Descrição de chapéu The New York Times

Famílias negras deixam Nova York após alta no custo de vida

Movimento preocupa analistas, que apontam para escassez de mão de obra em alguns setores e concentração no Sul

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Troy Closson Nicole Hong
The New York Times

Athenia Rodney é produto da mobilidade social que Nova York prometia aos negros americanos. Ela cresceu em bairros de maioria negra no Brooklyn, estudou em escolas públicas e cursou faculdade de artes com bolsa de estudos integral. Depois, abriu uma empresa de planejamento de eventos na cidade.

Mas, com sua família crescendo, ela se viu morando num apartamento alugado de um quarto, com seus três filhos dividindo um beliche na sala. Era difícil inscrevê-los em programas nos quais pudessem ter acesso a espaços verdes ou aulas de natação. Olhando para as postagens de amigos em redes sociais mostrando trampolins em quintais amplos na Geórgia, a solução ficou clara para ela: sair de Nova York.

A família Rodney em sua nova casa na cidade de Snellville, na Geórgia
A família Rodney em sua nova casa na cidade de Snellville, na Geórgia - Nicole Craine/The New York Times

No verão passado, a família comprou uma casa de cinco quartos em Snelville, na Geórgia. "Estava ficando cada vez mais difícil criar meus filhos em Nova York", disse ela. Os Rodneys fazem parte de um êxodo de moradores negros de Nova York. De 2010 a 2020, uma década na qual a população da cidade cresceu de modo surpreendente graças ao aumento dos residentes asiáticos e hispânicos, o número de residentes negros diminuiu. Esse declínio refletiu uma tendência nacional de profissionais negros mais jovens, famílias de classe média e aposentados deixando cidades no nordeste e do Meio-Oeste e indo para o sul.

O declínio é mais nítido entre os mais jovens: o número de crianças e adolescentes negros na cidade caiu mais de 19% no período. E os dados relativos a matrículas escolares indicam que essa queda continua. As escolas perderam alunos de todos os grupos demográficos, mas a perda de crianças negras tem sido mais acentuada, devido ao êxodo de famílias e à queda do índice de natalidade das mulheres negras.

Os fatores que impelem famílias como os Rodneys a deixar a cidade são muitos, incluindo preocupações com a qualidade das escolas, o desejo de viver mais perto de seus parentes e as condições habitacionais apertadas. Mas muitos dos entrevistados para esta reportagem apontaram para uma causa principal: o custo sempre crescente de criar seus filhos em Nova York.

As famílias negras que buscam oportunidades em lugares onde empregos e habitação são mais fartos estão encontrando novas chances de prosperar. Mas o êxodo pode modificar a composição de Nova York num momento em que o poder político negro está em alta. Isso preocupa lideranças negras, além de economistas que apontam para uma escassez de mão de obra em setores como enfermagem, que tradicionalmente têm participação forte de profissionais negros.

O cineasta Spike Lee, que há anos promove Nova York, receia que a cidade fique mais cara e menos acessível, especialmente para pessoas não brancas, que tanto contribuíram para a cultura nova-iorquina, desde o nascimento do hip-hop em South Bronx até artistas como Alvin Ailey e Jean-Michel Basquiat.

"É triste, porque Nova York deixou de ser uma cidade acessível", disse Lee. E, se negros não têm condições econômicas de viver nela, "podemos seriamente dizer que Nova York não é a maior cidade do mundo."

Eric Adams, o segundo prefeito negro de Nova York, prometeu criar uma cidade economicamente acessível, para frear "a hemorragia de famílias negras e pardas". Sua campanha para o cargo foi erguida em parte sobre uma biografia que reflete as raízes da comunidade negra na cidade: seus pais vieram do Alabama durante a Grande Migração, ascenderam da pobreza no Brooklyn para a classe média no Queens, compraram casa própria, e seus filhos estudaram em escolas e faculdades públicas.

Famílias negras mais jovens dizem que essa trajetória ficou mais difícil. A alta inflação e a turbulência do mercado de imóveis de aluguel, com o recuo da pandemia, têm prejudicado nova-iorquinos de todas as origens. Mas as famílias negras estão muito atrás das brancas em matéria de ser donas de casa própria e de acúmulo de patrimônio. Sua renda anual média é de US$ 53 mil (R$ 274 mil), comparada com US$ 98 mil (R$ 507 mil) no caso das famílias brancas, segundo os dados de recenseamento mais recentes.

Ruth Horry, 36, é uma mãe negra que passou anos vivendo em sucessivos apartamentos no Brooklyn infestados de baratas e roedores, tendo que se mudar repetidas vezes em função de aumentos de aluguel. Ele e suas três filhas acabaram indo parar no sistema de abrigos da cidade. Num abrigo no Queens, a pia era tão pequena que Horry levava suas filhas para lavar o cabelo no banheiro de um McDonald’s próximo.

"As condições de qualquer lugar que tinha condições de pagar eram medonhas. Estava tão farta daquilo."

No final de 2019 ela se mudou para Jersey City graças a um programa da Prefeitura de Nova York conhecido como programa de Assistência Especial Única que transfere famílias carentes para habitação permanente com um ano de aluguel pago adiantado. A queda no custo de vida transformou sua vida, disse Horry. E ela está pensando em se mudar para o Sul do país para economizar ainda mais.

"Não recebo auxílio-alimentação, benefício social nem ajuda com o aluguel", disse Horry, que hoje vive num apartamento de dois quartos e paga o aluguel mensal de US$ 1.650 (R$ 8.540) com o salário que recebe de uma ONG que ajuda famílias no bairro de Brownsville, no Brooklyn. "É uma sensação fantástica."

O êxodo de residentes negros de Nova York vem beneficiando o Sul do país, especialmente. A economia da região está prosperando com a chegada de pessoas de Nova York e de outras áreas do norte dos EUA.

Mas Regine Jackson, professora no Morehouse College, em Atlanta, e estudiosa de padrões migratórios, disse que, ao mesmo tempo em que mais nortistas negros tomam a decisão de partir, ainda não está claro se o Sul vai conseguir lhes oferecer as oportunidades maiores que eles buscam.

O bairro do Harlem, na cidade de Nova York, que perdeu aproximadamente 5.000 moradores negros de 2010 a 2020
O bairro do Harlem, na cidade de Nova York, que perdeu aproximadamente 5.000 moradores negros de 2010 a 2020 - Hilary Swift/The New York Times

Eles podem ter ficado desiludidos com a vida no Norte, disse Jackson, mas ainda há problemas no Sul. "Houve muitos avanços desde o movimento dos direitos civis, mas ainda há muita coisa por fazer".

A escassez de imóveis residenciais em Nova York continua, e os aluguéis permanecem altos. A governadora Kathy Hochul prometeu recentemente construir mais de 800 mil novas unidades habitacionais em todo o estado nos próximos dez anos –o dobro do que foi erguido nos últimos dez.

Christie Peale é diretora da ONG Center for New York City Neighborhoods, que promove a aquisição de casa própria a preços mais acessíveis. Para ela, é preciso um esforço mais decisivo nessa área.

"Nosso receio é que a cidade se torne mais branca e mais rica e que as oportunidades de aproveitar o mercado forte estarão abertas apenas a investidores, pessoas com alto poder aquisitivo", disse Peale.

Segundo o censo, 31% da população de Nova York hoje é branca, 28%, hispânica, e quase 16%, asiática. A população branca se manteve quase igual, mas a população asiática cresceu 34%, e a hispânica, 7%.

A perda de famílias negras já vem tendo consequências importantes para o sistema de ensino. Algumas escolas encolheram, e professores tiveram que ser remanejados devido à queda nas matrículas. Nos últimos cinco anos as escolas públicas perderam mais de 100 mil alunos. É uma crise que também afeta outros distritos urbanos como Boston e Chicago. Em 2005, alunos negros compunham 35% dos estudantes do ensino primário e secundário em Nova York; hoje eles representam perto de 20%.

A administração vem procurando aumentar o acesso a caminhos seletivos, como o programa de Nova York para alunos talentosos. Mas os pais receiam que, em um sistema profundamente segregado, escolas que recebem sobretudo alunos negros possam ser mais atingidas em rodadas futuras de cortes nos orçamentos das escolas e que a queda dos recursos e os cortes aos programas provoquem mais êxodos.

Tradução de Clara Allain 

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.