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Livro faz mergulho histórico em nações da vizinhança russa e explora curiosidades

Escritora norueguesa Erika Fatland traz relato etnográfico em material que vai de Tchernóbil a Nagorno-Karabakh

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São Paulo

Viktor Ianukovitch foi o presidente da Ucrânia deposto em 2014 pela revolução que pedia uma aproximação política com a União Europeia. Ele se exilou na Rússia. Mas ele foi um pouco mais que isso.

O palácio que construiu em Kiev como propriedade particular está hoje aberto ao público e se chama Museu da Corrupção. E mostra o quanto Ianukovitch foi também um homem de profundo mau gosto: os aparelhos de TV pendurados nas paredes têm grossas molduras douradas, como se fossem telas renascentistas. E os porta guarda-chuvas são de pele genuína de cobra.

Cidade fantasma de Pripyat, perto da região da usina nuclear de Tchernóbil, na Ucrânia
Cidade fantasma de Pripyat, perto da região da usina nuclear de Tchernóbil, na Ucrânia - Genia Savilov - 8.dez.20

Tais informações estão em "A Fronteira", delicioso livro da antropóloga e escritora norueguesa Erika Fatland, que produziu um relato meio histórico e meio etnográfico dos países que fazem fronteira com a Rússia —eles são 14 e mais o território do Ártico. Dentro da vasta borda russa cabem curiosidades que transformam a prosa de Fatland em uma espécie de guia turística para curiosos.

Ainda sobre a Ucrânia, a principal avenida de Kiev, com o nome complicado de Khrechatik, teve em 1941 cerca de 300 de seus prédios destruídos pelos russos que batiam em retirada. Centenas de alemães morreram debaixo de escombros. As bombas foram acionadas a longa distância por controle remoto. Depois da guerra, a avenida foi refeita no estilo stalinista.

Longe da capital há o que sobrou do complexo de Tchernóbil, cujo reator número quatro explodiu em abril de 1986 e provocou a maior tragédia nuclear da história civil do planeta. Pois bem, o local virou ponto turístico. Os responsáveis asseguram não haver mais risco de radiação. Mas, por via das dúvidas, sensores são alugados por US$ 10 na loja de lembrancinhas.

Fazendo fronteira com a Rússia há também a Mongólia, com 6 milhões de habitantes e cuja capital, Ulan Bator, tem um terço da população de nômades, acomodados em iúrtes, tendas circulares de couro. A Mongólia é também a terra de Gengis Khan, que no século 13 unificou as tribos locais e as expandiu num império que, bem depois, ocupava da atual Coreia do Norte a um pedaço da Polônia.

O livro de Fatland se atém à fronteira nordeste da Rússia, na longa viagem em que beirou o polo Norte e chegou ao estreito de Bering, que separa a Ásia do Alasca e por onde passa o meridiano que troca de dia no calendário dos humanos. A autora integrou o grupo de 48 passageiros do barco russo Akademik Chokalski, que navegou pelas águas geladas da região.

Viktor Bering morreu em 1741, e, no século seguinte, em 1876, o czar Alexandre 2º vendeu o Alasca aos EUA por US$ 7,2 milhões. De longe, o pior negócio fechado pelos russos durante a dinastia dos Romanov.

A Rússia tem uma fronteira curtinha, de apenas 19 km, com os norte-coreanos. A escritora visitou na ditadura comunista a cidade de Chonun, onde nos anos 1990 a fome matou um quinto da população.

Claro que nenhum monumento lembra a alma dessas vítimas da incompetência do país em produzir alimentos. Em compensação, há por lá um Museu da Revolução e duas imensas estátuas do pai e do avô do ditador Kim Jong-un, eles próprios ditadores.

Assim como a Ucrânia, o Azerbaijão foi uma república soviética que se tornou independente e hoje faz fronteira com a Rússia. A abundância local de petróleo alimentou a utopia da URSS. Por lá, um cessar-fogo de 1994 pôs fim à disputa pela região de Nagorno-Karabakh, após dois anos de confronto entre Armênia e Azerbaijão. Entre 20 mil e 30 mil pessoas morreram no conflito.

Mais pacífica é a história do Cazaquistão, onde Fatland visitou o cosmódromo de Baikonur, de onde foi lançado em 1957 o Sputnik, primeiro satélite feito pelo homem, e depois todos os cosmonautas russos, a começar pelo pioneiro Iuri Gagarin. Surpresa: com um lançamento de foguete postergado, a escritora norueguesa se deparou com uma cidade deserta e desprovida de qualquer charme.

A capital cazaque, Astana, tem arquitetura moderna, amplas avenidas, mas pouco transporte público. Com isso, imensos congestionamentos de veículos não condizem com uma cidade de apenas 800 mil pessoas.

No país, os cazaques são maioria. A população russa, em média bem mais velha, declina 1,5% por ano. Por fim, na imensa China, Fatland visitou Harbin, cidade da Manchuria controlada pelos japoneses entre 1931 e 1945 e cuja curiosidade é a de ter abrigado a maior comunidade judaica do Oriente —20 mil pessoas que hoje não estão mais por lá.

Foi em Harbin que os japoneses operaram experimentos médicos em humanos. Ao deixarem a cidade, soltaram os ratos inoculados com a peste. Os russos devolveram Harbin à China, mais precisamente aos comunistas de Mao Tsé-tung, ainda em guerra pelo poder.

A fronteira — Uma viagem em torno da Rússia

  • Preço R$111,90; 692 páginas
  • Autor Erika Fatland
  • Editora Âyiné
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