El Salvador dobra capacidade prisional com megaprisão para 40 mil detentos

País com maior taxa de encarceramento do mundo aposta em rígida política contra gangues e acumula denúncias de violações

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São Paulo

O presidente de El Salvador, Nayib Bukele, inaugurou nesta quarta-feira (1º) uma prisão com capacidade para 40 mil pessoas, após o país alcançar no ano passado a maior taxa de encarceramento do mundo.

O complexo foi construído em região rural e isolada do município de Tecoluca, a 74 km da capital, San Salvador. Um muro com dois quilômetros de extensão cerca a construção, que terá dez pavilhões com celas de concreto armado. De acordo com o governo, 600 soldados e 250 policiais vão vigiar o prédio.

O novo presídio foi divulgado em comunicado oficial em cadeia nacional de rádio e TV e propagandeado pelo ministro de Obras Públicas, Romeo Rodríguez, como "a maior prisão de toda a América". A obra deveria ter sido concluída em setembro, mas as autoridades não deram explicações sobre o atraso.

Nova prisão de El Salvador, na zona rural de Tecoluca
Nova prisão de El Salvador, na zona rural de Tecoluca - Secretaria de Imprensa da Presidência via Reuters

A construção mais do que dobra o número de vagas prisionais no país, que hoje conta com 20 detenções, com capacidade total de 30 mil pessoas —embora mais de 97 mil salvadorenhos estejam privados de liberdade, segundo o jornal La Prensa Gráfica. A cifra corresponde a 2,2% da população maior de 18 anos.

Os números fizeram a pequena nação centro-americana de 6,6 milhões de habitantes chegar, no ano passado, ao topo do ranking de países com maior taxa de encarceramento do mundo. Os dados são da World Prison Brief, organização sediada na Universidade Birkbeck, em Londres.

No vídeo de divulgação, com ares cinematográficos, Bukele circula pela penitenciária que chama de Centro de Confinamento de Terrorismo acompanhado do vice-ministro de Justiça e diretor-geral de centros penais, Osiris Luna. A peça mostra o que seriam equipamentos tecnológicos de ponta para revistar quem entra na prisão, além do arsenal do prédio e as celas solitárias, onde o preso "não poderá ver a luz do dia". O início das transferências de detentos ao novo complexo ainda não foi divulgado.

Para Amparo Marroquín, pesquisadora de comunicação política no Conselho Latino-americano de Ciências Sociais, Bukele tenta vender a ideia de que produziu instalações de primeiro mundo, à semelhança do que já havia feito com os hospitais construídos para lidar com o coronavírus.

"Ele se mostra como o homem forte que vai colocar na prisão todos os bandidos", diz. "Simbolicamente, é a finalização de uma narrativa. 'Te castigo e agora tenho um lugar perfeitamente equipado para te punir'."

Johanna Ramírez, do grupo de Atenção a Vítimas do Serviço Social Passionista, afirma que a megaprisão não contempla demandas reais do sistema penitenciário local. Um novo centro de detenção, diz ela, deveria indicar com clareza quem será transferido, quais os critérios e se haverá notificações à Justiça.

"Continuamos preocupados com a situação dos direitos humanos no país. Há quem desconheça a situação legal de seus familiares presos e até quem não saiba se seus entes estão vivos", afirma Ramírez. "Esperamos que, com a construção desse megacentro, permita-se a entrada de organizações internacionais para averiguar a situação das pessoas presas."

Nayib Bukele e Osiris Luna em vídeo transmitido em cadeia nacional para apresentar megaprisão - Secretaria de Imprensa da Presidência/via Reuters

A inauguração acontece um ano antes do pleito de 2024, em que Bukele vai concorrer outra vez, contrariando a Constituição salvadorenha, que veta a reeleição direta. O político fechou 2022 com aprovação de 88%, um recorde nas Américas, segundo pesquisa do jornal La Prensa Gráfica.

Bukele adota falas linha-dura. No Twitter, posta fotos das detenções e chegou a dizer que racionaria a comida. "Se a 'comunidade internacional' está preocupada com seus anjinhos, tragam comida a eles, porque não tirarei verba das escolas para dar comida a esses terroristas", afirmou no ano passado.

No vídeo desta quarta, afirmou, sem apresentar provas, que governos anteriores permitiam que os presos tivessem acesso a prostitutas, celulares e computadores, o que chamou de "premiação dos delinquentes".

Sob a justificativa de travar uma guerra contra as pandilhas, gangues criminosas do país, Bukele aprovou, em março de 2022, um estado de exceção no país que dura até hoje. A medida foi uma resposta ao fim de semana mais letal de El Salvador desde 2001, quando 87 pessoas foram mortas em 72 horas.

Antes, o país, que era um dos mais violentos do mundo, registrava dias sem mortes. Há evidências de que a onda de violência explodiu devido ao fim de um pacto do atual governo com criminosos. Em maio, o jornal El Faro revelou áudios que mostravam negociações entre um membro do governo e a MS-13, uma das três principais pandilhas do país. Após o estado de exceção, as taxas de homicídio voltaram a cair.

Diversos órgãos de direitos humanos, além de moradores, no entanto, denunciam prisões de inocentes e suspeitas de maus-tratos nos centros penitenciários. Na sexta-feira (27), a Human Rights Watch afirmou que uma base de dados obtida pela ONG sustenta a existência de superlotação severa das prisões, violações em massa do devido processo legal e detenções de adolescentes. Segundo a organização, os dados são do Ministério da Segurança Pública e listam pessoas processadas sob o estado de exceção.

A Human Rights Watch afirma ainda que, no final de agosto, 1.082 menores de idade foram presos —918 do sexo masculino, e 164, do feminino—, incluindo 21 adolescentes de 12 e 13 anos. O banco de dados também contabiliza ao menos 32 pessoas mortas sob custódia do Estado.

Com AFP

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