zimmerman, que perdeu.

O North Shore Leader chamou a atenção para o fato de que o postulante vivia em uma casa simples enquanto se gabava de riqueza e citou a estranheza que um político local relatou com a rápida evolução patrimonial dele nos dois anos entre um pleito e outro.

Em 19 de dezembro, reportagem do New York Times desvelou uma série de mentiras. O texto mostrou que Santos dizia ter experiência no mercado financeiro, mas as duas firmas de Wall Street que ele citava, Citigroup e Goldman Sachs, não tinham registro dele como funcionário. A universidade em que contou ter estudado, Baruch College, tampouco possuía histórico dele como aluno. A história de antepassados judeus fugidos do nazismo na Europa carecia de referências. O jornal ainda resgatou uma acusação na Justiça brasileira, por roubo de um talão de cheques em Niterói em 2008, entre outros casos.

Santos acusou o Times de perseguição política, mas a teia de histórias mal contadas foi se desenrolando. Ele mentiu sobre a mãe ser uma executiva que morreu por inalação de fumaça nos atentados às Torres Gêmeas em 11 de Setembro —ela na verdade morreu 15 anos depois do episódio e trabalhava como faxineira e cuidadora. E sobre quatro ex-funcionários terem sido mortos no ataque à boate gay Pulse, em 2016 —não há registro de que nenhuma das 49 vítimas tenha atuado em empresas citadas por ele.

O que pesa contra Santos? Novas denúncias contra o brasileiro-americano, de todos os tipos, continuam a aparecer. Nesta quarta (18), por exemplo, ele foi acusado por um ex-militar de ter promovido uma arrecadação de fundos para custear a cirurgia do cachorro do veterano, que à época vivia na rua, e roubado os US$ 3.000.

Não se sabe ainda a implicação das mentiras contadas, mas há investigações abertas por procuradores federais e promotores em Nova York. Uma acusação que pode causar danos foi ter enviado emails a apoiadores oferecendo visitas ao Congresso em troca de "doações" de até US$ 500 —o que não é permitido pelas regras da Casa. No Brasil, o Ministério Público do RJ também decidiu reabrir o processo por estelionato, que estava suspenso porque autoridades não conseguiam localizá-lo. A ação corre agora em sigilo.

A maior dor de cabeça, porém, vem das contas de campanha. Com um histórico de dificuldades financeiras e processos de despejo, Santos declarou aos registros oficiais ter investido US$ 700 mil em sua eleição —e há dúvidas sobre a fonte desse dinheiro. Uma acusação apresentada ao Comitê Federal Eleitoral (FEC), que monitora gastos de campanha, afirma que ele ocultou os verdadeiros doadores e usou fundos para pagar despesas pessoais, o que é irregular.

Um dos doadores declarados de sua campanha é o empresário Andrew Intrater, primo do oligarca russo Viktor Vekselberg, alvo de sanções do governo americano. Prolífico apoiador republicano, Intrater investiu ao menos US$ 30 mil na eleição de Santos. O jornal The Washington Post mostrou que a relação entre os dois é antiga e que uma firma do doador fez um aporte de US$ 625 mil em uma companhia para a qual Santos trabalhou na Flórida.

Outro conhecido apoiador republicano que financiou Santos é o chinês Cheng Gao, que colocou US$ 11,2 mil na campanha. O filho de brasileiros recebeu ainda doações e apoio da família do italiano Rocco Oppedisano, preso em 2019 por transportar imigrantes de forma irregular das Bahamas para a Flórida.

Como está a vida de George Santos no Congresso? Desde que ele tomou posse, teve pouca paz, sendo procurado por repórteres em qualquer aparição nos corredores. Nos primeiros dias, ficou isolado nas sessões da longa eleição para presidente da Câmara, com o caráter tóxico de sua presença reforçado por adversários democratas.

Ao longo dos dias, porém, foi se aproximando de republicanos radicais como Marjorie Taylor Greene, apoiadora de teorias da conspiração como o QAnon. Agora, como prova de sua resiliência e de que tem contornado a resistência a ele, deve assumir vagas em duas comissões: a de Pequenos Negócios e a de Ciência, Espaço e Tecnologia.

O que o segura no cargo, então? Justamente a fragilidade dos republicanos na atual legislatura. O partido conquistou maioria na Câmara nas midterms, mas, com 222 cadeiras, só tem 4 deputados a mais do que o mínimo necessário —ou seja, margem mínima de dissidência interna, e cada voto importa.

Retirar Santos da Casa implicaria nova eleição, porque nos EUA não há a figura de suplente, como no Brasil. Ante o desgaste e o fato de seu distrito ser do tipo pêndulo (ou seja, sem preferência partidária clara), o assento poderia voltar para um democrata no pleito extraordinário.

Outro fator é o novo presidente da Câmara, Kevin McCarthy, de liderança contestada mesmo entre republicanos, a ponto de ter demorado quase uma semana para ser eleito ao cargo —o que não acontecia havia um século e meio. Ele precisa de Santos ao seu lado porque, nesse processo, se enfraqueceu politicamente, cedendo à ala radical da legenda e concordando com uma nova regra que permite a abertura de uma votação para tirá-lo do cargo a qualquer momento que um deputado queira fazê-lo. Nessa corda bamba, evita críticas contundentes, para ter o apoio do brasileiro-americano.

O que pensa o Partido Republicano? A legenda dá sinais dúbios. Ao mesmo tempo que Santos deve assumir cargos em comissões na Câmara, correligionários aumentaram as críticas públicas a ele. No domingo (15), o presidente do Comitê de Supervisão, James Comer, disse que Santos está sob risco. "Não cabe a mim determinar se ele pode ser expulso por mentir. Agora, se ele quebrou as leis de financiamento de campanha, será removido", disse à CNN, chamando o colega de "um cara mau".

A pressão maior vem do condado de Nassau, onde fica o distrito que elegeu Santos. Chefe local do partido, Joseph G. Cairo Jr. disse que o político perdeu a confiança dos republicanos. "Ele envergonhou a Câmara, não o consideramos um de nós", disse, pedindo sua renúncia imediata.

O que Santos diz? Muito pouco. Ele não respondeu às tentativas de contato da Folha e tem evitado jornalistas. Depois da primeira reportagem no Times, disse por meio de advogado que era vítima de perseguição política. Depois, em entrevista ao New York Post, assumiu ter mentido, mas afirmou que seu pecado foi ter "embelezado" seu currículo, não sendo criminoso nem nos EUA nem no Brasil. Ao portal Semafor disse que sua fortuna recente vem da intermediação de negócios financeiros para empresários.

"A mídia continua a fazer afirmações ultrajantes sobre minha vida enquanto estou trabalhando para entregar resultados. Não vou ser distraído nem perturbado por isso", escreveu no Twitter na quinta (19). Apesar da fritura cada vez mais alta, Santos repete com frequência que não vai renunciar.

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